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© Hugo Amaral/Observador

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"Muitos americanos não querem ler, ouvir ou ver falar sobre o aniversário do atentado do 11 de setembro"

Judy Kuriansky viveu o 11 de Setembro na primeira pessoa e pelos olhos da sua profissão. Na quinta-feira, comemora-se um dos dias mais negros da história americana.

Judy Kuriansky, psicóloga clínica e professora na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos da América, está em Portugal para participar do II Congresso da Ordem dos Psicólogos portugueses, que começou nesta quarta-feira e acaba sábado, a decorrer no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

Dr. Judy, como é conhecida mundialmente, é terapeuta especialista em situações de trauma e crise: prestou ajuda psicológica em primeira mão no pós-11 de setembro, furacão Katrina, tsunami asiático e os terramotos do Haiti, Japão e China, bem como mais recentemente, no pós-tempestade Sandy e no tiroteio na escola de Newtown, Connecticut.

Também já trabalhou como jornalista para a televisão norte-americana e, atualmente, é colunista do jornal Huffington Post. Extrovertida e sempre a gesticular, a psicóloga gosta de lembra que o “trauma é cumulativo” e que as imagens divulgadas pelo Estado Islâmico podem ser um problema grave se chegarem aos olhos das crianças.

É tão energética que começou a entrevista sozinha.

Quando os aviões atingiram as torres gémeas, eu estava na China, num congresso. Uns tipos vieram chamar-me e disseram que tinha de ver o que estava a passar na televisão: as imagens, em loop, dos aviões a atingir as torres gémeas. Perguntei: isto é algum desenho animado?

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Logo que pude, apanhei um avião para Nova Iorque; o que foi uma sorte, porque pouco depois fecharam o espaço aéreo. Assim que aterrei, fui voluntariar-me para ajudar na gestão do que se tinha passado, no ground zero. Cheguei lá no dia seguinte ao atentado. Fiquei com o turno da noite, porque a maioria das pessoas não gostava dessa alternativa.

Porquê?

As pessoas sofrem mais à noite, a escuridão estimula isso. Durante a noite, éramos poucos. Distribuíamos luvas aos trabalhadores, peluches às crianças. Água para todos os polícias, bombeiros e às pessoas que estavam a mexer nos destroços. E estávamos lá para falar com eles se quisessem. Quando o dia nascia, ia até casa dormir e tomar um banho. De resto, os dias foram assim durante muito tempo.

Morava perto?

Sim. Morava na Rua 55, a pouco menos de dois quilómetros das torres. Estava um pouco distante do horror.

Amanhã, quinta-feira, comemora-se o décimo terceiro aniversário do atentado às torres gémeas. Que sequelas ficaram?

Logo após o atentado, apercebi-me enquanto psicóloga, que as pessoas não queriam ter filhos, porque não queriam trazer crianças para este ‘mundo terrível’, diziam. Existia também um grupo de jovens que interpretou o atentado como o fim do mundo. Então, criaram um movimento chamado ‘sexo do fim do mundo’ (End of the World Sex, em inglês). Estavam a agir de forma muito irracional e irresponsável. Diziam: bem, podemos explodir amanhã, por isso mais vale aproveitar o dia de hoje.

Para o público em geral, criou-se um clima de medo. Não queriam sair de casa, mandar as crianças à escola, passar pontes. Existia um pânico em volta da ideia de ‘quando é que vai voltar a acontecer um ataque terrorista?’ Agora, passados treze anos, as pessoas continuam a perguntar-se: quando é que vai acontecer o próximo atentado em Nova Iorque? Vai acontecer no Empire State? No Macdonalds na Rua 42?

Judy recebe um beijo do Presidente Bush, durante as comemorações do primeiro aniversário do atentado.

D.R.

Diria que este trauma, o stress pós-traumático dos cidadãos norte-americanos ao 11 de Setembro, é hoje perpetuado com os vídeos da decapitação dos jornalistas pelos jihadistas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante?

O trauma é algo cumulativo, nós [psicólogos] sabemos isto. O 11 de setembro foi uma experiência traumática gigantesca, mas desde que isso aconteceu já ocorreram muitos outros eventos dramáticos: em Espanha, em França, em Bali e em Inglaterra. Os veteranos do Vietname costumavam queixar-se que sofriam de stress pós-traumático, e nós dizíamos que compreendíamos. Agora é algo muito mais real, um país inteiro viveu a experiência do terror.

Os vídeos do ISIS são especialmente perigosos porque estão disseminados por todo o lado. Em particular para as crianças — até atingirem os oito anos, para eles, é tudo a preto e branco. Em Nova Iorque, é obrigatório falar sobre o 11 de setembro nas escolas, porque é mais perigoso deixar rumores propagarem-se e as crianças não terem noção do que se passou. Mas quem as protege ou explica o que são decapitações na televisão e internet?

Lembro-me que quando se começou a falar do HIV, muitos disseram para não cobrir esse tema para não criar medo na população. Estão loucos?, perguntei. Contem os factos e ofereçam formas de lidar com o medo, por que isto é a realidade.

Documentos de identificação de Judy Kuriansky, parte da equipa de apoio ao ground zero.

© Hugo Amaral/Observador

A forma como este tipo de notícias se torna viral pode criar medo à população de um país?

Sem dúvida. Quando as pessoas veem aquelas imagens, ficam com elas em repetição na cabeça. A imagem dos aviões a colidir nas torres não se esquece. No início, as televisões mostravam pessoas a saltar das torres em chamas. Depois, decidiram parar de divulgar essas imagens. Enquanto psicóloga posso afirmar, quer sejas adulto ou criança, aquelas imagens não são saudáveis para o cérebro humano.

Como sugeriria lidar com as imagens divulgadas pelo Estado Islâmico?

Os jornais não deviam mostrar as imagens pós-decapitação. Uma imagem tem sempre um efeito mais profundo psicologicamente do que ouvir falar que uma tragédia ocorreu.

Quem são as pessoas atraídas por este nível de violência – que se voluntariam para estas organizações extremistas?

Existem muitos artigos científicos sobre este tema. O que tudo indica é que pessoas que já estão predispostas para ser violentas, sentem-se encorajadas a ser violentas ao ver os vídeos. Pensam: se ele já fez isto, porque é que eu não faço? Outras pessoas ficam horrorizadas. E ainda há um terceiro grupo de pessoas: aqueles que ao assistirem à violência têm os próprios impulsos anulados. 

Como descreveria um extremista?

Alguém completamente focado no seu ponto de vista pessoal. ‘Eu estou certo, ele está errado.’ Não vou ouvir o que os outros têm para dizer. Sou o rei, tenho o poder. São pessoas cegas pelo seu ponto de vista, só veem uma parte da história.

Que espera do dia de amanhã?

Nos primeiros anos, o 11 de Setembro, era algo muito publicitado, mas agora tem vindo a ser cada vez menos, o que me deixa triste como psicóloga, porque a partilha pública desta experiência pode ser muito curativa. Reconheço que algumas pessoas não querem lembrar, querem esquecer. Não querem ler, ouvir ou ver falar sobre o aniversário do atentado do 11 de setembro. Só querem esquecer a dor.

Mas também existe o oposto. Muitas pessoas sentem que lembrar o que aconteceu pode ser curativo. Sei como psicóloga e escrevi sobre isto, que existe uma coisa chamada ‘reação de aniversário’. Quando acontece uma aniversário de um acontecimento importante como o 11 de Setembro, a morte de um filho ou a mudança de casa. Todas estas situações são chamadas de reação de aniversário e provocam uma reação semelhante. Pessoalmente, penso que é muito importante para a América e mundo prestar muita atenção a este aniversário, independentemente da data que se comemora. Treze não é um número tão sonante como dez, mas é uma data que tem de ser relembrada.

Já lidou com diversas situações de crise ao longo dos anos. Tem formação sobre como lidar com isso. Mesmo assim, acha que ficou traumatizada?

Eu vivi o 11 de setembro por diversas perspetivas. Conheço pessoas que morreram, é a minha cidade e o meu marido fazia parte da equipa do presidente da câmara de Nova Iorque na época. Vivi tudo de muito perto. Fico muito comovida nesta data. Tenho a minha própria dose de stress pós-traumático.

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