797kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

Getty Images

Getty Images

Não sabia cantar, andar ou falar: Ava, sensacional

Há 70 anos chegava aos cinemas o filme que transformou a actriz na diva que guardava um segredo inalcançável para as restantes mortais: como ser Ava Gardner. Bruno Vieira Amaral recorda-a.

“Não sabe cantar, não sabe andar, não sabe falar. É sensacional!” Estas palavras terão sido proferidas por Louis B. Mayer, patrão dos estúdios da MGM quando viu Ava Lavinia Gardner pela primeira vez. Estávamos em 1941, ano louco em Hollywood, e o Método ainda não transformara as estrelas de cinema em imitações de intelectuais franceses. Aliás, naquele tempo ainda havia estrelas de cinema. E intelectuais franceses.

A jovem vinda da Carolina do Norte com um sotaque tão carregado que ninguém a compreendia podia não saber muitas coisas, mas sabia uma muito importante, um segredo inalcançável para as restantes mortais: como ser Ava Gardner. Na verdade, talvez nem ela soubesse o segredo. “Seja lá o que for, ela tem-no”, disse Humphrey Bogart que sabia umas coisas sobre carisma.

7 fotos

No primeiro dia na Meca do cinema, como contou muitos anos depois ao jornalista Peter Evans, conheceu Mickey Rooney, na altura o actor mais rentável da MGM e que, apesar do seu simpático ar de duende, era um autêntico sátiro. Apaixonaram-se e casaram-se. Algo relutantemente, a MGM aceitou a união, desde que a imagem jovial e familiar de Rooney não saísse beliscada. Para o estúdio, Ava era apenas uma das muitas beldades contratadas e ocupadas com papéis menores em filmes menores. A vaca leiteira era Rooney. Apesar da diferença de alturas, que a imprensa da época não se cansava de destacar, os dois entendiam-se bem. O problema é que Rooney entendia-se bem com muitas mulheres. Um ano depois estavam divorciados, uma separação por causa das constantes infidelidades do baixinho mas que Ava, oficialmente, para não prejudicar a carreira do ex-marido, atribuiu a “incompatibilidades”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ava reconheceu que isso poderia ter acabado com a carreira dela, mas aconteceu o contrário. O estúdio renovou-lhe o contrato e melhorou-lhe o salário (até aí recebia 50 dólares por semana; para se ter uma ideia, Rooney ganhava 1250 dólares por semana). Porém, Ava ainda era uma desconhecida para o grande público.

Irresistível

A explosão deu-se em 1946, há setenta anos, com a estreia a 28 de Agosto de “Assassinos”, um film noir de Robert Siodmak, inspirado no famoso conto de Ernest Hemingway, que também marcou a estreia cinematográfica de Burt Lancaster. Mas foi Ava, no papel de femme fatale, quem mais deu nas vistas. Tinha nascido uma estrela.

[o trailer para “The Killers”]

Na altura da estreia, o segundo casamento de Ava Gardner, com o clarinetista Artie Shaw, estava quase a chegar ao fim. O músico já tinha sido casado com outra estrela de Hollywood, Lana Turner, com a qual também Mickey Rooney tinha tido um caso antes de conhecer Ava, e era aquilo a que em inglês de chama um “mindfucker.” Criticava-a constantemente em público, obrigou-a a consultar um psiquiatra e não parava enquanto ela não se sentisse completamente em baixo, sem confiança ou auto-estima. O único aspecto positivo da pressão do marido foi que Ava aproveitou para voltar a estudar, inscreveu-se na Universidade da Califórnia e tirou alguns cursos por correspondência. Ah, e começou a beber. Muito. Para Ava, doses industriais de álcool tinham outro nome: pequeno-almoço.

Portanto, aos 23 anos, Ava Gardner era uma estrela em ascensão e contava com dois casamentos e dois divórcios no currículo. E as coisas ainda iam melhorar. Em 1951, Francis Albert Sinatra deixou a mulher, Nancy, e atirou-se para os braços de Ava. A mulher fatal era agora, oficialmente, uma destruidora de lares, embora o casamento de Sinatra não precisasse de muito para ruir. A curiosidade é que, naquele tempo, a carreira de Sinatra andava pelas ruas da amargura.

Na verdade, talvez nem Ava soubesse o segredo. “Seja lá o que for, ela tem-no”, disse Humphrey Bogart que sabia umas coisas sobre carisma.

A vedeta – e quem punha o dinheiro em casa – era Ava. Conta-se a história – recriada em “O Padrinho” – de que teria sido a Máfia a dar uma ajudinha ao relançamento da carreira de Sinatra. Afinal, foi Ava Gardner quem deu uma palavrinha a Harry Cohn, o manda-chuva da Columbia Pictures, para que Sinatra entrasse em “Até à Eternidade” (cujo protagonista era Burt Lancaster).

O cantor acabou por ganhar o Óscar de Melhor Actor Secundário mas nunca perdeu a sensação de fazer, naquele casamento, o papel de atrelado. Desconfiava da mulher, acompanhava-a nas filmagens (por exemplo, Ava pagou-lhe os bilhetes para África para a rodagem de “Mogambo” – filme que valeu à actriz a única nomeação para um Óscar), recorria à chantagem emocional e por várias vezes ameaçou suicidar-se. Uma vez, fechado no quarto, chegou mesmo a dar um tiro na almofada para que Ava pensasse que tinha disparado sobre si mesmo. Enfim, italianices.

[“Mogambo”, de 1953]

Entretanto, Ava estava numa de espanholices. Em Espanha, para onde se mudou depois de filmar “A Condessa Descalça” (1954), envolveu-se com os toureiros Mario Cabré e Luis Miguel Dominguín (o famoso toureiro, pai do cantor Miguel Bosé, e que se estreou nas lides aos 12 anos, no Campo Pequeno). Dois cavalheiros, diga-se: Cabré passou o resto da vida a falar da sua conquista (uma relação que terá durado exactamente uma noite) e Dominguín guiava-se pelo lema feminista segundo o qual “não vale a pena seduzir uma beldade se depois não se pode contar aos amigos.”

Dois anos antes, Ava tinha desempenhado o papel de Cynthia Green em “As Neves do Kilimanjaro”, outra adaptação de um conto de Hemingay (o homem dos “bells, balls and bulls”, segundo Nabokov), a segunda das três em que participou (…”E o Sol Também Brilha”, de 1957, foi a terceira e última). Estava tudo conjugado para que a actriz conhecesse o escritor. E assim foi. Ficaram grandes amigos. Conta-se que, certa vez, Ava terá tomado banho completamente nua na piscina de Hemingway, em Havana. Posteriormente, o escritor terá dado ordens para que a piscina nunca mais fosse esvaziada (entretanto, foi).

Fora de tempo

Nos anos 60, Ava Gardner ainda participou em grandes produções, como “55 Dias em Pequim”, com Charlton Heston e David Niven, mas o seu último grande papel como estrela de primeira grandeza foi em “A Noite de Iguana”, em 1964, realizado por John Huston e baseado na peça de Tennessee Williams. O elenco contava com Deborah Kerr e Richard Burton, então casado com Elizabeth Taylor (Ava dizia que Liz Taylor era bonita, mas que ela era bela).

[trailer para “A Noite da Iguana”]

Ava Gardner tinha 41 anos. Em Hollywood, era a idade da reforma para as mulheres. Até para o papel de Mrs. Robinson, em “A Primeira Noite”, três anos depois, Ava foi considerada velha. Ainda tentou ficar com o papel. Marcou uma reunião com o realizador, Mike Nichols, e a primeira coisa que disse, como uma verdadeira diva, foi: “em primeiro lugar, não me dispo para ninguém!” O realizador, que nem sequer tinha pensado nela para o papel, escolheu Anne Bancroft, na altura com 36 anos, ou seja, quase na terceira idade hollywoodiana.

Ava Gardner passou os últimos anos de vida em Inglaterra e ainda participou em alguns filmes importantes na década de 70. Apesar do fracasso do casamento, manteve a amizade com Sinatra e este até lhe terá prestado ajuda financeira numa altura em que a actriz aceitou escrever a autobiografia para não ter de vender as jóias. Anos antes, com receio de acabar com a doença que vitimara a mãe, um cancro do colo do útero, tinha feito uma histerectomia. Acabou por morrer em 1990, aos 67 anos, com problemas pulmonares, a mesma causa de morte do pai.

Bruno Vieira Amaral é crítico literário, tradutor e autor do romance “As Primeiras Coisas”, vencedor do prémio José Saramago em 2015.

Assine o Observador a partir de 0,18€/ dia

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Vivemos tempos interessantes e importantes

Se 1% dos nossos leitores assinasse o Observador, conseguiríamos aumentar ainda mais o nosso investimento no escrutínio dos poderes públicos e na capacidade de explicarmos todas as crises – as nacionais e as internacionais. Hoje como nunca é essencial apoiar o jornalismo independente para estar bem informado. Torne-se assinante a partir de 0,18€/ dia.

Ver planos