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Manuais escolares: abram-nos por favor!

O Governo anunciou manuais escolares gratuitos. Mas nem os manuais vão ser gratuitos nem se deve gastar tanto dinheiro com eles. A gratuitidade é o que se pode chamar uma falsa boa ideia. E cara.

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A 9 de Março chegava a notícia: “O Governo deu luz verde à proposta de alteração ao Orçamento do Estado apresentada pelo PCP. Quer isto dizer que os manuais escolares para o 1.º ano do ensino básico vão passar a ser gratuitos para todos os alunos já no próximo ano letivo. A medida irá custar três milhões de euros e abrangerá perto de 100 mil crianças.”

Esta decisão governamental suscitou de imediato a aprovação da CONFAP – Confederação Nacional das Associações de Pais: “A medida é positiva e é um dos nossos objetivos: que a educação seja gratuita para todos. Agora não deixa de ser ainda uma medida muito limitada. Deixa-nos algumas interrogações. Será que é possível termos de facto educação para todos brevemente até ao 12º ano?” – declarou pela CONFAP Jorge Ascenção.

Os jornalistas deram a notícia em tons que iam do festivo ao apreciativo, como se apenas por maldade se pretendesse questionar as vantagens da gratuitidade dos manuais escolares.

Mas nem os manuais vão ser gratuitos nem faz sentido que se gaste tanto dinheiro com eles. A gratuitidade é o que se pode chamar uma falsa boa ideia.

A falsa boa ideia da gratuitidade

Em primeiro e óbvio lugar os manuais não são nem nunca serão gratuitos. Podem sim ser pagos directamente pelas famílias ou indirectamente por todos os contribuintes através do Orçamento de Estado.

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Senão vejamos: se fizermos as contas ao que se vai gastar com manuais gratuitos apenas para o 1º ano do ensino básico, aquele em que precisamente os manuais são mais baratos, constatamos que os “manuais gratuitos” irão custar em média 30 euros por aluno. Valor médio válido apenas para o 1º ano do ensino básico. Pois à medida que a escolaridade avança os manuais aumentam de custo.

Como se explica que volumes com fotografias excepcionalmente caras, como os livros de culinária, andem pelos 20 euros, enquanto um manual escolar de 10º ano, com menos páginas, pior papel e imagens fotográficas de baixíssimo valor custe 30 euros? Ou mesmo 39?

E aí chegamos ao outro ponto da questão: a decisão governamental de tornar “gratuitos” os manuais escolares pode comprar votos e boa imprensa mas compra também uma despesa inflaccionada: como se explica que um livro com direitos de autor negociados internacionalmente, como é o caso de “O Mundo Privado dos Presidentes dos Estados Unidos”, não chegue aos 19 euros e que mesmo volumes com fotografias excepcionalmente caras, como acontece com os livros de culinária, andem pelos 20 euros, enquanto um manual escolar de 10º ano, com menos páginas, pior papel, imagens fotográficas de baixíssimo valor e direitos de autor inferiores custe 30 euros? Ou mesmo 39? Os custos de divulgação dos manuais juntos dos professores são suficientes para explicar tal disparidade?

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Ao custo com os manuais “gratuitos mas caros” temos ainda de adicionar a parcela dos chamados “cadernos de atividades” pois é intenção do Ministério alargar a dita gratuitidade dos manuais não só a todos os ciclos de ensino mas também aos cadernos de actividades. Ou seja ao chamado bloco pedagógico.

O que é um bloco pedagógico?

O velho manual escolar foi substituído pelo bloco pedagógico. Por outras palavras, o manual faz-se acompanhar de caderno de actividades, livro de fichas, com ou sem DVD… tudo devidamente embrulhado em papel celofane. O papel celofane não é de modo algum o elemento neutro desta adição porque na prática, unidos para sempre pelo celofane, manual, fichas, caderno de actividades… são vendidos em conjunto. E quase exclusivamente em conjunto.

Ao anunciar que prevê estender aos cadernos de actividades a gratuitidade que anunciou para os manuais escolares cabe perguntar se o Governo se está a constituir como santo patrono das editoras de livros escolares e se não tem noção das implicações e complicações inerentes ao fabuloso mundo do bloco pedagógico?

No blogue Malomil, António Araújo tem descrito em detalhe os meandros dessa caixa registadora chamada bloco pedagógico: “O recorde este ano [2015-2016] foi para Terra, Universo de Vida. É o manual de Biologia e Geologia para o 11º ano, que a Leonor, a minha filha mais velha, é obrigada a usar – e eu, o pai dela, fui obrigado a pagar. No site do Ministério da Educação indicam o preço do livro: 32 euros e 74 cêntimos. Mas não referem o sempre indispensável caderno de actividades. Tudo por junto, a coisa ficou em 42,70 euros.”

Vai o Ministério da Educação pagar cadernos de actividades todos os anos? E por fim, mas não por último, será que muitos desses cadernos de actividades e alguns desses manuais escolares fazem mesmo falta? Por exemplo, quantas vezes serão abertos os livros de disciplinas como Educação Física?

Qual vai ser o futuro destes cadernos de actividades e de fichas nos níveis em que o Ministério da Educação garantir o respectivo pagamento? Para já estamos a falar do ensino básico, ora é precisamente nesse nível que os alunos mais fazem os exercícios nas fichas e nos cadernos de actividades. Logo, a possibilidade de os reutilizar, como o Ministério pretende, surge como largamente improvável. Vão finalmente ser vendidos separadamente? Pois se é verdade que em teoria manuais e livros de fichas/cadernos de actividades se vendem isoladamente na prática não é bem assim.

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Até agora a existência do bloco pedagógico tem sido uma forma de tornar mais caros os já de si muito caros manuais escolares e também um entrave à sua reutilização. Porquê? É simples: caso já tenha o manual e só precise do caderno de actividades ou, se pelo contrário, perdeu, estragou, ou não lhe emprestaram o manual e lhe sobra um caderno de actividades, rapidamente descobrirá que é muito difícil encontrar apenas um dos elementos do bloco pedagógico à venda. Logo o bloco pedagógico veio inviabilizar (ainda mais) a reutilização: não só tem de se conservar o manual como o respectivo caderno de actividades (a que em algumas disciplinas se acrescenta ainda o caderno de actividades laboratoriais). Caso um deles se perca ou não possa ser reutilizado – por ter os exercícios resolvidos, por exemplo – não se consegue repor rapidamente o elemento em falta. Comprar tudo, logo pagar tudo de novo, apresenta-se como a solução quase inevitável.

Vai o Ministério da Educação pagar cadernos de actividades todos os anos? E por fim, mas não por último, será que muitos desses cadernos de actividades e alguns desses manuais escolares fazem mesmo falta? Por exemplo, quantas vezes serão abertos os livros de disciplinas como Educação Física? E não, esta pergunta sobre a razão de ser dos manuais de Educação Física não nasce de nenhum preconceito contra essa disciplina. Aliás a disciplina em que a presença dos manuais escolares na sala de aula mais se deve questionar não é a Educação Física, mas sim o Português. Sobretudo a partir do 9º ano.

Para que servem tantos manuais?

Abra-se um livro de português do 9º ano. Os Lusíadas de Camões e o Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente são obras fundamentais. Mas não são Os Lusíadas, de que aliás vão precisar nos anos seguintes, nem o Auto da Barca do Inferno que os alunos levam para as aulas. Carregam sim com o manual em que Os Lusíadas são reduzidos a um triste e sempre falhado “puzzle” de estrofes, esquemas e ilustrações.

Obras como Auto da Barca do Inferno, A Aia, Folhas Caídas, O Primo Basílio ou Os Maias são devidamente esquartejados em excertos e parágrafos seleccionados. As obras são desconjuntadas de molde a ilustrarem as teses que constam nas fichas de leitura e quadros interpretativos. Em alguns casos o resultado é no mínimo desconcertante. Se algum adolescente ler Camões depois desta experiência, é caso para repetir o camoniano “Ditosa Pátria que tal filho teve”. Se se pretendesse fazer uma manual para desincentivar o gosto pela leitura, não se faria diferente.

Muitos alunos terminam o 12º ano sem terem consciência de que aqueles pedaços de texto constituem livros e que esses livros têm muitas outras páginas que mereciam ser lidas. Ou não. Mas que eles tinham visto em livro.

Para mais no interior dos manuais de Português o medo ao texto é visível. Raramente se consegue que um texto seja só isso: um texto. Quase impossível encontrar uma página que não tenha uma caixinha com linhas de leitura, um quadrinho explicativo, um asterisco a indicar os significados das palavras tidas como difíceis, uma fotografia ou ilustração de bancos de imagem que dão bem com tudo, o crucigrama (vulgo palavras cruzadas), o inevitável quadro das correspondências e umas ilustrações mais adequadas a livros do jardim-de-infância. Como estes exercícios se prolongam nos respectivos cadernos de actividades ainda menos se percebe para que servem os ditos cadernos: na prática estes últimos apenas acrescentam mais umas páginas de exercícios e arabescos aos que já se arrumam no manual.

Muitos alunos terminam o 12º ano sem terem consciência de que aqueles pedaços de texto constituem livros - Os Lusíadas, Auto da Barca do Inferno, Folhas Caídas ou Os Maias - e que esses livros têm muitas outras páginas que mereciam ser lidas. Ou não. Mas que eles tinham visto em livro.

Na fantasia barroca constituída pelas páginas destes manuais detecta-se uma espécie de horror ao vazio, ou seja, à possibilidade de alunos e professores ficarem sós perante um texto. Para um professor que não se veja como um simples administrador dos exercícios indicados nos livros e nos cadernos de actividades o desconforto só pode ser grande pois é como se alunos e professores tivessem como objectivo não aprender e ensinar mas sim a execução das fases sucessivas de uns cursos por correspondência. De preferência, envoltas numa parafernália lúdico-desconstrutiva que tornará “giro” tudo aquilo.

Um manual de Português usado nos anos 70 no equivalente ao actual 7º unificado, não seria, no seu despojamento, considerado hoje adequado sequer para alunos de 12º ano. Se alguma coisa emana dos actuais manuais de Língua Portuguesa ou Português dos 9º, 10º, 11º e 12º anos é um profundo fastio aos livros em si mesmos.

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Mas voltemos aos custos: cada manual (repito, cada manual não o bloco pedagógico) de Português custa em média entre 20 a 40 euros. Ou seja, ano após ano, milhares de famílias pagam para que os seus filhos contactem na versão excerto com os contos de Eça, os sermões do Padre António Vieira ou a poesia de Fernando Pessoa. Um manual de Português do 11º ano é em boa parte ocupado com a transcrição do Sermão de Santo António, Frei Luís de Sousa e A Cidade e as Serras.

Ao anunciar a gratuitidade dos manuais escolares, o Ministério da Educação, além de garantir uma espécie de renda às editoras e de aumentar a despesa, pode muito bem estar a contribuir para a infantilização e mediocridade dos respectivos conteúdos.

Mas como se constatará numa breve visita a qualquer livraria ou aos respectivos sites os 30 euros que se dão pelo manual são mais que suficientes para comprar Os Lusíadas, uma Colectânea de Contos de Eça de Queirós ou de Manuel da Fonseca e ainda alguns autos de Gil Vicente. Para mais as obras que os manuais trazem sob a forma de excertos arrumam-se às dúzias nas bibliotecas das escolas, passando-se anos sem que sejam requisitadas.

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Ou seja, não há qualquer vantagem na disciplina de Português do 9º ao 12º ano em ter como obrigatória a compra de um manual que reduz os livros a algo tão descartável quanto um lenço de assoar e tão inútil quanto os misturadores de saladas que se anunciam nas televendas. Vai o Ministério da Educação pagar estes manuais quando simultaneamente o estado português apoia boas edições das obras que ali aparecem sob a forma de excertos e chavetas? Não se poderia equacionar a dispensa da obrigatoriedade do manual? Não quer dizer que o manual não seja útil, quer apenas dizer que não é indispensável.

Em conclusão, ao anunciar a gratuitidade dos manuais escolares, o Ministério da Educação, além de garantir uma espécie de renda às editoras e de aumentar a despesa, pode muito bem estar a contribuir para a infantilização e mediocridade dos respectivos conteúdos. Como é óbvio as promessas de gratuitidade fazem esquecer esses detalhes. E outros, como o facto de a edição de manuais escolares ser uma das actividades em que mais se detecta o peso de poder político e a subserviência dos agentes económicos e culturais quer perante esse poder, quer também face às modas de cada momento.

Os nostálgicos do livro único

A preocupação com os custos e com a proliferação de manuais e cadernos de actividades levou a que se tenha passado a encarar como positivo o regresso do livro único. Inquéritos efectuados on line por alguns jornais, como o Correio da Manhã, deram 90 por cento de adesão ao conceito de livro único. Mesmo dando como adquirido que estas amostras são isso mesmo – amostras – não deixa de ser constrangedor este apoio ao que foi e será sempre uma forma de cercear a liberdade. Também se pode dizer que muitos terão respondido sob o efeito da nostalgia e da sedução que emana das maravilhosas ilustrações desses livros, nomeadamente das concebidas por Maria Emília (Mamia) Roque Gameiro para O Livro da Primeira Classe publicado em 1942. Mas seja como for e pelo que for o conceito de livro único ainda hoje fascina.

Como o processo de criação do livro único para cada classe do ensino primário se revelou muito atribulado – só no ano lectivo de 1941-42 o livro único chegou às escolas – as edições que estavam no mercado foram aproveitando para vender ainda alguns exemplares. Como? Fazendo as adaptações ideologicamente adequadas. 

O livro único teve origem, em Portugal, numa decisão de Fevereiro de 1936 da Assembleia Nacional, na qual os deputados aprovaram a criação de um livro único para o que então se designava “ensino primário” e para as disciplinas de História, Filosofia e Educação Moral e Cívica em todos os graus de ensino, à excepção do superior.

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Subjacente a esta decisão estava a intenção do então ministro da Educação Nacional, Carneiro Pacheco, de modernizar os manuais escolares. Dotá-los de ilustrações de qualidade e concebidas para crianças. E também em torná-los veículos da apologia do Estado Novo.

Como o processo de criação do livro único para cada classe do ensino primário se revelou muito atribulado – só no ano lectivo de 1941-42 o livro único chegou às escolas – as edições que estavam no mercado foram aproveitando para vender ainda alguns exemplares. Como? Fazendo as adaptações ideologicamente adequadas. Textos com alusões maçónicas foram substituídos por outros de doutrina católica e a Salazar e Carmona passaram a ser dedicadas várias páginas.

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Os amanhãs que cantam

Quatro décadas depois assistimos ao mesmo exercício ideologico-editorial. Tal como acontecera nos anos 30 também em 1975 os autores dos manuais escolares, sobretudo nas disciplinas de História e Português, trocaram pressurosamente as páginas onde tinham feito a propaganda do regime anterior por outras ainda mais arrebatadas, agora para com os novos governantes.

Pegue-se, por exemplo, no Compêndio de História, da autoria de Alves Grandinho, que no ano lectivo 1973/1974 escrevia sobre Salazar: “Graças ao esforço e inteligência do homem que nos comandou, Portugal é hoje citado como exemplo digno de ser imitado. Negá-lo, seria negar o calor ao Sol.” E compare-se com a edição de 1976 deste mesmo compêndio. A conclusão inevitável é que o Sol deve ter gelado. Na nova edição não só desapareceram os elogios a Salazar como o autor, num novo capítulo intitulado “Decadência do regime”, invoca agora “o nosso isolamento em relação ao restante mundo” como um dos factores que provocou um rápido “descontentamento no povo português” contra os governos de Salazar e Caetano. Na sua nova leitura dos factos, Alves Grandinho até conseguiu, na edição de 1976, descortinar “princípios socializantes altamente avançados para a época e susceptíveis de atrair em sua defesa representantes de todas as classes sociais, à excepção da grande burguesia” no programa da I República. Mas se lermos a edição de 1973, deste mesmo Compêndio de História seremos confrontados com uma visão antagónica dessa mesma I República: só lhe merecera condenações.

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Naturalmente que ao lado destas edições revistas, no sentido político do termo, surgiram novos manuais que iam directos ao objectivo, ou seja à apologia da revolução socialista. Na segunda metade da década de 70 o mercado dos manuais escolares foi inundado em Portugal com exemplares que pareciam cópias da revista Vida Soviética. A. do Carmo Reis é um desses autores que faz da marcha para socialismo uma lei que estava para a História como Lavoisier para a Química: “O socialismo que Portugal elabora progressivamente enquadrar-se-á na tendência universal: efectivamente, a conjuntura mundial é a tendência para o socialismo. Mas Portugal seguirá por uma via diferenciada: é precisamente a sua originalidade que traz ao socialismo universal um factor novo de valorização no combate comum à exploração do capitalismo.” – lia-se no ano de 1975 no manual escolar História para o equivalente ao actual 9º ano, editado pela ASA.

É quase impossível aprender História (mas isso não é culpa dos manuais mas sim dos programas) pois tal como ninguém compreende "Os Lusíadas" no meio daquela floresta de setas e chavetas, muito menos se percebe o passado aplicando aquelas grelhas explicativas de alterações socio-económicas e culturais ilustradas com acontecimentos que não se explicam.

A. do Carmo Reis não só garantia que “o mundo socialista alarga-se, chamando à causa da liberdade os trabalhadores de todo o Mundo, mobilizando-os contra a exploração do capitalismo”, como tratava de apagar quaisquer dúvidas que surgissem em alguma tresmalhada mente sobre a vida nas democracias parlamentares. Estas últimas são designadas por Carmo Reis como “demotecnocracias” e apresentadas como sistema definitivamente ultrapassado. Quanto ao seu aparente sucesso económico também ele tinha uma explicação à luz da luta de classes: “Neste sistema de governo predominam os especialistas de gabinete. Eram regimes assentes na colaboração de classes, na harmonia entre o patronato e o operariado, e que, de facto, obtiveram êxito económico graças à manipulação proveitosa de um tipo de exploração que hoje tende a desaparecer: o colonialismo.”

Proselitismo ideológico

Dir-se-á que se estava em 1975, em pleno PREC, e que as derivas autoritárias são terreno fértil para estes proselitismos. Sendo isso verdade, é apenas uma parte da verdade.

É certo que hoje em dia as páginas dos manuais de História estão mais apaziguadas em matéria de propaganda. Claro que sobram aquelas fantasias sobre a I República como uma democracia progressista e anti-machista. Assim, assuntos como o direito de voto das mulheres (que havia de chegar já no Estado Novo) ou o espírito colonial da I República acabam a ser tratados anedoticamente porque como os factos não confirmam o retrato oficial duma I República feminista e anti-colonialista acabam a ser tratados de uma forma atabalhoada, para não dizer outra coisa.

E, claro (mas isso não é culpa dos manuais mas sim dos programas) é quase impossível aprender História pois tal como ninguém compreende Os Lusíadas no meio daquela floresta de setas e chavetas, muito menos se percebe o passado aplicando aquelas grelhas explicativas de alterações socio-económicas e culturais ilustradas com acontecimentos que não se explicam.

Os alunos podem não saber descrever os climas ou fazer contas com fusos horários mas sabem, garantidamente sabido, que a Terra está à beira do fim por causa do aquecimento global, que há que fazer uma cruzada para salvar o planeta e muito particularmente que existem pobres por culpa da globalização que é o mesmo que dizer do capitalismo

Mas não nos iludamos: o proselitismo dos manuais nem se extingue com o tempo nem se esgota nas disciplinas habituais. Actualmente temos os manuais de disciplinas como a Geografia e as Ciências incorporando umas arengas de tom apocalíptico contra a tecnologia, a globalização, a indústria e o mundo ocidental: “A questão principal do processo de globalização é que ela corresponde a uma forma de capitalismo ultra-liberal. Os Estados dos países pobres não garantem níveis salariais justos, fazendo com que o nível económico não se traduza em melhorias apreciáveis nas condições de vida” – lê-se no manual de Geografia de 12º ano Visão do Mundo. Por assim dizer uma visão do mundo um pouco tendenciosa mas não mais tendenciosa que muitos dos outros manuais actualmente no mercado.

Na verdade, os alunos podem não saber descrever os climas ou fazer contas com fusos horários mas sabem, garantidamente sabido, que a Terra está à beira do fim por causa do aquecimento global, que há que fazer uma cruzada para salvar o planeta e muito particularmente que existem pobres em vários países por culpa da globalização que é o mesmo que dizer do capitalismo, para mais (apodo nefando sobre todos) ultra-liberal.

Se por uma vez os pais abrirem os manuais escolares dos filhos descobrirão que há neles muito que ler, ver e comentar. Os manuais são úteis. Não está em causa prescindir deles. Mas há que ter em conta que as aulas não podem ter como epicentro o manual. Quanto ao seu pagamento não há dúvidas. Quem os paga e bem pagos somos nós. Por estranho que tal possa parecer não há manuais gratuitos.

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