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© André Correia

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"99,9% das startups fracassa. Mas toda a gente sabe que é esse o jogo"

Membro do Y Combinator e fundador da Justin.tv, comprada pela Amazon em agosto, por mais de mil milhões de dólares. Porque é que a maior parte das startups comete suicídio? Michael Seibel explica.

Michael Seibel é partner de um dos programas de aceleração mais admirado pelos empreendedores, o Y Combinator, em pleno epicentro das startups norte-americanos, Silicon Valley, na Califórnia. Foi de lá que saíram empresas como a Dropbox e AirBnB. Ao Observador, explicou que os empreendedores não devem ter medo de arriscar, que ter uma boa equipa é fundamental para o sucesso e que os cofundadores devem vir da rede pessoal de contactos. Amigos, pessoas com quem bebem copos ou ex-colegas de trabalho. O importante é que saibam que gostam de estar juntos. O próximo “rapaz na garagem” – alusão a Steve Jobs, que desenvolveu a Apple na garagem de sua casa – pode estar em qualquer lado. E, se existirem adversidades, é melhor esquecê-las. Até porque, como diz o ditado norte-americano, a ignorância pode ser uma bênção.

O Y Combinator já ajudou a lançar 716 empresas que, em conjunto, têm um valor de mercado de mais de 30 mil milhões de dólares, ou seja, de cerca de 23,46 mil milhões de euros. Além de sócio do Y Combinator, Michael Seibel fundou a Justin.tv, que, em agosto de 2014, foi comprada pela Amazon por mil milhões de dólares, cerca de 781,2 milhões de euros.

"O que distingue as pessoas que lançam startups é que elas têm imenso espaço para falhar." 
Michael Seibel

O Y Combinator já investiu nalgumas startups portuguesas, como a Unbabel, a Orankl ou a Impraise, mas este é um ecossistema que ainda está no início. O que está a faltar?

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Acho que existem duas coisas que podem preocupar os empreendedores europeus, que não seriam motivo de preocupação caso estivessem nos Estados Unidos da América (EUA). A primeira é o mercado. Se lançarem uma empresa nos EUA, o mercado é enorme. Tem muitas pessoas, todos falam a mesma língua, etc. Mas se a lançarem na Europa, têm de se preocupar em sair do seu país e chegar a outro maior, dentro da União Europeia ou fora. Depois, são os investidores. Na Europa, estão um pouco mais conservadores, tem sido mais difícil levantar capital e fazem mais perguntas: querem saber de resultados, lucros, sentir-se confortáveis quando investem. Isso faz com que o processo seja mais complicado para as startups europeias. Mas, para ser franco, é algo que não me preocupa muito: 99,9% das startups fracassa. Mas toda a gente sabe que é esse o jogo que está a jogar. E, quando se falha, não é porque se está nos EUA ou na Europa, é porque se está a tentar fazer algo. E é isso que me leva a crer que não seja mais difícil lançar uma startup na Europa do que noutro sítio qualquer.

Mas acha que a crise económica da Zona Euro pode ser uma das razões que tem retraído os investidores? 

Não sei se o meu conhecimento me permite responder a essa pergunta, porque me tenho encontrado mais com startups do que com investidores. Mas acho que durante uma crise é possível que fiquem mais conservadores.

E o que é que sugere aos empreendedores portugueses?

Tenho três conselhos que não são específicos para Portugal. São transversais a todos os países. O primeiro é lembrar que uma startup demora entre sete a dez anos a ser construída, por isso, o mais importante é que tenha uma equipa forte. Costumamos gostar de equipas que têm entre duas a quatro pessoas, e que metade tenha um background de engenharia. E isto é um dos melhores conselhos que posso dar, porque uma equipa destas não é nem pequena nem grande demais. É uma equipa onde as pessoas conseguem trocar ideias e trabalhar. O segundo conselho é o seguinte: os empreendedores devem focar-se naquilo que são os grandes mercados e os problemas do dia-a-dia. Um dos erros mais frequentes nas startups é quando estas se focam em problemas de nicho, que afetam poucas pessoas e não necessariamente com muita frequência. A última coisa que tenho a dizer é ‘lancem a vossa empresa o mais depressa possível’. Existe muito a tentação de criar um produto perfeito antes de lançá-lo ao público, mas a verdade é que só se faz uma pequena ideia do produto que se tem em mãos quando ele chega efetivamente às pessoas. Por isso, se demorar dois anos a lançá-lo, só começa a aprender passados dois anos. Se demorar duas semanas, começa a aprender em duas semanas.

Michael Seibel fundou a Justin.tv, que, em agosto, foi comprada pela Amazon por mais de mil milhões de dólares

© André Correia

Então, é importante lançar os produtos o mais cedo possível. Mas os portugueses podem ser conservadores em relação a isso. 

Acho que não é uma coisa portuguesa. Acho que qualquer pessoa que esteja a tentar construir algo, sente uma certa exposição. Sabe que está a ser julgado e fica nervoso. Mas quando se constrói algo, tem de se estar convicto de que essa coisa é boa. Senão, porque é que haveria de construí-la? E a prova acontece quando o produto é lançado no mercado. Esse nervosismo é algo típico entre todas as pessoas que lançam produtos. O que distingue as pessoas que lançam startups é que elas têm imenso espaço para falhar. Não há ninguém que as julgue por isso. O falhanço é aprendizagem. E, então, há muito mais liberdade para arriscar.

Mas o medo de falhar existe, em Portugal.

Isso é algo que me é estranho. Como é que eu explico isto? Quem lança uma startup tem de sair da sua zona de conforto e isso acontece em qualquer parte do mundo, não apenas em Portugal. Não acho que as startups portuguesas sintam mais dificuldade em fazê-lo. Pelo menos, aquelas com quem trabalhei.

Uma das razões que mais leva ao falhanço são os problemas na equipa. O que é, afinal, uma boa equipa?

Uma das coisas que procuramos no Y Combinator são equipas cujos fundadores já tenham tido relações, pessoais ou profissionais, antes de lançarem a empresa. Ou seja, os empreendedores devem conhecer os cofundadores há, pelo menos, seis meses. Porque o maior risco é o de descobrirem que não gostam de trabalhar juntos. E, se isso acontecer, estão numa corrida que vai durar entre sete a dez anos, e que pode ser a mais stressante da sua vida. Por isso, é bom que se goste das pessoas com quem se está a trabalhar. E é isso que tento dizer às pessoas. Muitas vezes, pensa-se que as empresas fracassam por causa de dinheiro, mas não é verdade. A maioria das startups comete suicídio. Das duas uma: ou os fundadores têm uma grande discussão e separam-se ou, então, desistem. Por isso, digo: vão à procura dos cofundadores na vossa rede pessoal de contactos. Pessoas com quem andaram na escola, com quem trabalhram, com quem bebem copos. Porque são essas as pessoas com quem gostam de estar. E isso é uma das vantagens de estar numa startup: é ter liberdade para trabalhar com quem se quiser.

"Muitas vezes, pensa-se que as empresas fracassam por causa de dinheiro, mas não é verdade. A maioria das startups comete suicídio"
Michael Seibel

Entre startups e a vida no Y Combinator, qual foi a maior lição que já aprendeu?

Acho que é esta: lançar um produto só consome 10% do esforço. Os outros 90% vêm depois, quando é preciso mudá-lo, falar com os utilizadores, transformar o produto naquilo que os consumidores querem. E, muitas vezes, as pessoas trocam estas percentagens, pensam ao contrário. Acham que 90% do trabalho está no lançamento. Para mim, foi importante aprender a priorizar o que fazer nas minhas empresas, com base neste conceito: de que o trabalho está todo no ‘depois’. Para ser franco, acho que a grande lição que aprendi foi esta.

E o empreendedor ou a equipa que mais o marcou?

A equipa do AirBnB. Trabalhei muito com eles no início do projeto e acabaram por me marcar por várias razões. Uma delas foi o facto de estar, eu próprio, a lançar uma startup enquanto os ajudava a lançar a deles. Foi a primeira vez que fui mentor de uma equipa e foi tudo tão claro: perceber como o trabalho é capaz de superar tudo. A AirBnB não foi um caso de sucesso do dia para a noite, mas os fundadores sempre agiram como se aquilo fosse a única coisa que queriam fazer no mundo. Eles não desistiam e tentavam uma, outra e outra vez. Percebi que isso é mais importante do que o resto. Claro que existia uma boa equipa, mas foi isto que me ficou na cabeça e é isto que procuro quando me encontro com empreendedores. Quero perceber se têm isto: este sentimento de que nada vai derrubá-los.

Michael Seibel esteve na Beta-i, em Lisboa, onde deu um workshop para os participantes do Lisbon Challenge

© André Correia

Quem é que o inspira?

Sabe o que é estranho? É que não é um “quem”, mas um “quê”. Houve um grande período de tempo em que a Apple me inspirou e não falo apenas de Steve Jobs, mas de todas as pessoas que trabalham lá. Antes de a Apple explodir, eu tinha um telefone que não era muito bom, um computador portátil que não era muito bom e fiquei muito impressionado com a forma como a Apple foi capaz de melhorar os aparelhos que utilizava todos os dias. E isso é tão fixe, porque a inovação veio de uma grande empresa. A maior parte das grandes empresas dizem que não conseguem inovar e eles conseguiram-no. E não o fizeram adquirindo a empresa que desenvolveu o iPhone, foram eles que desenvolveram o iPhone. Sentaram-se, decidiram fazer algo difícil e fizeram-no. E isso impressionou-me muito, porque é algo que se espera de uma startup, mas não de uma grande empresa.

Em Portugal, podemos vir a ter um rapaz numa garagem, tal como Steve Jobs, a lançar uma empresa que valha mil milhões de euros?

É tão engraçado. Você diz “aqui em Portugal”, mas eu não. Eu digo apenas “aqui”. Para mim, não há distinção. Há um ditado nos EUA que diz que a ignorância é uma bênção. Às vezes, acho que as pessoas precisam de esquecer as partes difíceis. Se a cultura não está a ajudar, esqueçam que a cultura existe. Se existem barreiras de linguagem, esqueçam que existe linguagem. Se 90% do trabalho apenas requer que deem o primeiro passo, então fechem os olhos e saltem. Não hesitem mais.

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