Hussy: atrevida, imprudente, inconsequente, mas doce. E sexy, mas casual. Uma espécie de girl next door, a rapariga que mora na casa ao lado, prima de um amigo ou amiga de um primo que é provocadora, mas comum, próxima, mas distante. É aquela rapariga que veste uma t-shirt larga para estar em casa e não perde sex appeal, sem deixar de ser doce. Podíamos dizer que a Hussy é uma marca de homewear, roupa para vestir em casa, que é lançada esta segunda-feira, mas Tiago Ribeiro, 30 anos, corrigiria para: “a Hussy é um conceito”.
Inspirada no universo das redes sociais, sobretudo na plataforma de microblogging Tumblr, a Hussy é um dos novos projetos de moda portugueses que estão a optar por nascer online para serem globais e que apostam na produção nacional para distinguirem os seus produtos. Em causa estão a qualidade da confeção portuguesa e o controlo do processo de produção, explicaram quatro empreendedores portugueses ao Observador. A tendência é seguir as tendências das it girl, que ditam modas no universo dos blogues.
A Hussy é uma versão “assumida” daquilo que é a roupa de andar por casa, explica Tiago Ribeiro, que se inspirou nas imagens das “miúdas que vestem uma t-shirt cortada ou a roupa do namorado” para criar uma marca que pretende ser sexy, mas confortável. Ao universo dos Tumblr foi buscar as frases cliché que estão inscritas nos crop tops brancos ou pretos, como Wild hearts can’t be broken ou Bad is the new good. E não faltam as hashtags, palavras-chave antecedidas de um cardinal. A da Hussy é #imhussy. A ideia é a de que a roupa reflita o estado de espírito de quem a veste.
Os tops, camisolas, sweatshirts, calções, meias e fatos de banho/bódis da Hussy podem ser comprados numa loja online. Para o arranque da marca, foram produzidas cerca de 700 peças, em Portugal, e o objetivo é o de que as coleções sejam relativamente exclusivas. O maior investimento que a Hussy recebeu foi tempo, explica Tiago Ribeiro, licenciado em Comunicação e Design Multimédia, pela Escola Superior de Educação, da Universidade de Coimbra. Há cerca de um ano que o jovem natural do Fundão anda a trabalhar na ideia. Em compra de material e contratações gastou cerca de 10 mil euros.
Porquê uma produção nacional? “Para ter a garantia de que as peças teriam a qualidade que pretendia e para poder controlar melhor o processo”, revela. Foi por isso que optou por não produzir no estrangeiro, apesar de ser mais competitivo. “Para estar mais próximo do processo de produção”, diz. Os tamanhos são únicos e não existem outras cores que não o preto e o branco. “Para reduzir custos”, conta ao Observador. Os fornecedores dos materiais são portugueses e a designer, Catarina Botas, também.
A Hussy nasceu nas redes sociais. A ideia e a marca. E é por lá que se vai manter. A pré-campanha arrancou há cerca de dois meses no Instagram para partilhar o conceito e a página do Facebook só foi lançada esta segunda-feira. Tiago Ribeiro quer que a Hussy seja uma marca global e que viva na internet. É por isso que a divulgação está a ser feita junto de algumas bloggers portuguesas e espanholas. Até ao final do ano, o jovem pretende que o conceito ganhe raízes em Portugal, se destaque, seja conhecido e que tenha o retorno suficiente para poder avançar com a segunda coleção, que já está pensada, mas sobre a qual não quer revelar pormenores.
A Hussy é o terceiro projeto de Tiago Ribeiro, que já no último ano da licenciatura em Design e Multimédia, em 2008, lançou o projeto PartyGlasses, uma marca de óculos de sol com modelos vintage e um toque de modernidade, também em formato de loja online. Na altura, foi uma questão de necessidade, conta ao Observador. O jovem tinha de realizar um trabalho final de curso em que estivessem espelhados os conceitos que aprendeu durante o percurso académico. “Em vez de pegar numa marca fictícia, criei a minha”, revela. Depois da PartyGlasses, arrancou com a Bold Creative Studio, em 2010, onde pode seguir a paixão pelo vídeo. Mas a vontade de explorar a vertente do negócio online persistiu. Em 2014, lançou a Hussy, com Pedro Marinho.
“Queria encontrar um produto que fizesse sentido”, explicou ao Observador. Nas redes sociais, encontrou o que andava à procura, a redefinição do conceito de sexy. E o que é ser sexy? Tiago Ribeiro responde: “É a atitude”. Hussy (atrevida, promíscua) tinha a sonoridade certa: entre o doce e o picante.
Biquínis que nasceram no Facebook
Papua-Nova Guiné ocupa metade da ilha que foi descoberta por navegadores portugueses em 1511, na Oceânia. Diz-se que é um dos países com maior diversidade cultural do mundo, com mais de 850 línguas indígenas em cerca de sete milhões de habitantes. As imagens que se encontram na internet falam por si: praias paradisíacas que se misturam com as cores fortes que vestem as diversas tribos que por lá vivem. Marta Santos e Nuno Malho adoravam visitar o país que declarou independência da Austrália em 1975. Tanto que lançaram uma marca de biquínis que se chama, precisamente, Papua.
Lançada em 2012, a Papua é a marca com que os empreendedores de 28 anos se aventuraram por conta própria. A moda era o caminho, apesar de Marta Santos ser licenciada em Gestão de Marketing e Nuno Malho em Direito. A paixão pela praia levou-os a pensar numa coleção de biquínis. “Na altura, não existiam grandes marcas portuguesas de biquínis, pelo menos que eu soubesse. Achei que ainda era um mercado pouco explorado, mas com potencial”, conta Marta Santos.
O desejo de lançar um negócio próprio já existia. Desde que a jovem terminou a licenciatura em Gestão de Marketing, no Instituto Superior de Comunicação Empresarial que era esse o seu objetivo. A Papua surgiu depois de ambos terem estudado o mercado e de terem percebido que não existia uma referência forte de biquínis portugueses.
Com dez mil euros de capitais próprios, lançaram a empresa. Um ano depois, tinham conseguido ultrapassar o break-even, o ponto de equilíbrio a partir do qual o investidor deixa de perder o dinheiro que investiu. Ou seja, ultrapassaram os 10 mil euros em faturação. No segundo ano, novo investimento: mais cinco mil euros, para aumentar a produção. No primeiro ano, a Papua produziu 400 biquínis, no segundo produziu mais duzentos e no terceiro duplicou a produção do ano anterior. As encomendas eram todas feitas online. Em 2014, a equipa de Marta Santos produziu 1.200 biquínis numa confeção em Leiria.
O investimento de 2012 foi aplicado em máquinas e para contratar a equipa de cinco pessoas responsáveis por transformar os desenhos de Marta em peças de moda e distribuí-las. Apostaram numa unidade de confeção própria para poderem “controlar tudo”. “Se tivermos pessoas a trabalhar diretamente connosco, as coisas ficam melhores e o processo é mais rápido”, conta. No primeiro ano, os 400 biquínis Papua foram produzidos por uma só costureira.
As redes sociais estiveram uma vez mais ao serviço das marcas. A Papua foi lançada pelo Facebook. No primeiro ano, os empreendedores queriam fazer um teste inicial ao mercado e decidiram utilizar uma página na rede social para divulgar o projeto. As encomendas das peças eram feitas através do envio de uma mensagem privada, até que Marta Santos decidiu apostar numa loja online, cuja versão final só foi lançada em abril de 2014.
Além do Facebook, a empreendedora aposta na divulgação da marca através do Instagram que, conta, acaba por dar mais visibilidade ao projeto. “Toda a gente tem internet no telemóvel”, refere. No Facebook, a Papua tem cerca de 50 mil fãs e, na sua conta do Instagram, que foi lançada em 2014, tem cerca de 4.700 seguidores.
Os objetivos passam, agora, por aumentar a produção e entrar no mercado internacional, sobretudo o europeu, como Espanha e França, porque “é mais fácil exportar”. O Brasil não está posto de parte, apesar da concorrência de marcas como a Rosa Chá, Cia.Marítima ou BlueMan, explica Marta. Através da loja online, os bíquinis Papua já estão presentes em vários cantos do mundo, como os Estados Unidos da América, Brasil, Dubai, Singapura e vários países europeus. Marta Santos explica que, até à data, a marca ainda não desenhou nenhuma estratégia de comunicação ou política de expansão. Tem sido uma espécie de passa-palavra pela internet.
“Recebemos imensos e-mails de lojas que querem vender os nossos biquínis, mas como a produção não é suficientemente grande, não conseguimos”, revela. A produção da Papua vai aumentar, mas Marta Santos não revelou como e quando. Por enquanto, uma certeza: a confeção mantém-se em Portugal. Outra certeza: os biquínis Papua vão ter sempre algo que os distinga, revela a empreendedora.
“As raparigas, quando vão para a praia, gostam de ter uma peça que as distinga”, explica Marta Santos. Por isso é que o biquíni Papua “não é só um biquíni”. É agarrar nas tendências da moda e transportá-las para a praia: as cuecas mais subidas, os fatos de banho/bódis que reapareceram, a importância dos decotes. E tudo isto de acordo com o tema que envolve a coleção, que, este verão, foi “Viajante”, mas na qual a Papua-Nova Guiné esteve presente. Onde? Nas cores fortes, diz Marta.
Moda portuguesa à conquista da Ásia
Quality, Walking, Innovation e Unique, ou seja, Qwiu. A marca que Juliana Figueiredo lançou para apostar em calçado e vestuário “versátil”, o termo que mais utiliza para descrever as suas coleções, arrancou em outubro de 2013 com uma loja online e um investimento inicial de 30 mil euros. E não é uma estreia para a empreendedora. Aos 26 anos, a Qwiu é o terceiro projeto empresarial da jovem licenciada em Publicidade e Design pelo Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing (IADE).
Além da Qwiu, Juliana Figueiredo tem mais duas empresas: a agência de publicidade e comunicação Blook Agency, em Portugal, e a Paper & Design Angola, em Luanda. Por conta de outrem, trabalhou enquanto estudou, sobretudo, em agências multinacionais. “Sempre trabalhei e estudei. Daí o percurso que tenho feito em termos profissionais ser mais adverso”, revela. A Qwui surgiu da necessidade que Juliana Figueiredo sentia de lançar um produto diferenciador, com impacto económico, e a moda já era paixão antiga.
Quando tinha 15 anos, o rosto por trás da Qwiu participou na feira de criativos Mundo Mix, com uma coleção de cerca de 40 pares de sapatos, produzidos “à mão”. “Vendi tudo”, conta ao Observador. O sucesso fez com que recebesse uma proposta para trabalhar em Espanha, mas que acabou por recusar, porque senão, revela, “nunca mais acabava o secundário”. Aos 25 anos, voltou a pegar na moda e em sapatos, mas deixou a produção manual de lado.
Os sapatos, que têm “cabeças nos pés”, com fotografias de penteados vistos de costas, são produzidos em Portugal com um tecido impermeável e lavável português. As coleções de roupa, para homem, mulher e criança, também são produzidas em território nacional, numa confeção própria que dá emprego a seis pessoas. O objetivo é o de estar mais perto e poder controlar melhor o processo. Para produções de maior escala, Juliana Figueiredo recorre a fábricas, que também estão em Portugal.
“Optámos por produzir a roupa cá, porque em termos de confeção, somos um país muito bom e muito competitivo, apesar de vender muito para fora. Portugal precisa que se faça este investimento”, disse Juliana ao Observador. A Qwiu marca presença, sobretudo, na Ásia. Em agosto, participou na primeira fase da feira de moda de Hong-Kong, à qual volta em outubro e novembro. Também em novembro, Juliana Figueiredo leva a Qwiu a uma feira em Taiwan e, em Macau, está previsto um desfile para o início do próximo ano. Em fevereiro de 2015, segue-se a feira de moda Pure London e, em Angola, a Fashion Week.
“Estamos muito presentes na Ásia, Londres, e também estamos a conseguir chegar ao Brasil”, adianta a fundadora da marca. Através da loja online, as roupas e sapatos da Qwiu, que também está presente no Facebook e no Instagram, já chegaram a países como a Grécia, Alemanha, Holanda, Inglaterra, Singapura, entre outros, e está disponível em vários pontos de venda em Singapura, China, Brasil e Londres.
A relação entre a marca de Juliana Figueiredo e a capital inglesa já está a dar frutos. Começou pela produção do catálogo da última coleção, que foi fotografado na cidade do Big Ben. No início de 2015, a sede da Qwiu muda-se para perto do Príncipe William e de Kate Middleton. “Achamos que, em termos comerciais, Londres é muito forte”, diz. A confeção vai manter-se em Portugal.
Em cerca de um ano, Juliana Figueiredo produziu mais de 20 mil sapatos e cerça de 20 mil peças de roupa. Os casacos bomber são a peça com mais saída e a empreendedora explica que segue as tendências, mas que tenta colocar sempre um cunho pessoal nas coleções. Onde? Nos padrões, que têm “muita cor”, diz.
“Queremos que a Qwiu seja uma marca versátil, transversal, que se encaixe em vários estilos”, conta ao Observador. No final de outubro, a Qwiu vai lançar uma coleção nova, com linguagem diferente e uma parceria com um ilustrador.
Moda ao serviço da tecnologia
Os projetos de moda nacional querem distinguir-se no mercado e atuar de forma global, criando impacto na economia portuguesa. As peças deixaram de estar expostas nas montras das lojas para estarem, sobretudo, online, com selo de qualidade nacional na confeção e inspiração nas redes sociais. Num mundo cada vez mais digital, estará o têxtil a reinventar-se? Caso se observe o que se passa no projeto Manifesto Moda, que pretende criar pontes entre a investigação científica, a indústria têxtil e os designers, parece que sim.
Paulo Gomes e Ana Salcedo Guimaraes lançaram o Manifesto Moda em 2011, com um investimento de 300 mil euros. Os apoios para o projeto, que quer incorporar a inovação científica na roupa do dia-a-dia, chegaram do programa Compete, em parceria com a associação Selectiva Moda. A ideia é a de que a tecnologia que, regra geral, é desenvolvida para setores como o da saúde, desporto ou militar, chegue à roupa.
“Mais do que uma marca, trabalhamos como uma plataforma que agrega competências inovadoras a diferentes níveis e de distintos setores. Acreditamos muito no poder da colaboração para elevar o universo do vestuário a níveis mais estimulantes e interativos”, explicou Ana Salcedo Guimaraes ao Observador. Exemplo: uma t-shirt, que integra uma solução de nanopartículas com repelente anti mosquito e que, segundo a promotora do projeto, é eficaz no combate à malária e ao dengue.
O Manifesto Moda nasceu online, porque os promotores acreditam que o interesse neste tipo de peças não tem fronteiras. “Criamos peças atemporais que procuram uma melhoria na relação entre a pele e a roupa que vestimos”, explica a promotora. Os produtos dos designers que compõem o manifesto, que também tem página no Facebook, já circulam por Portugal, Espanha, Inglaterra, Irlanda, Brasil, Panamá, Quénia, Moçambique, São Tomé, Hong Kong e Macau. E são portugueses, na tecnologia e na produção.
“Acreditamos na capacidade têxtil e tecnológica do país, apesar dos muitos contratempos que vamos encontrando no caminho. Mas, acima de tudo, acreditamos no potencial de maior colaboração entre os players”, conta Ana Salcedo Guimaraes. A Universidade do Minho, a Universidade de Lisboa, o Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário de Portugal (CITEVE) ou a Petratex, organização híbrida, entre a moda, desporto e alta-tecnologia, são alguns dos parceiros do Manifesto Moda, que, neste momento, também está a tentar estabelecer parcerias com universidades britânicas. Na busca por novas soluções tecnológicas, os promotores lançaram um concurso em universidades internacionais. “Temos as portas abertas a novas ideias, sem fronteiras, mantendo uma base em Portugal”, revela a promotora.
Ainda em 2014, o Manifesto Moda vai estar presente na feira Modtíssimo no Porto, no International Symposium on Fiber Science and Technology em Tóquio e no MunHub Design Market, em Hong Kong. Para breve, há novidades: um projeto que visa integrar design inteligente com funcionalidade têxtil e tecnologia preventiva, que atue no segmento sénior da população. E tudo isto é moda. Portuguesa.