Quando a União Europeia anunciou, a 26 de outubro, que iria atribuir o Prémio Sakharov à oposição democrática da Venezuela, Antonio Ledezma era um dos presos políticos do regime de Nicolás Maduro. Mas após 1002 dias de cativeiro (a maioria em prisão domiciliária), o antigo presidente da zona Metropolitana de Caracas — e um dos rostos da oposição a Chávez e Maduro — conseguiu fugir do seu país a tempo de receber, esta quarta-feira, em Estrasburgo, o prémio que a Europa atribui anualmente a figuras que se distinguem pela Defesa dos Direitos Humanos.
Antonio Ledezma, a quem Maduro chama de “vampiro“, chegou a ser apontado como candidato contra Hugo Chávez em 2008, mas acabou por avançar para a presidência da zona metropolitana de Caracas. Acabou por vencer o candidato do partido chavista e logo no mais importante cargo autárquico. Chávez contornou a questão e criou um “chefe de Governo do distrito capital” que assumiu parte dos poderes da competência de Ledezma. Em protesto, o autarca fez greve de fome. Desde então tem sido um dos rostos da oposição ao regime. Primeiro de Chávez, depois de Maduro. Acabou detido a 19 de fevereiro de 2015 pela secreta venezuelana no seu escritório na Torre EXA, em Caracas. Chegaram a ser disparados tiros para o ar no momento da detenção e esteve preso mais de dois meses na prisão militar de Ramo Verde até ser transferido para prisão domiciliária por razões de saúde.
Conseguiu libertar-se a 17 de novembro de 2017. Aos dois anos, fugiu para Colômbia e voou depois para Madrid, onde foi recebido por Mariano Rajoy, o que irritou ainda mais o regime de Maduro. Agora sente-se “livre” e vai receber — ao lado de outro rosto do combate ao regime de Maduro, Leopoldo López — presencialmente o prémio Sakharov. Com o tempo contado, em Estrasburgo, concedeu uma entrevista ao Observador.
Nicolas Maduro prepara-se para se impor como candidato único às presidenciais. É o assumir do fim da democracia na Venezuela?
Quem admite uma coisa dessas, somente pode ser um ditador. É como se fosse um ‘gorilismo’ [expressão usada na América Latina para classificar uma postura antidemocrática] porque é próprio dos gorilas que tomam de assalto as instituições. Se isso acontecer, será uma crise institucional e um atentado aos direitos. Na Venezuela não impera a lei, imperam as instituições poderosas. Dito de outra forma, na Venezuela, as instituições são apenas instrumentos ao serviço do poder.
A Venezuela ainda é neste momento uma democracia ou já é uma ditadura?
Na Venezuela vivemos hoje um regime que é pior do que a ditadura: temos uma ditadura anárquica, um reino dominado por pessoas com ligações ao narcotráfico, ao terrorismo e à corrupção.
Nicolás Maduro é pior do que Hugo Chávez?
São farinha do mesmo saco. São ambos representantes do populismo maléfico na política, que tira vantagem da democracia para chegar ao poder. Não para melhorar e aprofundar o sistema, mas antes para se enraizarem, como acontece com todas as ditaduras, no exercício do poder, sem querer saber dos danos que provocam aos cidadãos. Por isso, a situação – antes com Chávez e agora com Maduro – vai de mal a pior. São defensores do mesmo plano demagógico e de uma governação cheia de anacronismo, de esquemas fraudulentos, como o câmbio e o controlo dos preços, inspecionando tudo e fazendo com que, hoje em dia, a Venezuela tenha a inflação mais alta do mundo. Com este controlo dos preços, tem sido um boomerang [arremesso] contra os consumidores. E com o controlo do câmbio, enriquecem-se as elites que tornaram a economia venezuelana num casino financeiro. Um dólar hoje em dia – para que tenha uma ideia de como está a conversão na Venezuela – é equivalente a 100 milhões de bolívares. E para ter uma ideia da crise social, um trabalhador num supermercado na Venezuela, numa categoria qualquer, ganha um salário médio não superior a cinco dólares por mês. São salários paupérrimos.
Portugal teve um chefe de Governo, José Sócrates, a quem Chávez chamava amigo. Eram conhecidas as boas relações entre ambos e houve visitas mútuas. Políticos europeus como José Sócrates ajudaram a legitimar o Governo de Chávez a nível internacional?
Não vou fazer juízos de valor sobre o comportamento do [antigo] primeiro-ministro José Sócrates. José Sócrates promoveu a indústria portuguesa — o que foi bom para os residentes em Portugal e para os emigrantes — ao fazer negócios como o dos computadores [Magalhães], que vendeu na Venezuela. Mas apesar desse negócio, morrem crianças na Venezuela que, infelizmente, não vão poder usar esse computador. Não vão levar esse computador para o caixão. Apesar desse tipo de negócios, a Venezuela está num abismo e é o país mais endividado do mundo. Quero dizer que o país tem o direito a fazer os seus negócios, mas isso não pode, de qualquer forma, levar a que os governos que negociam com a Venezuela a assobiar para o lado, não olhando para a crise que estamos a viver.
Há uma grande comunidade de portugueses na Venezuela. Daquilo que se vai apercebendo a comunidade portuguesa apoia a oposição na Venezuela contra o regime de Maduro?
O que os portugueses apoiam é a Venezuela enquanto país. São venezuelanos, nacionalistas. Mesmo que estejam ao lado [do Governo de Maduro], sofrem dos problemas que assolam a Venezuela, como a insegurança (com ataques e assaltos), o custo de vida e os abusos do poder, que levam ao encerramento de negócios dos portugueses – como bares, supermercados, fábricas e lojas. Esta é uma tragédia sobre a qual ninguém pode fazer nada porque a crise no país é global. Ninguém escapa aos tentáculos desta crise.
Pode agora contar-me como foi a sua fuga há menos de um mês da prisão domiciliária?
Foi uma decisão muito pessoal. Estava convencido de que a Venezuela não me dava segurança jurídica e de que iria ser alvo de um processo judicial. Quando marcaram o início do processo, disse a mim mesmo que seria mais útil sair da Venezuela sem lutar pelo exílio – que me iria enjaular – e tomei a decisão de fugir, mesmo com um grande cerco policial, correndo todos os riscos que daí advêm. Tenho de admitir que corri muitos riscos. Felizmente, hoje estou aqui livre na Europa.
O que sentiu quando chegou a Espanha?
Tive uma sensação de liberdade. Estava a ficar asfixiado. Foi como voltar a respirar em liberdade.
Ledezma dice sentirse "libre" en Madrid y anuncia que se reunirá con Rajoy a mediodía https://t.co/DMf98rwCag pic.twitter.com/M03HjqQJAL
— Antena 3 Noticias (@A3Noticias) November 18, 2017
Maduro chama-lhe vampiro. Pergunto-lhe se é possível tirar Maduro do poder sem ser derramado sangue. Sem ser pela força das armas?
O homem [Nicolas Maduro] só pensa em sangue, por isso é que me chamou de vampiro. Não vou responder nos mesmos termos porque a Venezuela está a meio de uma crise e quando um país está em crise, está a meio de um precipício ou está num trajeto que pode ser uma grande oportunidade [para reverter a situação]. E eu prefiro o caminho da oportunidade, de salvar a Venezuela e de conseguir que a Venezuela saia desta tempestade. Tenho pena que a Venezuela tenha um presidente que faça piadas dessas. Quando fala assim de um preso político em liberdade, o que faz é insultar-me. Como eu respeito os venezuelanos, não lhe respondo nos mesmos termos.
E é possível tirar Maduro do poder de forma pacífica e democrática?
Nós temos insistido na saída de Maduro pela via pacífica. Temos insistido e por isso propusemos, no ano passado, um referendo revogatório. Lamentavelmente, foram logo encerradas todas as vias para um referendo revogatório.
O Partido Comunista Português, que tem deputados aqui no Parlamento Europeu, tem defendido Nicólas Maduro em intervenções política. Tem ideia que está num Parlamento em que existem forças que defendem o regime de Maduro?
É a liberdade de pensamento e há que o respeitar. São opiniões. Gostava que [os deputados do PCP no Parlamento Europeu] fossem à Venezuela para terem noção dos grandes desequilíbrios que temos, em distintas áreas. Deixe-me sublinhar algumas: a situação de pobreza em que vivem muitos venezuelanos, que têm de vasculhar o lixo para comer. Isso é insólito num país rico como o nosso, que tem das receitas de petróleo mais elevadas do mundo. Também podem ir à Venezuela e ver que temos dos mais altos níveis de insegurança, que são níveis superiores aos de qualquer país
europeu: estamos nos primeiros lugares dos países com mais insegurança do mundo. Somos ainda um país com uma grande interferência económica do Estado e onde os governantes são generais, narcotraficantes, terroristas e corruptos… Se é isso que [os deputados comunistas] querem defender, é sua responsabilidade.
O que acha da nova moeda virtual criada por Maduro, o “petro”?
É uma moeda ditatorial. Com esta moeda, o governo de Maduro pôs o bolívar mais forte e provocou câmbios no tecido monetário internacional. Não há consequência nenhuma a não ser terem valorizado e pulverizado o poder [da Venezuela] no tecido monetário internacional.