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Andreia Reisinho Costa

Andreia Reisinho Costa

"Crianças e cães não são a mesma coisa"

Tranquilidade e paz são as promessas dos hotéis "só para adultos". Gerentes falam de um conceito em crescimento, ASAE fala em discriminação. E também já há restaurantes que não querem choros à mesa.

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Tirar férias do trabalho, do stress, das rotinas e… das crianças. Das suas e das dos outros. O desejo é concedido pelos hotéis “adults only”, que garantem ter cada vez mais clientela. A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) garante que não se pode barrar a entrada a ninguém pela sua idade e instaurou processos de contraordenação a dois hotéis no Algarve.

O Observador ouviu a associação de Defesa do Consumidor (DECO), a ASAE, uma advogada especialista em Direito da Família e um hotel que assume claramente a estratégia “livre de crianças”. Mas a atitude não chega só aos empreendimentos turísticos: o Eleven, em Lisboa, é um dos restaurantes que só aceita crianças a partir dos 7 anos em nome de uma “experiência perfeita”. Afinal, estamos a viver uma alergia à criançada ou o crescimento de um posicionamento comercial?

“Sem crianças? Cai que nem ginjas”

No Savoy Gardens, hotel no Funchal, menores de 18 anos não entram. Está anunciado na descrição do hotel e é confirmado e justificado pela diretora-geral do grupo Savoy ao Observador. Graça Guimarães diz que é um conceito como outro qualquer e que, se há “hotéis family clubs, exatamente para famílias com crianças”, também é legítimo que existam hotéis “só para adultos”.

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Razão número 1: tranquilidade. “Os nossos clientes são casais maduros, que querem estar sossegados e longe de barulho. Procuram a paz”, explica Graça Guimarães. E a natureza dos miúdos não passa por aí: “Quer queiramos quer não, sabemos que as crianças se expressam de outra forma. São imprevisíveis e barulhentas“, refere.

"São conceitos. Os hotéis Sandals são indicados só para estadias de lua de mel e proporcionam tudo o que um casal em lua de mel quer. Com certeza que aí também não há crianças, não é?"
Graça Guimarães, diretora geral do grupo Savoy

No início, aquele hotel de 4 estrelas aceitava todas as idades, mas em 2009 os responsáveis optaram por alterar o conceito que se mantém até hoje: “Decidimos mudar porque o nosso hotel sempre foi mais atrativo para adultos. Somos um hotel pequeno e tradicional, temos só 120 quartos, não temos uma piscina muito grande, não temos muito espaço. Estamos vocacionados para um ambiente de adultos”, considera a responsável.

Graça Guimarães acha “natural” que a hotelaria procure “produtos diferenciados” — sobretudo quando os clientes clamam por eles. A responsável diz que não se pode queixar da lotação do hotel, que não é o único na Madeira a só aceitar maiores de idade — há “pelo menos mais dois“, refere. Poderá haver, por isso, um padrão relativo à região: “A Madeira, por não ter praias, não é um destino que seja a primeira escolha de uma família com crianças. Há mais casais maduros, que vêm sem os filhos. O conceito cai que nem ginjas”.

Mas e se, mesmo assim, uma família com crianças quiser entrar no Savoy Gardens? “Já aconteceu. Nós muito gentilmente explicámos o conceito e as pessoas perceberam. Nunca tivemos nenhum problema”, garante. Confrontada com o facto de ser ilegal barrar a entrada a menores, a responsável responde: “É ilegal? Não sei. Se fosse ilegal não existiam 60 e tal hotéis pela Europa. É um conceito claramente a crescer”.

É ilegal? Os hotéis devem pôr as cartas na mesa?

Há várias maneiras de transmitir a mensagem. A primeira passa por ser direto e colar ao nome do hotel a expressão “adults only” ou “só para adultos”. Pode ser feito no próprio site ou pode surgir um aviso quando se tenta fazer uma reserva também no site para uma pessoa abaixo da idade admitida pelo hotel. O Falésia Hotel, por exemplo, opta por anunciar “adults only” no próprio site à entrada. O hotel de Albufeira, no Algarve, só aceita hóspedes com mais de 16 anos para “umas férias descansadas”.

Mas a tendência não se verifica só em Portugal. Na Europa e no mundo há já vários hotéis que só recebem clientes adultos e, no que toca à ausência de crianças, há até guias a nomear os espaços. A Travel and Leisure elaborou um artigo com sugestões de restaurantes “child-free”. A autora chamou-lhe: “A bendita tendência do silêncio”. A cadeia de hotéis H10 tem já 8 hotéis só para adultos espalhados pelo mundo: um fica em Tenerife e outro em Lanzarote, por exemplo. E já em 2008 o The Telegraph fazia um guia de viagens para férias livres de crianças.

"Quem vai para um hotel de repouso não quer ter crianças aos saltos dentro da piscina. É legítimo. E um hotel virado para a cultura do vinho? Será que é apropriado para crianças? Se calhar não."
Cristina Siza Vieira, presidente executiva da Associação de Hotelaria de Portugal

Em Portugal, a lei diz que ninguém pode ser discriminado à partida num empreendimento turístico, seja num hotel, num aldeamento turístico ou num parque de campismo ou caravanismo. A entrada e permanência não pode ser negada por causa da etnia, do género, da orientação sexual ou da idade. Aplica-se o Decreto-Lei nº39/2008, cujo artigo 48º diz o seguinte:
1 – É livre o acesso aos empreendimentos turísticos
2 – Pode ser recusado o acesso ou a permanência nos empreendimentos turísticos a quem perturbe o seu funcionamento normal.

No ponto 2 cabe, por exemplo, aparecer um cliente em claro estado de embriaguez ou que esteja a provocar um desacato. Mas é precisamente no ponto 2 que reside o problema. Um hotel pode invocar que uma criança “perturba o seu funcionamento normal” por incomodar os restantes hóspedes com o seu barulho?

Cristina Siza Vieira, presidente executiva da Associação de Hotelaria de Portugal, assegura que “é proibido proibir” a entrada de crianças e que, se a unidade o fizer, está a “infringir a lei”. Mas considera que uma criança pode, de facto, enquadrar-se naquele ponto 2: “Se as crianças entrarem e depois fizerem muito barulho, como qualquer hóspede, poderão ser convidadas a sair. Se vierem a perturbar, isso pode acontecer”. Ou seja, a questão não é a idade, mas as probabilidades que aquela pessoa daquela idade tem de vir a perturbar.

A presidente da associação, que conta com mais de 500 unidades associadas, defende que os hotéis só para adultos refletem uma “prática comercialmente aceitável“, como qualquer outra, que “deve ser respeitada com bom senso”, tanto da parte do hotel como dos utilizadores. “Há mercado para tudo. Hoje em dia há imensa oferta e há sempre mais hotéis preparados para famílias, com todas as atividades, do que pouco apelativos para elas”, refere.

Os empreendimentos “adults only” ainda estão em minoria, garante a responsável, e já são criados com determinadas condições pouco atrativas para os miúdos. “Alguns deles não têm berços, camas extras, fraldários, não têm alimentação específica nem um kids club. Os hotéis devem fazer estes avisos a uma família que queira ficar lá hospedada, até pelo superior interesse da criança“, defende Cristina Siza Vieira.

Os simpatizantes desta prática hoteleira enquadram-na num mundo que já está dividido entre coisas apropriadas a determinadas idades, e no qual todos vivemos e ninguém questiona: “É como os restaurantes para fumadores e para não fumadores. Como os filmes para maiores de 16 anos. Ninguém pode proibir uma criança de ver, mas não é recomendado para ela”, exemplifica Cristina Siza Vieira.

"Se for um hotel virado para yoga para adultos, é natural que o normal funcionamento seja o silêncio. Aí, a criança pode perturbar o normal funcionamento do hotel."
Cristina Siza Vieira, presidente executiva da Associação de Hotelaria de Portugal

“Quem paga 80 euros por uma refeição quer estar tranquilo”

À mesa do Eleven só se sentam miúdos crescidos. Exceção feita ao sábado à hora de almoço, quando todos os que tiverem mais de 2 anos podem desfrutar de uma refeição naquele restaurante de luxo de Lisboa. Em todos os outros dias e horas, só são convidados a entrar os maiores de 7 anos.

O conceito é assumido pelo gerente Miguel Júdice ao Observador, que o considera inerente ao tipo de restaurante: “Uma pessoa que vai a um restaurante e paga 80 euros por pessoa não vai tolerar barulho. Quer uma experiência perfeita”, defende.

Na verdade, a decisão surgiu depois de algumas queixas: “Nós no início aceitávamos crianças mas tivemos queixas e deixámos de aceitar”. A resposta está no ímpeto irrequieto dos mais novos. “As crianças podem incomodar as outras pessoas com ruído. São incontroláveis. Eu também sou pai e defendo este conceito. Repare: se eu tivesse uma criança a chorar no restaurante, ia ter várias criticas de pessoas que estão a jantar num ambiente tranquilo. Isso ia incomodá-las. E nós consideramos que a partir dos 7 anos já não são tão imprevisíveis no seu comportamento”, explica.

Os adultos agradecem a tranquilidade e as próprias crianças, se lá estivessem para contar, também não se sentiriam muito bem, assegura Miguel Júdice: “O ambiente não é para elas. Uma criança também não deve ir a uma discoteca. Não é adequado para ela”.

O inverso também se verifica, aponta: “Por exemplo, uma piscina de bolas não deve ter um adulto de 35 anos lá a brincar. Não é para ele. Ninguém o pode proibir de lá estar, mas se calhar estraga a experiência da criança. A criança quer estar com crianças, não com adultos. Aqui é igual”, remata.

E se uma pessoa quiser fazer uma reserva para jantar para si e para a sua bebé? “Nós explicamos logo o conceito e sugerimos que venha ao sábado, para poderem ter a experiência na mesma. Não privamos completamente”. E se uma mãe aparecer à porta do Eleven com o filho de 6 meses ao colo e insistir em jantar com o bebé? “Bom, nós não expulsamos ninguém. Nós desincentivamos e tentamos ter uma atitude positiva. Explicamos a situação de uma forma simpática e educada”, salienta o gerente.

"Partir do princípio que por serem crianças são mal educadas é errado. As crianças têm direito a passar férias com os pais e os pais com as crianças."
Rita Sassetti, advogada na área do Direito da Família

Uns não aceitam cães, outros não aceitam crianças?

Os hotéis que não aceitam animais de estimação justificam-no por não terem condições (seja de logística, de espaço, higiene) para receber os animais e/ou por estes incomodarem os hóspedes. Ora, alguns hotéis preferencialmente para adultos alegam privilegiar o repouso e não ter condições para receber crianças, seja pela ausência de cadeirinhas de bebé, de fraldários, de parques infantis, pela presença de piscinas muito profundas ou por ter muitas escadas. Se no primeiro caso os argumentos são habitualmente aceites pelos utilizadores, não poderão ser também aplicáveis no segundo caso?

Rita Sassetti, advogada há 25 anos na área do Direito da Família, é rápida na resposta. “Não se pode comparar crianças a um cão! Não estão no mesmo plano. A criança é um ser humano, não é igual a um animal de estimação. Tem personalidade jurídica. As crianças têm direito a passar férias com a família, tal como os adultos têm. Não se pode prejudicar uma família com filhos de passar férias no hotel que quer. O regulamento interno do hotel não se sobrepõe ao enquadramento legal em vigor. Ponto final”.

E o hotel pode argumentar que não está preparado para receber crianças? “Não é justificação. Hoje em dia já existe em todos os hotéis um espaço para as crianças e há sempre vigilantes nas piscinas, por exemplo. Além disso, os pais têm o dever de cuidar das crianças e isso basta por si”, refere Rita Sassetti.

"Eu percebo que os casais queiram estar sossegados, mas parece-me uma posição egoísta. Há pessoas que têm onde deixar as crianças, mas há outras que não têm."
Rita Sassetti, advogada na área do Direito da Família

A Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor vai mais longe e defende que este assunto se resume a “uma questão de ética e responsabilidade social das empresas” que devem “cumprir o princípio constitucional de proteção da família.” Seja ela sem ou com crianças.

Em declarações ao Observador, o jurista na delegação da DECO do Algarve Pedro Gomes adianta que, nos últimos seis meses, foram feitas “cerca de 5 denúncias” por práticas deste género. Mais de metade dos hotéis estavam no Algarve. As queixas são remetidas para a “entidade fiscalizadora”, mais conhecida por ASAE, que depois averigua a situação.

Embriaguez, casamentos e batizados

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“O acesso e a permanência no hotel podem ser negados se a pessoa estiver embriagada, se provocar distúrbios ou se houver um evento especial a decorrer, como um casamento ou uma festa. Mas tem de haver uma reserva do hotel e estes eventos têm de ser publicitados antes de forma a anunciar essa restrição específica”

Pedro Gomes, jurista da DECO

E foi precisamente a ASAE que decidiu instaurar processos de contraordenação a responsáveis de dois hotéis no sul do país, por terem negado o acesso e a permanência a crianças. Um dos processos foi instaurado a um hotel em Alvor, no fim de julho, e outro a um hotel em Albufeira, no início de agosto.

Agora é preciso que os processos sigam os processos legais. Caso se determine que os hotéis infringiram a lei, poderão pagar uma multa até 32.500 euros. Mas a coima não será problema, antecipa a advogada Rita Sassetti: “Por norma estes são hotéis de 4 e 5 estrelas, que têm vários casais que não se importam de pagar bem pelo serviço. Por isso os hotéis também não se importam de pagar a multa. Nesta altura do ano, com os preços que praticam, conseguem recuperar 30 mil euros em poucos dias. E continuam a ter os clientes satisfeitos lá, livres de crianças”.

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