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Milton

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Afinal Paulo Portas tinha razão quando era eurocético?

Deixou o Parlamento na quinta-feira, 21 anos após ter chegado a deputado com críticas à Europa. Estava fora do "arco da governação" por ser anti-UE. Mas houve profecias de Portas que se cumpriram

Paulo Portas estreou-se no Parlamento há quase 21 anos e os seus pontos de vista, à semelhança do que foi acontecendo ao CDS, mudaram. Especialmente no que diz respeito à Europa. De deputado eurocético convicto no início dos anos 90, passou a “eurocalmo” ainda em 1999, antes de firmar a Alternativa Democrática com o PSD de Marcelo Rebelo de Sousa. Passou então a jogar mais ao centro e a preparar-se para a moeda única. Era contra o euro, afirmava que não gostava de nada que fosse “único”. No entanto, uma vez adotado o euro, o CDS também o aceitou: se o partido ficasse fora do euro, ficava fora da realidade, pensou Portas.

Mas o jovem Portas, que entrou no Parlamento em 1995 e saiu na passada quinta-feira para se dedicar à vida privada — à Mota Engil, à TVI, a conferências e à universidade –, tinha razão nas suas previsões apocalípticas sobre o futuro da União Europeia? Tinha alguma. Teve razão antes do tempo? Em alguns casos teve. Portas disparava frases vistas pelo centro europeísta e federalista como radicais. E quando essas profecias se realizaram, ou pelo menos em parte se concretizaram nos últimos anos, ele já estava do outro lado da história e já não acreditava (ou parecia não acreditar) no que tinha dito. Tinha-se tornado pragmático. Relato de uma ironia.

A moeda única

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Paulo Portas foi eleito deputado em 1995, quando a liderança do partido pertencia a Manuel Monteiro. Nos anos anteriores, o CDS em conjunto com o O Independente, jornal dirigido Paulo Portas, agitaram as águas do euroceticismo em Portugal, com uma forte oposição ao Tratado de Maastricht e à construção da moeda única. Num dos seus primeiros discursos no Parlamento, Portas confrontou António Guterres, recém-eleito primeiro-ministro, antes do seu primeiro Conselho Europeu. “É o primeiro [Conselho Europeu] em que V. Ex.ª [António Guterres] participa e, se me permite, julgo que vai participar numa peça de teatro. Numa peça de teatro em que os primeiros-ministros da Europa dizem o contrário do quem pensam, pensam o contrário do que do que fazem e fazem o contrário do que querem. O senhor primeiro-ministro sabe que a moeda única não se fará em 1999, e, porém, não o diz; o senhor primeiro-ministro sabe que só há dois países em quinze capazes de cumprir os critérios de convergência e recusa-se a mudar ou lutar pela mudança dos critérios de convergência”

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Tal como estava previsto, a zona euro foi criada em 1999, mas as notas e moedas só entraram em circulação em janeiro de 2002. Tanto a Dinamarca como o Reino Unido optaram por não integrar a moeda única e a Grécia, por não ter atingido os critérios de convergência, só adotou o euro mais tarde, em 2001. A Grécia conseguiu ainda fazer parte dos primeiros 12 países a utilizarem a moeda em 2002, tal como Portugal. O euro foi recebido com entusiasmo um pouco por toda a Europa, com muitas pessoas nos vários países a acorrerem às máquinas multibanco logo após a meia-noite.

Mas houve discrepâncias na forma como a moeda afetou os vários países que a constituem. Uma moeda forte levou as economias mais fortes a beneficiarem de um maior poder de compra dos países mais pobres, que se financiavam mais facilmente. Isto contribuiu para que as dívidas públicas disparassem nas economias mais frágeis e que estas economias ficassem mais expostas à crise do subprime dos EUA, levando a resgates financeiros como o que aconteceu na Grécia e em Portugal.

PauloPortas_diz

“O que conta é que o realismo prevaleceu, o consenso europeu manteve-se e, nos momentos essenciais, os partidos de vocação europeísta, cuja maioria é maior do que a maioria governamental nesta Câmara, sabem pôr o principal à frente do secundário e sabem distinguir o que é de interesse nacional do que é de conveniência partidária. […] Ninguém poderá sustentar que estes Tratados são a versão acabada ou definitiva da construção europeia. O Governo não o diz e não o pensa. Haverá sempre mais Europa além dos tratados, mas de igual modo convém clarificar que a ratificação destes tratados significa a adesão não a um capricho ideológico mas a um consenso institucional e europeu que junta 25 Estados e 25 governos da mais variada natureza“, disse Paulo Portas, como vice-primeiro ministro em maio de 2014. Aprovava-se então o tratado que criou o Mecanismo Europeu de Estabilidade, assim como o Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária, mais conhecido como Tratado Orçamental.

A hegemonia da Alemanha

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A fé de Paulo Portas numa Alemanha unificada no centro do projeto europeu nunca foi grande enquanto diretor e cronista d’O Independente. Quando passou para o Parlamento, em 1995, as críticas à Alemanha continuaram. “Os senhores já aceitaram o euromarco e, a seguir, vão aceitar o eurobismarck; os senhores já aceitaram o federalismo monetário e, a seguir, vão aceitar o federalismo político, porque foi para isso que a moeda única se fez, ou seja, para chegar à federação de maneira mais rápida e e mais discreta”, disse ao socialista António Guterres. Durante o debate, o então primeiro-ministro retorquiu: “Penso que o povo alemão e o Governo alemão são hoje um fator de democracia e estabilidade na Europa”. “Louvo o seu otimismo”, disse Portas num aparte.

A seguir a um Conselho Europeu realizado em Madrid, Portas voltou a fazer críticas veementes à Alemanha. “Desculpe que lhe diga, os senhores meteram a cabeça no cadafalso e abdicaram de toda a liberdade nacional […]. Os senhores não previram margem de recuo e cederam completamente às determinações da Alemanha“, concluiu o então deputado.

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A Alemanha estabeleceu-se como a maior economia da União Europeia. Mas passou a ser, sobretudo, um gigante político. Angela Merkel tornou-se nos últimos anos, como a líder mais preponderante da união. A este respeito, todos os fantasmas de Portas se tornaram reais. Do velho eixo franco-alemão passou a prevalecer acima de tudo o alemão. O poderio económico da Alemanha reunificada também foi preponderante para consolidar esse poder político. O PIB deste país em 2015 foi de 3.023 mil milhões de euros e, nesse ano, a Alemanha cresceu 1,7%. A Alemanha é o terceiro maior exportador do mundo, com estas exportações a representarem quase metade do seu PIB . Em 2015, a Alemanha registou um superavit recorde, a vender mais 24.000 milhões de euros em junho desse ano do que aquilo que comprou ao exterior. O país teve mesmo em 2015 o seu maior excedente orçamental, correspondendo a 0,6% do produto interno bruto. Desde 2013 que a Comissão Europeia está a acompanhar o superavit da Alemanha e há a possibilidade de o país vir a ser sancionado por Bruxelas já que se trata de uma ameaça à estabilidade da zona euro. Este poder económico é acompanhado com uma grande preponderância da Alemanha no Conselho Europeu, atribuindo-lhe grande poder político, especialmente durante a crise económica.

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Depois de alguns anos como ministro dos Negócios Estrangeiros e como vice-primeiro-ministro com a pasta da diplomacia económica, a perspetiva pública de Paulo Portas sobre a Alemanha parece ter mudado. “A Alemanha é um dos melhores exemplos da Europa de que uma boa negociação vale mais do que dez mil manifestações, uma boa negociação entre empregadores, de um lado, e representantes de trabalhadores, do outro, capazes de dialogarem, defenderem os seus interesses e chegarem a resultados”, disse em 2014, numa conferência organizada pela Câmara de Comércio da Alemanha em Portugal.

O então vice-primeiro-ministro disse ainda que era um “firme adepto da economia social do mercado de que a Alemanha é um exemplo”, elogiando ainda a atitude reformista da Alemanha que atravessa os diferentes Governos. “Quem para perde e quem reforma avança”, disse o antigo líder do CDS.

Fronteiras na Europa

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As fronteiras e a imigração — antes da generalização do terrorismo islâmico — eram temas que agitavam a Europa no início dos anos 90. “Os senhores acreditam na abertura total e indiscriminada de fronteiras. Nós não! Não nos enganamos quando dizemos que nada nem ninguém pode substituir o Estado na fronteira, porque a fronteira e o Estado inventaram-se para proteger as nações, e, neste caso, dentro da União Europeia, somos uma nação mais pobre e menos desenvolvida, por isso precisamos do Estado e da fronteira para a proteger e compensar os atrasos que temo em termos de tempo, de desenvolvimento e de condições económicas reais das famílias portuguesas”. Portas defendia quotas restritivas para os imigrantes e, quando foi candidato à câmara de Lisboa, em 2001, ainda tinha um discurso para limitar a imigração.

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Em 1985, 10 anos antes de Portas proferir estas palavras no Parlamento, cinco países da CEE decidiram criar o Espaço Schengen, que permitia aos seus cidadãos circularem livremente sem necessidade de vistos. Os países que aderiram posteriormente à CEE, foram progressivamente entrando neste espaço e, em 1997, o acordo entrou no acervo do Tratado de Amesterdão, estendendo-se a todos os Estados-membros (Reino Unido e Irlanda estão fora do acordo, mas participam nalguns pontos de cooperação). A recente crise dos refugiados fez com que vários países decidissem alegar razões de segurança para o fecho das fronteiras e, apesar de a Comissão garantir a abertura das fronteiras internas até ao final do ano, podem surgir dificuldades para normalizar o Espaço Schengen.

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Na crise dos refugiados, que veio trazer de volta à Europa as fronteiras internas, Paulo Portas ficou ao lado de Merkel, afirmando que a abertura da Alemanha a centenas de milhares de refugiados honrou o “humanismo”. “Até agora acho que o país europeu que mais se aproximou de honrar o humanismo cristão e laico que faz a Europa foi a chanceler Angela Merkel, quando disse que não vai repatriar nenhum refugiado de guerra da Síria“, disse o antigo vice-primeiro-ministro no programa “Tenho uma pergunta para si”, da TVI, em setembro de 2015.

O desemprego em Portugal

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As previsões do impacto da moeda única no emprego em Portugal, segundo Paulo Portas, seriam catastróficos. “Não bastam declarações retóricas sobre o emprego, é preciso fazer uma política consequente de crescimento para o permitir e é esse política que não é consentida pelos critérios da União Europeia“, dizia Portas em 1995 num debate com Jaime Gama, então ministro dos Negócios Estrangeiros do primeiro Governo de António Guterres.

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Desde a adoção do euro, o desemprego aumentou em Portugal. A Organização Mundial do Trabalho considera que entre 2000 e 2008, o país “assistiu a desequilíbrios macroeconómicos significativos, nomeadamente na diminuição do investimento e uma crescente dívida pública”. Uma das razões apresentada por esta instituição é que o país se especializou em setores de baixa produtividade e a competição face a outros países com custos de produção mais baixos, prejudicaram Portugal. A crise económica veio acentuar estas tendências, com Portugal a apresentar de forma consistente uma taxa de desemprego nos dois dígitos.

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Perante a inevitabilidade irrevogável da moeda única, Paulo Portas tornou-se realista. Na última campanha eleitoral em que participou, em 2015, tinha um mantra que repetia até à exaustão tipo lengalenga, e que acabava na criação de emprego. Era assim: “É preciso estabilidade, que gera confiança, a confiança gera investimento, e o investimento gera emprego”. A ironia do destino foi Paulo Portas ter de governar (com Passos Coelho) naquilo a que chamava a limitação de soberania por o país se ter tornado num protetorado da troika com o desemprego a bater recordes. Chegou a estar nos 17,7%. E depois baixou para os 13% ainda na vigência da coligação PSD/CDS, em parte fruto do memorando assinado com instituições europeias (Comissão Europeia e BCE) e o FMI. Numa conferência em 2015, Portas dizia que — neste contexto, de moeda única e de crise aguda — o segredo estava no investimento. Só uma trajetória positiva do investimento, sobretudo do estrangeiro — dizia o então vice-primeiro-ministro com o pelouro da diplomacia económica — será capaz de dar aos portugueses “um horizonte de maior esperança do ponto de vista da construção de uma sociedade com oportunidades de emprego”. Mas, “os novos empregos “não são nem voltarão a ser os empregos que os nossos pais conheceram”.

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