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Os 'geeks' emigram porque Portugal não os valoriza. É o país do "desenrasca-te"

Gestão focada no lucro, salários pagos "com amendoins" e falta de valorização. Os profissionais de tecnologia não hesitam: emigram porque "não são macacos". A trabalhar, dizem, "ninguém os para".

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Tiago Ferreira, 28 anos e técnico de suporte sénior a plataformas Windows na Rackspace. Onde? Londres. Tiago Palhoto, 38 anos e gestor de projeto numa unidade da Comissão Europeia. Onde? Bruxelas. Rui Lopes, 35 anos e engenheiro de software sénior na Google. Onde? Nova Iorque. Filipe Manana, 32 anos e engenheiro de software na britânica Suse. Onde? Lisboa, mas em regime de teletrabalho para uma empresa britânica. Portugueses que emigram? Quem não tiver um conhecido ou amigo da área tecnológica lá fora, que levante o braço.

Queremos os nossos programadores de volta”, escreveu a Tradiio no Facebook quando não conseguiu contratar ninguém para as duas vagas que tinha para a função de mobile developers – oferecia 1.800 euros líquidos por mês a cada um dos profissionais. Quando, em abril, o Observador contou a história da startup no artigo “Tecnologia. Onde há emprego, mas quase não há candidatos”, a discussão na caixa de comentários instalou-se. Afinal, porque é que tantos profissionais de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) optaram por emigrar? Se há emprego e há talento, porque é que a oferta não casa com a procura?

"Em Portugal, se uma pessoa for muito boa, o mercado não tem capacidade financeira para lhe pagar. Tendencialmente, perdemos sempre os melhores"
José Paiva, fundador da Landing.jobs diz que Portugal tem essencialmente um problema de dimensão

No segundo trimestre de 2015, existiam cerca de 620,4 mil pessoas desempregadas em Portugal, segundo o Instituto Nacional de Estatística. De acordo com dois estudos publicados pela empresa de recrutamento tecnológico Landing.jobs, o setor das TIC tem uma taxa de desemprego nula, 55% dos profissionais empregados ganha entre 1300 e 1800 euros por mês e 15% ganha mais de 1.800 euros por mês.

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Mais: a Comissão Europeia estima que no final de 2015 fiquem 8.100 vagas de emprego por preencher em Portugal na área das TIC. Em 2012, ficaram 3.900 e em 2020 estima-se que fiquem 15 mil. No total dos Estados-membros da União Europeia, a comissão estima que fiquem 913 mil vagas por preencher. Para dar a volta a esta questão, têm sido desenvolvidas várias iniciativas para reconverter  competências de licenciados noutras áreas em competências tecnológicas, como as lançadas pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e 26 universidades ou pela Academia de Código. Será suficiente?

Apesar da falta de candidatos, recuperar talento que emigrou parece ser uma opção distante e as vozes estão mais ou menos unidas: as diferenças salarias e a cultura empresarial que se vive em Portugal impedem “os nossos programadores” de voltar. José Paiva, fundador e líder da Landing.jobs, acrescenta outro problema: a dimensão do mercado português. Ou melhor, a falta dela. “Em Portugal, se uma pessoa for muito boa, o mercado não tem capacidade financeira para lhe pagar. Tendencialmente, perdemos sempre os melhores porque a nossa capacidade para pagar é menor do que noutros países”, explica.

José Paiva

© Hugo Amaral/Observador

E, afinal, quanto pagamos? Pagamos em média menos 40 a 50% do que países como Holanda, Bélgica, Alemanha ou Reino Unido, por exemplo, se tivermos em conta apenas os salários brutos anuais praticados nestes países, excluindo subsídio de alimentação ou outros benefícios, de acordo com os dados disponibilizados pela consultora global de gestão Hay Group. Assim, um analista- programador com dois a três anos de experiência recebe em Portugal cerca de 25.900 euros brutos por ano em mediana (há tantos profissionais a ganharem mais do que isto como menos – 1.850 brutos por mês excluindo subsídio de alimentação e outros benefícios), menos 39% do que o que receberia na Holanda, menos 43% do que na Bélgica e Reino Unido e menos 49% do que na Alemanha. No país de Angela Merkel, o salário para a mesma função seria de 50.701 euros por ano, 3.621 euros mensais.

Segundo exemplo: um consultor de negócio na área das TIC ganha em Portugal metade do que ganharia na Holanda, Bélgica, Alemanha ou Reino Unido. Se, por cá, o vencimento anual é, em média, 35.570 euros, no Reino Unido é de 71.512 euros e na Alemanha é de 84.040 euros. Mas, para falar em salários, é preciso falar de custo de vida – que para estas contas não entram apenas as receitas, também entram as despesas. Se a diferença salarial entre Portugal e países como a Holanda, Bélgica, Alemanha ou Reino Unido ronda o dobro, o custo de vida também dispara. Mas não tanto.

Em Bruxelas, por exemplo, para continuar com o mesmo nível de vida que se tem em Lisboa com um salário de 2.300 euros, é preciso ganhar 3.663 euros. Ou seja, o custo de vida em Lisboa é inferior ao de Bruxelas em 37%, de acordo com as contas do site Numbeo, que analisa o índice de preços no consumidor incluindo as rendas de cada país, e que inclui também preços de restaurantes, das lojas locais ou das compras de supermercado.

Em Londres, por exemplo, seria preciso ganhar 4.300 libras (5.922 euros) para manter o mesmo nível de vida que se teria em Lisboa com 2.298 euros, porque em Lisboa o custo de vida é inferior em 46%, de acordo com o mesmo site. Já na Alemanha, a diferença é menor: 29,5%. Segundo as contas do simulador da Numbeo, precisaria de ganhar 2.979.76 euros em Berlim para ter o mesmo nível de vida que teria em Lisboa com 2.300 euros.

Poupar em dois meses o que juntava num ano

Dinheiro. A maioria dos profissionais contactados pelo Observador revela que ganha muito mais no país em que está do que ganharia se estivesse em Portugal. Tiago Palhoto diz que ganha cinco a seis vezes mais na Bélgica, Tiago Ferreira já duplicou o ordenado que foi receber inicialmente em Londres – hoje ganha perto de 4.900 euros por mês quando saiu de Portugal a ganhar 950 euros. Além disso, os benefícios: ações da empresa, seguro de saúde, ginásio dentro da empresa, pequenos-almoços gratuitos e “a promessa de um ambiente de trabalho sem igual”, explica. E tem uma posição na empresa semelhante à que tinha em Portugal.

Técnico de suporte sénior a plataformas Windows para empresas que têm uma faturação superior a 140 milhões de euros por ano, Tiago Ferreira lidera uma equipa de 25 pessoas. Sem formação de nível superior explica ao Observador que em pouco mais de sete anos mudou de trabalho cinco vezes em Portugal, o que lhe permite identificar um padrão. “A gestão de empresas em Portugal funciona com uma vocação só: dar de comer ao patrão”, diz. Foi por isso que tentou a sorte lá fora.

Tiago Ferreira tem 28 anos e lidera uma equipa de 25 pessoas

D.R.

Quando Tiago viu a oferta da Rackspace, concorreu. Não foi preciso muito mais. Está em Londres desde julho de 2012 e tão depressa não pensa voltar. E se pensa que a conversa gira em torno de salários, desengane-se: não tem só a ver com dinheiro. “Acho que os gestores em Portugal têm todos a mesma ideia: como é que eu consigo ganhar mais dinheiro no mais curto espaço de tempo? E este é o problema das ditas PME: são geridas na base do agora e nunca na base do depois.”

As críticas de Tiago Ferreira ao ambiente que se vive nas empresas portuguesas não se fica por aqui: O jovem conta que os profissionais portugueses não são apreciados cá, ao contrário do que se passa no exterior. Em Portugal, “se te dão trabalho, tu é que tens que idolatrar a entidade patronal por te ter dado trabalho. E nem penses em pedir um aumento. Afinal, eles estão a fazer-te um favor, certo?”, afirma, acrescentando que em Londres existem processos de desenvolvimento pessoal que não sentiu que existissem por cá. “Desde que cheguei à Rackspace que as primeiras coisas que me perguntaram foram: ‘onde te vês daqui a cinco anos?’ ou ‘como é que te posso ajudar a tornares-te o melhor que podes?’”, conta.

"Em Portugal, trabalha-se imenso para pouco. Aqui trabalhas moderadamente para viveres com qualidade"
Tiago Ferreira, técnico de suporte sénior a plataformas Windows em Londres

O salário não é, aliás, o centro de discurso do Tiago. Conta que com 900 euros não vivia mal no Porto. E que o vencimento só começou a ser um problema quando os 900 euros de 2010 são os mesmos 900 euros em 2012, quando a vida fica mais cara. “Em Portugal, trabalha-se imenso para pouco. Aqui trabalhas moderadamente para viveres com qualidade. Agora junto em dois meses o que juntava em Portugal num ano. E isso é deprimente”, conta.

Voltar? “Só de férias para rever família e amigos”

Rui Lopes é engenheiro de software sénior na Google. Com um doutoramento em engenharia informática decidiu procurar novas oportunidades fora do país. “Nunca senti que encontraria trabalho fora do ensino universitário que fosse estimulante e remunerado de uma forma justa”, diz. Depois do crash financeiro em 2009, fez as malas e começou à procura. Está nos Estados Unidos há quatro anos: três em São Francisco e há um ano em Nova Iorque.

Antes, foi investigador e docente universitário. Apesar de reconhecer que ganhava acima da média do que se passa no país, conta que os contratos que fazia eram anuais e que, por isso, não tinha muitas certezas sobre a sua continuidade ou renovação. Voltar? “Só de férias para rever família e amigos”, diz. E acrescenta: “Portugal, no seu todo, pensa, move-se e foca-se demasiado em estratégias de curto-prazo e com pouca visão global. Isto cria um clima de instabilidade em demasiados setores críticos, como finanças, trabalho ou ensino, que não me inspiram confiança para regressar”, adianta.

"Com tantas oportunidades fora de Portugal, muito mais interessantes e competitivas - e com a grande mobilidade dentro da EU - é de esperar que poucos fiquem em Portugal"
Rui Lopes, engenheiro de software sénior em Nova Iorque

O craque português da Google explica ao Observador que Portugal não tem um verdadeiro mercado de TIC. Fora “algumas (honrosas) exceções, as empresas da área pouco investem na globalização, nem valorizam quem tem especialização. “Com tantas oportunidades fora de Portugal, muito mais interessantes e competitivas – e com a grande mobilidade dentro da UE – é de esperar que poucos fiquem em Portugal”, diz.

Segundo o Barómetro de TI feito ao mercado português, publicado pela Michael Page, 90,5% dos profissionais não tem problemas com a mobilidade e está disponível para mudar de localização por causa de um novo projecto. Mais: 52,4% aceitaria mesmo emigrar para outro país. Perto de 88% dos profissionais está confiante na evolução positiva do mercado de trabalho na área das TIC em Portugal e, quando escolhem um projeto, quase metade dos profissionais não considera a dimensão da empresa importante. De acordo com o estudo, quase metade do profissionais recebe entre 35 mil e 55 mil euros brutos anuais, sendo que 25,8% recebe mais de 55 mil euros.

“Se querem pagar com amendoins, contratem macacos”

Tiago Palhoto saiu do país em abril de 2012. Foi trabalhar para Londres para a Agência Europeia do Medicamento, mas ao fim de um ano quis sair. Voltou à terra natal para procurar outra oferta para o exterior e dois meses depois já estava em Bruxelas a trabalhar para uma unidade da Comissao Europeia. Hoje, diz que recebe cinco a seis vezes mais do que aquilo que receberia em Portugal para a mesma função e que quis sair do país porque trabalhava cada vez mais e recebia cada vez menos. Mais: porque faltam soft skills às administrações das empresas.

Em Portugal, há uma mentalidade muito virada essencialmente para o lucro, esquecendo os recursos humanos. E isso em TI é gritante. Não sou o único a dizer isto. Há uma falta muito grande deste tipo de competências, as soft skills, e as empresas assentam muito na exploração dos recursos em função do lucro”, explica Tiago Palhoto. Conta que quando se foi embora da empresa onde trabalhava, em 2012, o rendimento mensal já tinha encolhido 40% face ao que ganhava no início. Explica que a crise fez “uma razia completa” e que as empresas diziam que se queriam “libertar das gorduras”. Para não despedirem pessoas, cortaram-se rendimentos.

Tiago Palhoto é gestor de projeto numa unidade da Comissão Europeia

Helena Catarino

“Entrei para lá com um pacote que representava cerca de 2.500 euros líquidos e quando saí estava com 1.400 euros líquidos por mês”, conta. Hoje, diz que entra às 08h30 e sai às 17h, ninguém lhe liga quando sai do trabalho ou está de férias e que só vai regressar a Portugal por causa da família. Lidera uma equipa com cinco pessoas, vem a Portugal de três em três semanas e está a escrever um livro científico sobre desenvolvimento de software. “O facto de aqui podermos ter vida pessoal marca muito. Há portugueses que estão fora e não sabem o que fazer com o tempo livre, quando saem do trabalho. E isto é uma das coisas que Portugal tem de fazer se quer recuperar recursos desta área”, diz. E acrescenta: “Se querem pagar com amendoins, contratem macacos.

Sobre a falta de profissionais para as vagas que existem no país, diz que acha que o mercado está a ter “as dores de cabeça de não conseguir recrutar os recursos com as competências” de que precisa, porque há dois ou três anos elas começaram a ir embora. E que, por isso, as empresas que quiserem voltar a ter estes recursos, “vão ter de pagar por eles”, diz. “E os clientes também vão ter de abrir os cordões à bolsa”, conta.

"O facto de aqui podermos ter vida pessoal marca muito. E isto é uma das coisas que Portugal tem de fazer se quer recuperar recursos desta área"
Tiago Palhoto, gestor de projeto em Bruxelas

Em Portugal, desconfia-se. Lá fora, confia-se

Com Filipe Manana, a história escreveu-se com outras linhas. Saiu de Portugal para estagiar na Suíça, ficou por lá mais um ano e meio, voltou para Portugal, foi trabalhar para o Sapo e seis meses depois teve um convite para integrar uma startup norte-americana, a Couchbase, que começou com 10 pessoas e hoje emprega mais de 300, com escritórios em Inglaterra, Índia e Munique. Foi descoberto pelo fundador, depois de andar a contribuir voluntariamente para resolver erros de código. Despediu-se, aceitou a oferta e começou a trabalhar em regime de teletrabalho. Durante quatro anos, desenvolveu código para a Couchbase.

Como a curiosidade fazia parte do perfil, quando encontrou uma área nova, começou a fazer o mesmo que tinha feito há cinco anos para a outra empresa: contribuir de forma voluntária para resolver problemas de código ou desenvolver novas funcionalidades de um sistema operativo em open-source (código aberto). Até que foi novamente contactado, desta vez para integrar a equipa que trabalha o sistema operativo Linux, “o maior projeto de open-source que existe”, conta. Despediu-se e mudou de empresa, sem nunca sair de Portugal.

"Em Portugal, há um sentimento de desconfiança no geral - só se confia nas pessoas caso elas deem provas de confiança. E lá fora é o oposto: quando não se conhecem as pessoas confia-se"
Filipe Manana, engenheiro de software em regime de teletrabalho

“Não me imagino a voltar para nenhuma empresa portuguesa. Primeiro, porque não há nenhuma que faça isto que eu estou a fazer e depois porque a experiência que tenho por trabalhar com pessoas estrangeiras é muito diferente. Em Portugal, há um sentimento de desconfiança no geral – só se confia nas pessoas caso elas deem provas de confiança. E lá fora é o oposto: quando não se conhecem as pessoas confia-se, a não ser que deem provas de que não se deve confiar nelas”, explica, acrescentando que sente os portugueses pessimistas e que não se valoriza a função de programador.

“Acho que há um bocadinho a ideia de que o programador é a pessoa que passa o dia no teclado a bater nas teclas, como se fosse o operário de há 30 ou 40 anos”, diz. José Paiva concorda. Diz que a falta de valorização do profissional de TIC é um problema que é preciso solucionar. “O profissional de TIC é sempre o malandro que se chama quando o computador não funciona. Até os jovens se criticam uns aos outros e o profissional é sempre quase um pobre coitado”, diz.

Portugueses? “A trabalhar ninguém nos pára”

De uma coisa não parecem duvidar: o know-how português é cada vez mais reconhecido no estrangeiro. José Paiva explica que agora os processos de recrutamento incluem provas na hora – não são apenas entrevistas e que os portugueses têm muito melhores resultados do que os estrangeiros. Porquê? “Porque a nossa formação é muito boa, muito exigente. Talvez por isso também muito poucos a terminem”, diz.

Tiago Palhoto concorda. Diz que os portugueses são bons no que fazem, mas que no setor das TIC são “especialmente bons” e que são as próprias empresas de recrutamento, no estrangeiro, que perguntam aos portugueses que empregam se conhecem mais portugueses para outras vagas. Na empresa onde Tiago Ferreira trabalha, por exemplo, quando ele começou estavam lá três portugueses. Agora, trabalham lá onze. Para Bruxelas, Tiago Palhoto já “levou” dois amigos.

"Temos competências técnicas muito boas, que tem a ver com o nosso ensino. As pessoas que eu conheço são tecnicamente muito boas, todas têm vontade de aprender e de crescer"
Tiago Palhoto, gestor de projeto em Bruxelas

“É um movimento que está a acontecer. Acho que é uma questão de relacionamento e de confiança entre as pessoas. Nós somos muito bons a relacionarmo-nos e isso capta logo a atenção em qualquer sítio onde trabalhas. Depois, temos competências técnicas muito boas, que têm a ver com o nosso ensino. As pessoas que eu conheço são tecnicamente muito boas, todas têm vontade de aprender e de crescer. E eu aqui lido com pessoas de outros países da Europa”, conta. Só na sua equipa, Tiago trabalha com um belga, um búlgaro, um indano, um holandês, entre outras nacionalidades.

Tiago Ferreira conta que todos os portugueses com quem trabalha em Londres são os melhores das suas áreas. “E são altamente eficientes. Isto o mercado de IT em Inglaterra conhece, a velocidade de execução que nós possuimos é bastante maior do que a da concorrência. Diria que temos mais problemas a habituar-nos aos processos (pela inexistência deles em Portugal) do que a trabalhar. Mas a trabalhar ninguém nos para”, diz.

E José Paiva adianta que na Landing.jobs têm cinco ou seis empresas multinacionais a procurarem entre 100 a 200 pessoas para empregar em Portugal, porque querem basear-se cá. Esta é, aliás, uma das soluções defendidas por José Paiva para reter talento no país: convencer as grandes empresas a deslocalizarem os seus centros de competências para Portugal. “Só assim conseguiremos competir em Portugal para o mundo”, diz.

“Portugal sempre foi o país do ‘desenrasca-te’”

Soluções? Há várias, dizem os profissionais contactados pelo Observador. Rui Lopes afirma que, por mais que o país queira, Portugal não tem dimensão nem estrutura para replicar Silicon Valley. “O país precisa encontrar as bases que o tornarão apelativo para um investimento/ecossistema sustentável em vez de tentar replicar sucessos”, diz, acrescentando que as tecnologias estão a deixar de ser “auxiliares à modernização” para potenciarem “completas revoluções de mercados”.

Rui Lopes

Para Rui Lopes, Portugal tem de ser competitivo não só financeiramente, mas também na qualidade e interesse dos projetos

E dá um exemplo: se juntarem serviços como a Uber, carros autónomos da Google e motores ou baterias eléctricas da Tesla, é possível revolucionar transversalmente o mercado de transporte, o que pode ser aplicado a outras áreas. Mais: é preciso criar projetos competitivos. “Para uma empresa fixar os melhores em Portugal, tem de ser competitiva não só financeiramente, mas também na qualidade e interesse dos projetos, produtos e serviços em que se foca”, diz.

Filipe Manana explica que é preciso mudar a mentalidade das empresas, explicar que o programador não é o operário e aumentar salários, mas também a produtividade. Tiago Palhoto concorda que é preciso mudar a forma como as chefias pensam. “Na Comissão Europeia, não há absolutamente nenhuma urgência – tirando a Grécia – que justifique que alguém ande a fazer horas extra. Se nem na Comissão Europeia há esta necessidade, não me venham dizer que há em projetos locais”, diz.

E Tiago Ferreira atira ainda mais achas para a fogueira: “a quantidade de talento que se desperdiça em Portugal por ser necessário ter um curso é absolutamente ridícula”, diz, acrescentando que no “mercado altamente competitivo” de Londres o que interessa num candidato é o seu potencial. “Aqui não te dizem que não serves porque não és engenheiro. Aqui, se fores a melhor pessoa para o trabalho, ficas com o trabalho”, revela.

"Um dos problemas de TIC em Portugal é o do costume: quero tudo do melhor, tudo a funcionar, mas não quero pagar. Não quero pagar, mas tem que funcionar"
Tiago Ferreira, técnico de suporte sénior a plataformas Windows em Londres

E sobre Portugal, diz que dificilmente volta para trabalhar por conta de outrem e que não avança para um projeto nacional sem ter a seu lado pessoas que compreendam que estão numa equipa vencedora. “Um dos problemas das TIC em Portugal é o do costume: quero tudo do melhor, tudo a funcionar, mas não quero pagar. Não quero pagar, mas tem que funcionar. Esta sempre foi uma realidade muito triste com a qual tive de lidar todos os dias. Se é neste mercado que quero aplicar as minhas ideias? Não”, diz.

No fim da conversa apela à valorização do esforço daqueles que efetivamente trabalham: “perdoa-me a expressão, mas Portugal sempre foi o país do ‘desenrasca-te’. A palavra não tem tradução literal, mas aplica-se”. Ou seja, ao contrário daqueles que se desenrascam.

*Artigo atualizado às 16h10 com indicação dos anos de experiência profissional do analista-programador

Texto: Ana Pimentel

Ilustração: Andreia Reisinho Costa

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