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Há 25 anos Marcelo deu o mergulho que quase lhe valeu Lisboa 

A campanha mais louca que Lisboa teve faz 25 anos. Marcelo mergulhou no Tejo, guiou um táxi e varreu o lixo.Se fosse hoje, o professor confessa ao Observador que não sabe se a voltaria a repetir.

Em 1989, o estuário que banha Lisboa era um dos mais poluídos da Europa, com os esgotos de toda a cidade e dos seus arredores a desaguarem diretamente ali sem qualquer tratamento. Se agora mergulhar no Tejo parece uma ideia perigosa, na altura era uma ideia louca. Mas foi o que Marcelo Rebelo de Sousa fez para lançar a sua candidatura à Câmara Municipal de Lisboa, inaugurando assim a mais inusitada campanha de que há memória em Portugal – com direito a um dia passado a conduzir táxis, uma noite com o camião do lixo, corridas em Monsanto e noites animadas.

Agora, olhando para trás, Marcelo não sabe se voltaria ou não a fazer o mesmo naquelas circunstâncias, mas tem uma certeza. “Se hoje voltasse a fazer uma campanha, faria o oposto, seria menos espetacular e mais curta. O meu estilo é conhecido e é suficientemente extrovertido. Mas isso já não é uma hipótese, isso agora é para Santana Lopes”, garante o professor ao Observador, em alusão às próximas eleições presidenciais em 2016 e aos comentários que tem feito na TVI sobre uma eventual candidatura.

Mas há 25 anos não havia TVI nem comentários e Marcelo Rebelo de Sousa tinha um problema. Era o candidato do PSD à Câmara Municipal de Lisboa e apenas 20% dos lisboetas sabiam quem ele era. Se para começar, isso já era mau, ter como adversário o então líder do Partido Socialista, Jorge Sampaio, que pela primeira vez fez convergir grande parte das forças à esquerda numa única candidatura à capital, só veio piorar a situação.

“Foram precisas várias ações de campanha espetaculares para chamar a atenção dos lisboetas”, recorda Marcelo Rebelo de Sousa.

“A minha taxa de notoriedade era dramática. O Governo [Cavaco Silva cumpria o seu primeiro mandato com maioria absoluta] estava em má forma e foram precisas várias ações de campanha espetaculares para chamar a atenção dos lisboetas”, admite Marcelo ao Observador – “louca” foi mesmo a primeira palavra usada pelo professor para descrever a ideia do mergulho. Uma “desproporcionalidade” também referida por António Pinto Leite, então presidente da distrital do PSD de Lisboa, mas que tentou ser combatida com “uma mensagem de liberdade de espírito e inovação do candidato”.

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É o próprio professor que admite que o seu nome foi uma candidatura “de recurso”, depois de várias figuras sociais-democratas recusarem encabeçar a lista do partido em Lisboa. À frente da autarquia estava há dez anos Nuno Krus Abecassis, do CDS, e que apesar do apoio centrista à candidatura de Marcelo, foi sempre ambíguo quanto à coligação. Marcelo foi apresentado oficialmente no dia 7 de Julho no Castelo de S. Jorge, o mesmo dia em que Jorge Sampaio aparece de madrugada junto aos jornalistas que aguardavam o anúncio do candidato socialista – João Soares era a figura apontada – e diz simplesmente: “O candidato sou eu”.

Sondagens no dia seguinte, como a do (já extinto) jornal Semanário, davam desde logo uma vantagem a Sampaio. A solução tinha de ser drástica.

3 fotos

Na linha do que outros candidatos já tinham feito – Walter Momped já se tinha atirado ao rio quando se candidatou à câmara de Berlim -, Marcelo e a sua equipa (a biografia de Vítor Matos dá conta nestas reuniões da presença do cineasta Jorge Alves da Silva, do publicitário José Castro Rosa e do jornalista Joaquim Letria, responsável pela imagem do candidato) tiveram a ideia de um mergulho no Tejo, já que uma das suas bandeiras de campanha seria a requalificação da zona ribeirinha e a reconciliação dos lisboetas com o seu rio. Ao mesmo tempo, piscava-se o olho ao PPM do ambientalista Gonçalo Ribeiro Telles, chamava-se a televisão e mostrava-se a audácia do candidato.

E havia outras vantagens. Era mais barato um mergulho no Tejo do que espalhar cartazes e publicidade por toda a cidade de Lisboa – embora Marcelo tivesse enviado uma brochura com o seu currículo a muitos alfacinhas. E o dinheiro era um problema. O partido, saído da dispendiosa campanha das europeias que tinha ocorrido há poucos meses onde se teriam gastado 200 mil contos, avisou o professor que não havia financiamento para a sua corrida.

Recorte de jornal da "Cédula Pessoal" que Marcelo enviou aos lisboetas

 

O tema da falta de dinheiro na campanha nunca foi tabu, o que levou a empregada do professor, a deixar-lhe uma nota: “Se o senhor professor não puder pagar este mês, não me importo”.

Marcelo, que conhecia de perto as dificuldades de arcar sozinho com os custos de uma candidatura – como aconteceu na candidatura presidencial de Freitas do Amaral -, recorreu assim à imaginação. O tema da falta de dinheiro nunca foi tabu e os jornais da época relatavam estas dificuldades, levando mesmo a empregada do professor, Maria Emília, a deixar-lhe uma nota, que segundo relatava “O Independente” dizia: “Se o senhor professor não puder pagar este mês, não me importo”.

Mas seria assim tão fácil mergulhar no Tejo? Como a equipa de Marcelo Rebelo de Sousa rapidamente se apercebeu, organizar o mergulho não seria tarefa fácil. Desde logo, havia regras a cumprir. Teve por isso de se dar volta a um regulamento de 1919 do Porto de Lisboa que proibia banhos nas águas do rio. Caiu logo por terra a ideia original que era Marcelo atirar-se de um cacilheiro em andamento. Mas como todos os caminhos vão dar a Roma, se não podia ser do cacilheiro, que saltasse de um bote. Assim, foi requisitado um bote à Marinha para assegurar o mergulho.

Se em termos de segurança e lei a façanha estava assegurada, em termos de higiene e saúde era outra coisa. Abecassis tinha inaugurado há pouco tempo a primeira estação de tratamento de águas residuais do Tejo, mas aquando do mergulho de Marcelo, a estação ainda estava inativa.

O candidato lá fez o que pôde para se proteger contra as doenças que poderia contrair ao submergir do rio – Marcelo é conhecido pelo seu extremo zelo em relação à saúde -, mas só falou com o seu médico uma semana antes do grande acontecimento, que o aconselhou a fazer pelo menos a primeira toma da vacina contra a hepatite B (são precisas três) e depois logo se via. Seis meses depois, Marcelo Rebelo de Sousa fez análises e foi detetado que tinha contraído hepatite B, mas o seu organismo conseguiu combater naturalmente a doença.

"É um ato de coragem física e cultural, Marcelo já ganhou o Tejo [...]. Conseguimos perturbar a pacatez da cidade e dar um murro no estômago da esquerda", António Pinto Leite em 1989, minutos antes do mergulho

A 31 de agosto (as eleições autárquicas só seriam em dezembro), Marcelo e os seus apoiantes alugaram o cacilheiro Nacional – o mergulho custaria ao todo 200 contos ao candidato – e fizeram um mini-cruzeiro no Tejo, antes do tão esperado mergulho. Marcelo diz que o barco ia cheio de “laranjinhas frenéticos” e “O Independente” do dia seguinte dá conta da emoção vivida num PSD dominado pelo cinzento cavaquista – “Para sisudo já nos basta Cavaco”.

A certa altura, Marcelo Rebelo de Sousa sai do convívio dos seus mais próximos apoiantes para se vestir a rigor para a ocasião. No convés havia quem antecipasse com curiosidade a indumentária escolhida para a ocasião. “Será que ele vai vestir um fato de banho modernaço?”, questionava Virgínia Estorninho, então candidata a presidente da junta de freguesia do Alto do Pina. Mas não, Marcelo reapareceu vestindo calção de banho verde, t-shirt branca e sapatilhas de borracha – que havia de perder a meio das braçadas no rio -, o que claramente desiludiu algumas fãs (“Afinal é um fato do tempo da Maria Cachucha”).

Captura de imagem dos arquivos da RTP feito pelo blog ma-shamba

O professor passa então para o bote e aí começam as dificuldades. “Mergulhar de um bote é diferente e, para além disso, o bote deslocou-se muito para além do que era suposto eu nadar até à margem, assim fui arrastado pela corrente e tive de lutar na água para conseguir sair no sítio previsto”, afirma Marcelo.

“Aquilo não se via nada porque o Tejo não é como hoje, estava tudo sujo. Era um nojo”, lembra António Pinto Leite

António Pinto Leite estava no Nacional a assistir e ele próprio susteve a respiração após o mergulho. “Ainda me perguntei, irá voltar ou não? Porque ele mergulhou e demorou bastante tempo a vir à superfície. Aquilo não se via nada porque o Tejo não é como hoje, estava tudo sujo. Era um nojo”, lembra.

Enquanto o professor se debatia no meio do Tejo – Marcelo diz que ficou a bem mais do que os 60 metros relatados pelos jornais da altura -, a sua comitiva e a televisão já estavam à espera na margem, junto a umas escadinhas ao pé do Padrão dos Descobrimentos. No entanto, ali ao lado desaguava uma das maiores condutas de esgotos de Lisboa o que dificultava em muito a aproximação a terra seca (e limpa). O professor lá conseguiu subir os degraus cheios de lodo, sendo logo ali questionado pelos jornalistas. “Nem tive tempo de retomar o fôlego”, queixa-se Marcelo.

"Mergulhar de um bote é diferente [...]. O salto para a água é mais dramático", lembra Marcelo

A resposta de Sampaio, que na altura estava de férias com a família na Disneyworld, na Flórida, foi direta: “As fantochadas não me preocupam” – embora na esquerda houvesse quem tivesse sugerido enviar uma bóia ao professor, caso as coisas corressem mal no Tejo. O salto para o rio foi efetivamente um salto de popularidade para Marcelo Rebelo de Sousa que se destacou no panorama da autarquia.

Depois deste feito, havia até quem falasse num voo de asa delta do Cristo Rei para o rio, mas Marcelo desmentiu dizendo que seria “um gesto gratuito”. Mas houve mais ações inesperadas. Em setembro, conduziu um táxi pelas ruas de Lisboa, sob o mote de conhecer a fundo o mal-afamado trânsito da capital – para este feito também foi preciso uma licença especial. O candidato teve 13 clientes e faturou 4.900 escudos, quase cinco contos.

Recorte de jornal do professor a conduzir o táxi por Lisboa

Pelo caminho lembra que apanhou “um tipo que devia ser dealer”, transportando-o desde o Casal Ventoso até ao Cais do Sodré, e uma senhora grávida, pronta para dar à luz. Um dos clientes incautos disse durante a corrida “Conheço o senhor de qualquer lado” e Marcelo respondeu entre risos: “Deve ser da televisão”. A quem o reconheceu, o professor deu autógrafos, a quem não o conheceu, apresentou-se. Uma manobra de campanha retomada muitos anos mais tarde, em 2013, pelo então primeiro-ministro norueguês.

Em outubro, passou uma noite com os funcionários que apanhavam o lixo. Marcelo diz ter ficado “impressionado” com o crescimento da metrópole e a acumulação de resíduos na cidade. Estas ações de campanha, juntamente como outras mais pacatas, como ter chamado os conselheiros de Chirac em Paris para desenvolverem um plano de reabilitação da zona ribeirinha, uma corrida com jovens em Monsanto, visitas a todos os bairros de lata (o candidato diz que não lhe trouxe muitos votos porque grande parte das pessoas era imigrantes e não podia votar em Portugal) e as “Noites Loucas do Marcelo” no Alcantâra-Mar, deram a muito desejada notoriedade a Marcelo – o professor chegou a estar empatado com Jorge Sampaio nas sondagens.

“O Marcelo é endiabrado, todos os dias tinha uma ideia e era muito difícil aguentar esse ritmo”, disse Jorge Sampaio.

Mas apesar de ter levado a campanha a sério, mudando-se de Cascais para Lisboa, passando a residir nesse período na casa que era dos pais e demitindo-se do cargo de presidente do Conselho Diretivo da Faculdade de Direito, a união à esquerda contava com muitos apoiantes. Sampaio distanciou-se o máximo possível de confrontos diretos com Marcelo para não dar projeção à candidatura. “O Marcelo é endiabrado, todos os dias tinha uma ideia e era muito difícil aguentar esse ritmo”, disse Sampaio a Vítor Matos.

No seu programa, Marcelo tinha alguns aspetos que só agora estão a ser tratados. Para além da reabilitação da zona ribeirinha (o passeio da Ribeira das Naus foi concluído há pouco tempo), o candidato queria um plano estratégico para Lisboa que reorganizasse o urbanismo e trouxesse jovens para o centro da cidade. Bateu-se pelas hortas públicas – hoje comuns – e pelo reagrupamento das freguesias. Até propôs um canal de televisão só para a cidade.

Até dezembro, o tempo foi chuvoso, o que segundo Marcelo impediu algumas ações que tinha planeado, dificultando assim o seu crescimento junto dos lisboetas. Um debate de televisão que correu mal, desentendimentos no CDS e o apoio cada vez maior de toda a esquerda, que era “maioritária em Lisboa”, como lembra Pinto Leite, à campanha de Sampaio acabaram por ditar a derrota de Marcelo. Mesmo assim, a sua coligação conseguiu 42,18% dos votos, enquanto Jorge Sampaio teve 49,17% da preferência dos lisboetas.

Esta é a história de uma derrota, que marcou a maneira de fazer política em Portugal. “Foi uma coisa única. Nunca mais houve nada assim”, afirma Marcelo.

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