Para uns, o ex-ministro da Cultura é um homem cuja vida foi destruída após o divórcio. A privação da mulher, dos filhos e dos seus livros, assim como a forma como o processo lhe foi comunicado destruíram-no e levaram-no a ter acompanhamento psiquiátrico. Para outros, ele é o homem que arrasou a imagem da ex-mulher, Bárbara Guimarães, depois de a ter agredido física e psicologicamente. Num mês e meio, Manuel Maria Carrilho foi condenado num processo e absolvido noutro. O que disse cada um dos juízes?

Os dois processos por violência doméstica e difamação contra Bárbara

O ex-ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, foi casado com a apresentadora de televisão durante dez anos (entre 23 de abril de 2003 e 7 de novembro de 2013). A separação ocorreu a 18 de outubro, quando ele regressava de Paris — onde era embaixador da UNESCO — e foi abordado por um amigo de Bárbara ainda no aeroporto. Este entregou-lhe um documento que anunciava o pedido de divórcio, a regulação do poder paternal, uma queixa-crime por violência doméstica e a proibição de entrar em casa.

O processo que agora foi julgado na Secção Criminal da Instância Local de Lisboa , e cuja sentença que absolveu Carrilho foi conhecida esta sexta-feira, teve origem nessa queixa apresentada em outubro de 2013. A essa queixa por violência doméstica juntaram-se as suspeitas de 23 crimes de difamação que resultaram de declarações que Carrilho fez a vários meios de comunicação social ainda antes de o divórcio ser promulgado. O caso resultou numa acusação por violência doméstica e por difamação, com um pedido de 680 mil euros indemnização cível, por parte de Bárbara Guimarães. A apresentadora diz ter sido agredida pelo marido na noite anterior à sua partida para Paris.

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Já o processo em que Carrilho foi condenado, no final do mês de outubro, correu no Juízo Central Criminal de Lisboa e, por isso, foi julgado por um coletivo de juízes. Neste caso, Carrilho foi pronunciado por um crime de violência doméstica e um crime de denúncia caluniosa contra Bárbara Guimarães, um crime de ameaça agravada e outro de difamação contra o amigo da apresentadora, Luiz Pereira, um crime de ofensa à integridade física e um de injúria do amigo de Bárbara, Ricardo Pereira, e dois crimes de ameaça e três de injúria contra o então namorado de Bárbara Guimarães, Ernesto Neves. Os crimes ocorreram entre dezembro de 2013 e outubro de 2014, na sequência das entregas dos dois filhos do casal ao pai, entregas estas definidas após a promulgação do divórcio.

As provas

No processo cuja sentença foi a absolvição, o tribunal considerou cerca de 20 declarações públicas de Bárbara Guimarães, feitas entre janeiro de 2011 e junho de 2013, para mostrar que não havia problemas no casamento do político e da apresentadora. Bárbara “traçou, da sua relação com o então seu marido, aqui arguido, um quadro que está verdadeiramente nos antípodas das descrições de violência doméstica e que terão levado à abrupta rutura da relação conjugal, em outubro de 2013”, escreveu a juíza Joana Ferrer — que ao longo do julgamento foi alvo de dois pedidos de escusa do advogado de Bárbara Guimarães e do próprio Ministério Público, por causa de alguns comentários feitos em audiência, que os intervenientes disseram beneficiar o arguido. O Tribunal da Relação não concordou e manteve a magistrada no processo.

Foram ainda considerados os testemunhos de vários familiares e amigos do casal, assim como do filho mais velho de ambos, que tem agora 13 anos. Além disso, a juíza tinha algumas fotografias tiradas de telemóvel a alegados hematomas que Bárbara Guimarães tinha nas pernas e que teriam resultado dessa agressão. Neste processo não há relatórios médicos que atestem as agressões. Bárbara nunca foi vista por um profissional que fizesse um relatório dos seus ferimentos para que estes pudesse servir de prova em tribunal.

No processo em que Carrilho foi condenado por violência doméstica constam entrevistas e declarações prestadas pelo arguido a jornais e revistas entre 23 de maio e 29 de setembro de 2014. Foram passados a pente fino os telemóveis usados pelo arguido, as mensagens que escreveu e os telefonemas que fez, assim como um relatório das antenas que estes ativaram. No processo constam ainda as imagens captadas pelo sistema de videovigilância montado à porta de casa de Bárbara Guimarães e a gravação de uma chamada para o 112 — feita na madrugada de 21 maio de 2014, quando o filho Dinis lhe terá ligado a dizer que estava sozinho em casa. Nesse vídeo é possível ouvir os diálogos mantidos entre Carrilho e Bárbara Guimarães. Há ainda relatórios do Instituto Nacional de Medicina Legal a atestar os ferimentos que a apresentadora sofreu a 21 de maio de 2014, assim como relatórios médicos relativos ao amigo de Bárbara, Ricardo.

Em comum nos dois processos estão as avaliações psicológicas, feitas a ambos, arguido e assistente, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal no âmbito do processo de regulação do poder paternal, que corre no Tribunal de Família e Menores, e que as juízas dos dois processos pediram para juntar aos autos.

O que é que os juízes acharam da atitude de Carrilho durante o julgamento?

Tanto no primeiro como no segundo processo foi dado como provado que, após a separação, Manuel Maria Carrilho teve sentimentos “de perturbação, ansiedade, preocupação e impotência”. Mas o que se passou, antes e depois da separação, foi visto pelo tribunal de duas formas completamente distintas.

Para a juíza Joana Ferrer Antunes, que esta sexta-feira absolveu o arguido e condenou-o a uma pena de multa por um de 23 crimes de difamação, Carrilho “agiu sob a pressão dos acontecimentos e da completa e súbita alteração da sua vida, operada em outubro de 2013, factos que o desnortearam a ponto de carecer de ajuda psiquiátrica, pois já apresentava ideação suicida e com plano de concretização; mas, sobretudo, sob o sofrimento resultante de não ver os seus filhos”.

Este último acórdão refere mesmo que o ex-governante sofre “um dramático volte-face na sua vida que, subitamente, naquele dia 18 de outubro de 2013, o privou de tudo: acesso à sua mulher, acesso aos seus filhos, casa, livros, bens. Sendo que o mais doloroso foi, visivelmente, a privação do contacto com os seus filhos, Dinis e Carlota”. O tribunal valorizou a forma como Carrilho prestou declarações, como a voz “se embargou e os olhos se lhe encheram de lágrimas em todos os momentos em que aludiu aos seus filhos”, assim como quando “recordou as cartas que lhe foram escritas por sua falecida mãe, ao tempo em que estudava no Colégio de Lamego, cartas que nunca mais viu, pois, segundo afirma, nunca as mesmas lhe foram devolvidas pela Assistente, supondo-as destruídas”.

Um entendimento completamente oposto teve o coletivo de juízes, presidido pela juíza Emília Costa, no último dia 31 de outubro. Neste julgamento, segundo o acórdão, Carrilho “negou a prática dos factos e não manifestou nem arrependimento, nem qualquer interiorização do desvalor da sua conduta”. Os juízes referiram que continua “a exaltar-se sempre que fala da separação, do modo como a mesma ocorreu e da ex-mulher”, apesar de já terem decorrido quatro anos do divórcio. “Aliás, a sua tendência é perpetuamente a de desculpabilizar o seu comportamento, aceitando, com naturalidade e legitimamente, as suas ações agressivas quer sobre a assistente, quer sobre os amigos desta”, fundamentam.

Os juízes consideraram que Manuel Maria Carrilho “agiu sempre com o propósito conseguido de amedrontar e agredir física e psicologicamente a assistente Bárbara Guimarães” e que lhe causou “dores, humilhação e sofrimento”. E que, durante as entregas que combinou para ir buscar os filhos, manteve sempre uma “postura agressiva, do tom elevado e do discurso desagradável com que o arguido comunicava com eles”. O tribunal considerou mesmo que Carrilho tornou a vida da ex-mulher “um inferno”.

O que é que os juízes disseram de Bárbara Guimarães?

Também a apresentadora de televisão parece ter duas personalidades aos olhos das duas decisões.

Na sentença lida na última sexta-feira, Joana Ferrer Antunes não compreende como uma “mulher determinada, independente e auto-suficiente em termos financeiros” que sentiu medo do arguido “ficasse passivamente à espera de outros eventuais actos tresloucados da mesma natureza, por parte do Arguido, e não tomasse imediatamente medidas para se proteger, a si e, desde logo e acima de tudo, aos seus filhos”. O tribunal não acolheu a tese de que sentia medo do ex-marido, até porque depois Bárbara Guimarães foi viver para uma casa perto da morada dele.

“O cenário que o Tribunal conseguiu vislumbrar neste processo está nos antípodas de uma relação de aterrorizamento, de rebaixamento da dignidade, de domínio e de neutralização da vontade, de um dos membros do casal sobre o outro, e mormente do Arguido sobre a Assistente, claramente, e repetimos, uma mulher destemida e dona da sua vontade”, lê-se na decisão. Mais. O tribunal encontrou várias incongruências no discurso de Bárbara Guimarães em tribunal.

Aos olhos do coletivo de juízes que condenou Carrilho em outubro último, Bárbara é uma mulher completamente fragilizada com todo este processo. As ofensas verbais de que foi alvo por parte do ex-marido causaram-lhe “humilhação e vergonha”. Carrilho “ofendeu gravemente a honra e a consideração devidas à assistente Bárbara Guimarães, atentando contra a sua reputação enquanto mulher e mãe”. “Deste modo, o arguido Manuel Maria Carrilho transmitiu ao público a ideia de que a assistente Bárbara Guimarães é autora dos inqualificáveis comportamentos que descreve, difundindo uma imagem deplorável da mesma enquanto ser humano, mãe e mulher”, lê-se na sentença.

Ao contrário do que considerou Joana Ferrer Antunes, para o coletivo de juízes Bárbara Guimarães “sentiu, e sente ainda, receio pela sua integridade física, pela sua liberdade pessoal e até pela sua vida”. “Após os factos supra mencionados, a assistente Bárbara Guimarães teve períodos em que perdeu a vontade de comer e de sair de casa, sofreu de insónias e pesadelos, tendo tido incontroláveis ataques de choro, sentindo um profundo desequilíbrio psíquico e emocional”, acrescentam.

O que disseram em relação ao crime de violência doméstica

As fotografias que constam no processo em que Carrilho foi absolvido foram tiradas no programa “Factor X” e foram à perícia médico-legal. O resultado foi inconclusivo “quanto a retratarem lesões consequentes de actos de violência doméstica”. A juntar a esta ausência de provas, diz a juíza que os episódios apresentados em tribunal como sendo de violência doméstica são inverosímeis. E dá como exemplo aquele em que Carrilho teria agredido Bárbara Guimarães, quando esta tinha a filha Carlota ao colo. “Aquilo que a própria Assistente, já em fins de Abril de 2013 e sobre esse episódio, afirmou à testemunha Eunice Carrilho [cunhada] quando a mesma lhe expressou a sua perplexidade, foi que Carlota não havia dado por nada. Tal não se coaduna com as regras da normalidade do acontecer que, num hipotético cenário de um tal violência”, conclui.

Assim, “perante uma prova pericial inconclusiva porque desprovida de valor forense, e perante uma prova testemunhal abundante, mas que não foi capaz de sustentar a acusação pública”, lê-se, não resulta da matéria de facto provada que o Arguido tenha praticado o crime de violência doméstica que lhe é imputado. Logo, Carrilho foi absolvido.

Já o acórdão proferido há pouco mais de um mês e que não só deu como provado o crime de violência doméstica, como considerou que este incluía os crimes de difamação, os juízes consideraram que entre dezembro de 2013 e outubro de 2014 houve “atuações contra a integridade física da assistente, contra a sua liberdade de decisão e de ação e contra a sua honra e consideração”. “Muitos destes factos foram praticados pelo arguido contra a assistente na presença dos filhos menores, à data com 10 e 3 anos de idade, e ainda em sítios públicos, assistidos por vizinhos (nos prédios onde a assistente residiu e actualmente reside) ou por crianças, colegas dos filhos de ambos, pelos respetivos pais e por professores (no colégio Sagrado Coração de Maria)”, lê-se. O coletivo de juízes dá assim como provado o crime e condena Carrilho.

Os livros de Carrilho

Também a referência aos 100 caixotes de livros de Carrilho, que Bárbara arrumou enquanto ele estava e Paris e enviou para Viseu — sem qualquer rótulo, suscita visões diferentes.

Para a juíza que o absolveu esta sexta-feira, Joana Ferrer, o facto de Carrilho ter regressado de Paris, em outubro de 2013, e se ter visto forçado a ficar longe da mulher, dos filhos e dos seus livros causou-lhe uma “profunda perturbação psicológica”. “Ficou ainda o Arguido temporariamente impossibilitado de continuar a exercer a sua actividade profissional, uma vez que todos os seus livros e todos os demais instrumentos de trabalho foram empacotados sem qualquer ordem ou critério, e mandados expedir pela Assistente para a quinta de família do Arguido, em Viseu”, considerou.

Os juízes do Juízo Central Criminal de Lisboa que o condenaram, por seu turno, estranharam o facto de o arguido ter “frequentemente recorrido ao tribunal para interpor ações contra a sua ex-mulher, quer apresentando queixas pela prática de crimes, quer interpondo requerimentos de incumprimento junto do Tribunal de Família e Menores de Lisboa” e que “não tenha, por tais factos, e no sítio adequado e legítimo, apresentado a correspondente acção judicial de reivindicação”. Ou seja, dizem os magistrados que Carrilho se devia ter queixado do prejuízo causado por isso e do “roubo” dos livros, como lhe tem chamado ao longo dos julgamentos.

Como foi valorizado o testemunho de Dinis, o filho mais velho do casal

Na sentença assinada pela juíza que absolveu Carrilho, o testemunho de Dinis é valorizado. O menor explicou que o pai se refugiava no sótão porque era um “sítio muito agradável”, onde ele se concentrava para trabalhar, refutando assim os argumentos de Barbara Guimarães em que ele, no último ano, se refugiava no sótão e se isolava. Também valeu ao tribunal o facto de Dinis nunca ter testemunhado qualquer agressão.

Para o coletivo de juízes que condenou Carrilho em outubro, Dinis encontra-se “numa situação de acentuada vulnerabilidade do ponto de vista do desenvolvimento psicoemocional”. “O menor apresenta competências mnésicas e verbais compatíveis com o esperado para o grupo etário. Revela capacidade para relatar factos, embora a qualidade da descrição de situações por si vivenciadas, possa ser afectada por factores emocionais associados a essas experiências”, explicitam os magistrados no acórdão. Falam num “estado vulnerável” do menor sugerindo-se acompanhamento terapêutico. Mais. Dizem “que o seu estado emocional pode afectar a qualidade das descrições que produz”. Referem, também, que Dinis poderá ter sido instrumentalizado por Carrilho. Questões que não são levantadas no outro acórdão.

As penas

O ex-ministro da Cultura foi absolvido do crime de violência de doméstica e de 21 crimes de difamação, mas condenado por um dos 23 crimes de difamação a uma multa de 900 euros, no processo cuja sentença foi conhecida sexta-feira. O ex-governante terá, ainda, que pagar uma indemnização de 3 mil euros a Bárbara Guimarães. A juíza falou na deficiência das provas que constavam no processo.

Manuel Maria Carrilho absolvido do crime de violência doméstica

Em outubro, Carrilho foi condenado a uma pena de cadeia de quatro anos e seis meses, suspensos por igual período, pelos crimes de violência doméstica, ameaça, ofensas à integridade física, injúrias e denúncia caluniosa contra a ex-mulher, a apresentadora Bárbara Guimarães, o seu ex-namorado, o empresário Ernesto “Kiki” Neves, e um amigo de Bárbara, Ricardo Pereira. O ex-governante, de 66 anos, foi ainda obrigado a frequentar um programa de sensibilização contra a Violência Doméstica e proibido de contactar com a ex-mulher — a quem terá que pagar 50 mil euros.

Carrilho condenado a pena suspensa de quatro anos e meio de cadeia