Ouvir os consumidores, apostar em resolver-lhes os problemas e inovar por tentativa e erro. Uma e outra e outra vez, com 18 meses de antecedência. Na 18Hubs, é isto que se faz: estudam-se as tendências de inovação e de empreendedorismo 18 meses antes de acontecerem, para que os players de mercado na área de media, tecnologia, conteúdos e data science (ciência de dados) tenham tempo para se adaptarem à mudança e reagirem, explicou ao Observador Julien Rath, analista de inovação na agência do Havas Media Group.
O negócio que aposta em ter um pensamento crítico 18 meses à frente do “agora” tem três centros de pesquisa localizados em hubs culturais, criativos, académicos e tecnológicos em Los Angeles (Estados Unidos), Telavive (Israel) e Seoul (Coreia do Sul), onde também desenvolvem relações com incubadoras de startups, laboratórios académicos e comunidades artísticas. Mas Julien Rath não descarta a possibilidade de nascer um 18Hubs em Lisboa, visto que acredita que a capital portuguesa está a “desempenhar um papel chave na inovação europeia”, disse ao Observador, por email.
Cada centro da 18Hubs produz mensalmente uma nota estratégica para a série “PillowTalks”, onde analisa os últimos desenvolvimentos na indústria e identifica as grandes tendências em inovação. Depois, alerta as equipas e clientes que o grupo detém no mundo sobre o que devem fazer para se adaptarem ao que aí vem, facilitando o contacto entre as grandes empresas e as startups.
Porque é que a 18Hubs decidiu ter um pensamento crítico 18 meses à frente da realidade? Porquê 18 e não 20 ou 24?
Posicionámo-nos 18 meses à frente do ‘agora’ porque isso permite-nos identificar os desenvolvimentos que ocorrem no mercado, no curto prazo, e ajuda a Havas Media a adaptar-se rapidamente a estas mudanças. Não estamos a tentar prever o futuro, que é quase impossível quando o assunto é inovação. Ambicionarmos estar 18 meses à frente do ‘agora’ porque isso permite-nos trazer inovação real à Havas e ajudar os nossos clientes a fazerem parte do mercado. Os 18 meses também se enquadram na mentalidade do grupo empresarial em que nos inserimos e permitem que nos adaptemos às mudanças do mercado. Não existe nenhum menu ou receita clara para aquilo que fazemos. Trata-se de nos adaptarmos ao que está a acontecer.
E porque é que é tão importante estar à frente do próprio tempo? É essa a chave para o sucesso?
Não se trata tanto de estar à frente do tempo, mas mais de sermos capazes de nos adaptarmos às mudanças que estão a acontecer. À velocidade a que a tecnologia e os media evoluem faz com que se torne essencial criar uma aproximação ao mercado baseada na inovação. Há novas startups a entrar constantemente no mercado e a crescerem rapidamente. Em 2015, vimos que as empresas que valem mais de mil milhões de dólares (os chamados unicórnios) duplicaram comparativamente a 2014. E estas startups estão focadas nos consumidores de novas formas, oferecendo-lhes serviços e experiências que as empresas atuais não oferecem.
O facto de estarem focadas no consumidor primeiro permite-lhes identificar os problemas dos consumidores e propor-lhes soluções. A velocidade a que crescem permite às startups adaptarem rapidamente o seu modelo de negócio e responder às mudanças no mercado e nos hábitos dos consumidores, algo que as grandes empresas têm dificuldade em fazer. A introdução dos vídeos em direto do Facebook é um exemplo perfeito disto, porque conseguiram identificar que o desejo pelo live stream estava a crescer nos conteúdos. Em alguns meses apenas, o Facebook conseguiu adicionar uma nova funcionalidade e escalá-la pelo mundo.
O desafio que as empresas grandes mais têm de enfrentar hoje é o facto de terem perdido o contacto com os consumidores. Muitas empresas ainda se focam mais em vender o produto do que em criar uma experiência para o consumidor. É um cliché achar que as empresas grandes não conseguem ser ágeis. A Google tem perto de 20 anos, mais de 60.000 colaboradores e está constantemente no topo das empresas mais inovadoras. Qualquer empresa pode tornar-se inovadora e ágil se acreditar, verdadeiramente, em si própria. É importante que as empresas grandes tenham uma aproximação à inovação por tentativa e erro. [O modelo “Test and Learn” permite às empresas testar ideias com um grupo pequeno de consumidores e saber que impacto é que aquele produto ou serviço terá.]
Isto só vai acontecer se estas empresas conseguirem olhar para fora das indústrias em que atuam, compreenderem as mudanças que estão a ocorrer no mercado e focarem-se naqueles que são os problemas dos consumidores. Ao emergirem em novos ecossistemas e ao estabelecerem parcerias com startups, vão ser capazes de fazer avançar o mercado e de criar novas experiências para os consumidores.
Atualmente, quais são as grandes tendências do mercado? Para onde é que as startups devem estar a apontar?
Não se trata apenas de ver o que é que as startups procuram, porque há espaço no mercado para as empresas que querem entrar agora e para aquelas que já existem. No geral, as empresas precisam de olhar para o que está a acontecer no mercado e perceber como é que os consumidores se estão a comportar. A inovação não é algo reservado apenas às empresas pequenas. Na verdade, se as startups e as empresas trabalharem juntas podem fazer ainda mais coisas. Em fevereiro, a empresa norte-americana Campbell anunciou que estava a criar um fundo de 125 milhões de dólares para investir em startups de comida. E existem outras empresas que estão a fazer a mesma coisa. Isto permite às startups escalarem e às empresas grandes procurarem nos empreendedores oportunidades para crescer e ter novas ideias.
Compreender as tendências de mercado é uma parte significativa deste tipo de colaborações. As empresas que identificarem estas tendências e as abraçarem vão ser aquelas que se movem mais depressa nos mercados. Atualmente, estamos a perceber que as startups se estão a focar mais em criar uma experiência de utilizador forte: como é que a empresa pode desenvolver algo que ajude o consumidor na sua vida, quais são as suas exigências e como é que uma empresa pode criar valor para o utilizador. Este foco é incrivelmente importante para todo o tipo de empresas – pequenas ou grandes. Os ecossistemas multiplataforma que estão a ser criados também são muito significativos. A Amazon, por exemplo, é muito forte neste aspeto. O Amazon Echo (a torre de controlo de voz),o Fire TV, o Amazon Video e a plataforma de compras estão a fazer com que a Amazon se torne um interveniente do mercado significativo, que cria uma só experiência para o utilizador.
Têm três centros: em Los Angeles, Telavive e Seoul. Estão a considerar um também em Lisboa?
Cada cidade tem as suas próprias características. Los Angeles, com a sua proximidade à indústria de entretenimento e Silicon Valley, tornou-se um viveiro de media e tecnologia, redefinindo a economia diretamente direcionada ao consumidor. A força da academia em Telavive, e a sua população relativamente pequena de 8 milhões de pessoas, tem desenvolvido consistentemente tecnologias poderosas e de alcance global. A ubiquidade atual do digital e da tecnologia em Seoul e em Tóquio mostraram ao mundo como se podem criar experiências novas que tenham uma alavancagem móvel e social desde o início.
Depois de começarmos com estes três escritórios, estamos agora a desenvolver atividade em 18 escritórios da Havas, sendo que a nossa ligação local é um dos colaboradores da Havas. Lisboa é especialmente interessante porque começamos a ver que se está a tornar num hub de inovação e de startups crescente. A cidade já tem um ecossistema forte, com uma série de iniciativas que apoiam o empreendedorismo, como a Beta-i e a Startup Lisboa. Agora, o que está a acontecer é que Lisboa se está a tornar mais atraente para players internacionais. O anúncio de que a Web Summit sai de Dublin para Lisboa é outro sinal forte e vai ajudar o ecossistema a tornar-se ainda mais atrativo para startups. A incubadora londrina também vai abrir em Lisboa este ano. Ao atrair intervenientes internacionais, estamos certos de que o ecossistema de startups vai ter um impulso significativo e desempenhar um papel chave na inovação europeia.
Quais são os melhores conselhos que pode dar a empresas que trabalham com produtos disruptivos?
Um dos conselhos mais importantes para as pessoas que querem inovar e mexer os mercados é este: tenham o mesmo tipo de cultura que tem uma startup. A capacidade de arriscar e de aceitar os erros e falhanços é importante porque ajuda as empresas a aprender com a experiência. A filosofia de “falhar ainda mais” não tem a ver com tentar fracassar deliberadamente. Tem a ver com tentar testar coisas novas, impulsionar o que está a ser feito e levá-lo um pouco mais além, e tem a ver com ser ágil. Se não resultar, aprendes alguma coisa daí.
Muitos dos gigantes tecnológicos fazem isto regularmente quando veem que um produto não está a responder às exigências ou problemas dos consumidores. A Google acabou com os Google Glasses quando viu que era uma coisa de que os consumidores realmente não precisavam. E o Facebook acabou com o Slingshot, que lançou para concorrer com o Snapchat. Mas ao acabarem com estes produtos, as empresas conseguiram passar por experiências que se traduziram em valor e em conhecimento dos seus próprios utilizadores, que puderam utilizar nos produtos seguintes.
Ouvir o consumidor é a chave. Hoje é importante para qualquer pessoa identificar que problemas ou exigências tem o consumidor. Foi isto que deu sucesso a muitas startups. Elas tentaram identificar o problema dos utilizadores e resolvê-lo. Obter feedback é importante porque, se o produto ou serviço não estiver a responder àquelas que são as suas necessidades, esse feedback vai ajudar a adaptá-lo ou a melhorá-lo. O Instagram, por exemplo, era originalmente um jogo para telemóveis e publicar fotografias era apenas uma das suas características. Rapidamente perceberam que o que os consumidores mais utilizavam e queriam era aquela característica em específico. Então refizeram a aplicação e focaram-se em criar a melhor experiência possível da partilha de fotos em dispositivos móveis.
A forma como as empresas — grandes ou pequenas — trabalham também é um dos aspetos centrais da inovação. É mais valioso construir uma equipa à volta de um projeto do que um projeto à volta de uma equipa em específico. Os projetos são percecionados de um ponto de vista diferente todas as vezes, levando à diversidade em soluções possíveis. Há startups como o Spotify ou o Zappos que adotaram novas estratégias de gestão, onde as equipas são construídas sob uma variedade de perfis e competências e quando os projetos acabam a equipa desmembra-se e cada um dos membros é integrado num novo projeto. Isto estimula a criatividade dos colaboradores e pode tornar a empresa menos estática, levando-a à eficiência.
Que erros é que os empreendedores mais cometem e como devem evitá-los?
É importante que os empreendedores testem tudo o que fazem e obtenham o maior número de pontos de vista possível sobre o que estão a fazer. Partilhar o que estão a fazer e entender que isso pode não ser perfeito também vai melhorar o produto. Este é um tipo de pensamento que está muito presente nas comunidades de São Francisco e Los Angeles. Os aceleradores e as incubadoras fazem parte disto, porque assim podes ter conselhos e inputs de pessoas que podem já ter feito o mesmo que tu.
Começar uma empresa tua é incrivelmente difícil. Na verdade, nós só ouvimos falar das startups que têm sucesso, mas há muitas mais que fracassam. Enquanto empreendedor, deves acreditar sempre no que estás a fazer e não desistir.
Não tenham medo de trabalhar com empresas grandes e de aprender com elas. Nem sempre vai ser fácil mas eles entendem o que significa escalar milhões de pessoas. As parcerias com eles podem ajudar a fazer crescer o teu produto e dar-te um conhecimento valioso sobre como melhorar o que estás a fazer.