Há sempre um momento, depois de se passar todos os dias pela mesma rua, em que alguma coisa levanta a dúvida: “Isto já estava aqui ontem?”. Na maioria das vezes, a culpa é da distração, e não só estava tudo ali ontem como estava ali há anos. Mas hoje em dia, e cada vez mais, também pode ser uma loja pop up – se for esse o caso, e se gostar das propostas, o melhor é aproveitar para entrar, porque também é provável que a loja desapareça em breve, como aquelas portas mágicas do universo de Alice no País das Maravilhas.
“Pop up”, quando se traduz à letra, significa “aparecer”. E é um aparecer que tem um forte componente de inesperado. Já se sabe que é assim nos livros, quando uma flor salta da página, ou no pop up eléctrónico, com aquelas janelas que se abrem de repente no computador. E agora, numa altura em que a PopUp Republic avalia esta indústria nos EUA em cinquenta mil milhões de dólares (cerca de 44 mil milhões de euros), vai ser cada vez mais assim com as lojas pop up: o modelo comercial que parece ser o futuro da moda e da venda a retalho.
Aqui, a surpresa é mesmo a alma do negócio. E também a sensação de proximidade, por oposição à relação com as marcas que existem apenas online – e onde se corre o risco de encomendar um M que na fotografia do site parece só oversize mas em casa é mais uma tenda de campismo. E há ainda, quando se fala de lojas pop up, a sensação de exclusividade, por oposição às grandes lojas de retalho que ficam nos grandes polos comerciais.
“É isso que é genial. É de curta duração, é inesperado, e muitas vezes inclui peças que não se encontram noutro sítio. E também não estão ali só para vender: servem para criar uma experiência memorável, exclusiva e fotogénica, que dá um elemento de carisma à marca e conquista uma clientela fiel”, explica a jornalista Emily Farra no artigo em que a revista Vogue norte-americana sublinhou o fenómeno. O que também significa que, mais do que uma experiência para quem compra, uma loja pop up pode ser uma oportunidade para quem vende – é um investimento menor, um momento de comunicação, e até pode ser uma forma de tirar a temperatura ao mercado antes de se pensar numa aposta mais definitiva.
Do ter para o ser: “A experiência é o novo luxo”
“A tendência começou nos Estados Unidos e hoje o retalho de curto prazo é uma indústria multimilionária, com mais de meio milhão de espaços procurados por ano”, explica Pedro Lucena, da Yoochai, uma espécie de agência desta era pop up. “Somos uma plataforma para reservar espaços de retalho num curto período de tempo. Proporcionamos acesso imediato a espaços, sejam lojas vazias à espera de um novo conceito, ou cantos dentro de uma loja já existente.”
Desta forma, a Yoochai sente que tem recolhido algumas pistas sobre o crescimento do setor. Há marcas estrangeiras a querer encontrar um primeiro contacto com o mercado português, marcas do sul a querer visitar o norte (e vice-versa), outras que nasceram online mas querem uma presença física temporária, mas há também marcas já de renome – e com lojas instaladas – a usarem este modelo como forma de criar uma nova experiência para o cliente, como por exemplo a Sephora, a Taschen ou a Redbull.
Se até a Google, que não podia defender mais o online, até porque é quase sinónimo de internet, já criou uma pop up store em Nova Iorque, onde nem sequer vendia produtos, uma coisa é evidente: estes espaços existem mesmo pela experiência, pelo evento, pelas inúmeras possibilidades de invadir contas de Instagram, Twitter e Facebook. E há mesmo algumas coisas que não se podem replicar através de um ecrã.
“Já não é preciso ter uma loja física em cada esquina, a não ser que o negócio seja uma loja de conveniência. Ao mesmo tempo, num mercado saturado e com a possibilidade de se comprar quase tudo online, os consumidores também gostam de se sentir especiais. E também já se fala nas pop ups como parte de uma estratégia de marketing – é mais barato do que pagar um anúncio na televisão”, diz Pedro Lucena.
Para uma marca internacional que abriu a sua primeira pop up europeia em Londres, como é o caso da Melie, e que também já o faz em Portugal, é muito simples: “A experiência é o novo luxo. Estamos indubitavelmente a viver a Era da Experiência; desde as partilhas em social media, à importância que damos ao ato de viajar, atitudes que apenas confirmam que importa mais fazer e partilhar”, explica Margarida Martins, coordenadora de marketing.
É ainda mais assim quando se está a falar de determinados sectores do consumo: “Nos últimos anos passou-se dramaticamente do ter para o ser. Com os consumidores cada vez menos interessados em materialidade pura e dura, e mais conscientes do impacto do seus padrões de consumo, a experiência passou a ser um fator preponderante para o retail, no geral, com especial incidência na moda e no setor de luxo. Na realidade, pode argumentar-se que luxo é qualquer coisa que nos faça sentir especiais. E é esta diferenciação que o conceito pop up traz à indústria da moda.”
Enquanto marca que assume a sua preferência pela sinergia entre online e offline, e que, por isso mesmo, não está focada na ideia de ter uma loja permanente, a Melie olha para as pop up como um momento de construção de “confiança”: o que tanto vale para quem desconfia das compras num site em geral e aproveita o pop up para comprar no momento, como para a “conversão de vendas online, uma vez que estimula a relação com a marca”. E realça o perfil de comprador que, a partir de 2016, veio provar que o anúncio da morte da presença física das marcas foi manifestamente exagerado: os millennials. “Afinal, os clientes millennial valorizam de forma substancial experiências pessoais e inspiradoras, a autenticidade e intimidade das relações com as marcas.”
A internet não matou as estrelas das lojas
As marcas mais pequenas, que vivem sobretudo no habitat da internet, têm sabido aproveitar o pop up como forma de chegar a novos clientes e de pensar uma forma de crescimento sustentado, feito sem grandes encargos iniciais e avaliando primeiro aquilo que os clientes gostam mais ou procuram e não encontram.
“No nosso caso, ao lidar com roupa e acessórios, faz todo o sentido que os clientes possam tocar, perceber o comportamento dos tecidos. Apostamos em marcas que primam pela qualidade e pelos detalhes de acabamento, e é uma mais-valia mostra ao vivo. Criam-se relações que se prolongam depois de fecharmos as portas da pop up”, explica Maria Fialho, da Les Filles, loja online que recentemente abriu um espaço temporário no bairro lisboeta de Campo de Ourique. Junta-se a isto o sentido de oportunidade do “é agora ou nunca”, que provoca um aumento de vendas.
A Cabana, que trabalha num sector diferente, mais focado em produtos para casa e escritório, sente o mesmo sempre que faz pop ups, e tem feito algumas: “A principal vantagem são os baixos custos operacionais, aliados ao facto de fazermos bastantes vendas neste período, visto que os clientes estão mais abertos a consumir quando veem os produtos fisicamente”, diz Álvaro Ramos.
Isto não significa que, pelo menos nestes dois casos, as marcas deixem de pensar na possibilidade de vir a ter um espaço permanente. Até pensam mais, sobretudo quando as pop up se vão revelando um sucesso. É só uma maneira de construir essa possibilidade com cautela. E até é uma forma interessante de marcas mais pequenas chegarem a espaços fora de Portugal: “Outra evolução interessante neste campo são as plataformas online que vão surgindo internacionalmente para disponibilização de espaços temporários, um género de Airbnb para lojas pop-up.”
Em Portugal, há já quem abrace esta ideia de internacionalização, ou pelo menos a lógica do intercâmbio, como acontece no espaço d’O Apartamento, que é mesmo um apartamento mas que é também um projeto aberto à partilha e à criação de sinergias. “Já acolhemos duas pop ups de editoras internacionais, a alemã Gestalten e a americana Rizzoli. Fomos também loja de Natal do projeto Cabana. Mais recentemente, aproveitando a vinda da revista inglesa Wildling, organizámos um mercadinho de um dia dedicado aos mais novos, com uma seleção de marcas portuguesas”, conta Vasco Oliveira, project manager d’O Apartamento.
O público que aproveita é o “mais cético em relação às compras online, ou que não tem possibilidade de viajar para os países onde algumas marcas estão presentes fisicamente”, e as marcas podem usar o modelo “para testar a aceitação em mercados onde se pretendam instalar”. Depois, é uma questão de ir e voltar, de preferência com novos clientes na bagagem interessados em continuar a consumir online.