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Natal é sinónimo de luzes, decorações e correrias aos centros comerciais para comprar os últimos presentes, onde a música “All I Want For Christmas Is You” teima em tocar sem parar. Mas nem só de clássicos da pop vive o Natal. Um pouco por todo o país, em igrejas, salas de concerto e em palcos montados ao ar livre, cantam-se os velhos clássicos natalícios, como o “Jingle Bells”, “Noite Feliz” ou o famoso “A todos um Bom Natal”, canção com dono que já não pertence a ninguém. Já é de todos.
Nesta época, coros e orquestras andam numa roda-viva a tentar arranjar espaço na agenda para todos os pedidos e convites. Entre novembro e dezembro, uma das alturas mais atarefadas do ano, o número de concertos multiplica. A gestão torna-se por vezes difícil, principalmente para aqueles cuja principal ocupação não é cantar. Os ensaios começam com meses de antecedência, quando o frio vai longe e o tempo ainda pede férias. Em setembro, já se canta Natal.
Mas, ainda assim, os concertos de Natal continuam a ser os mais aguardados pelos coralistas de norte a sul do país. Para quem canta, não são apenas uma nota na agenda — são uma forma diferente de celebração, com uma outra família. Esta é a história de quem passa o Natal a cantar.
O coro do “A todos um Bom Natal”
Sentados numa sala apertada, Leonor Marques e Paulo Cruz recordam os primeiros tempos no Coro de Santo Amaro de Oeiras. Já lá vão mais de 30 anos, mas lembram-se como se tivesse sido ontem — da audição, do primeiro ensaio, da primeira vez que tiveram de subir ao palco para cantar “A todos um Bom Natal”. Ao fim de mais de três décadas juntos, os dois diretores quase que já nem precisam de falar. A cumplicidade é evidente na forma como trocam olhares, na maneira como terminam as frases um do outro.
“Se estamos sempre de acordo? Não! Uma coisa é termos carta-branca para decidirmos uma coisa quando estamos sozinhos, mas de acordo não estamos. Somos amigos uns dos outros, não somos cínicos!”, admite Paulo, diretor do coro desde 2010, altura em que o fundador, César Batalha, abandonou o cargo e alguém teve de “pegar no barco”. “Estávamos loucos, com certeza!”
César Batalha criou o Coro de Santo Amaro de Oeiras em 1960. Tinha 15 anos e tinha então começado a escrever as primeiras peças polifónicas. “Foi uma aventura”, atira Leonor Marques. Durante os 50 anos seguintes, dirigiu o coro criado “em Oeiras e para Oeiras”, em paralelo com a sua profissão de maestro. “Isto para ele era um hobby. Era o projeto dele. Costumo dizer que era o bebé dele e da Ema”, a sua mulher, explica a diretora do coro infantil.
Em 2010, quando deixou a direção artística do coro, Leonor, Belinha e Paulo, três coralistas, decidiram tomar conta do projeto, de modo a dar continuidade ao trabalho do maestro. Leonor assumiu o cargo de diretora do coro infantil, Belinha o de tesoureira e Paulo o de diretor-geral, “porque tem de haver um diretor”. “Agarrámo-nos uns aos outros para levar isto a bom porto, porque não queremos que o coro acabe. Se conseguirmos continuar a boiar, vamos continuar a boiar”, garante Paulo. “Quando nos perguntam ‘quem é o diretor?’, eu sou o diretor porque tem de haver um. Ela é a diretora do coro infantil porque tem de haver uma diretora do coro infantil. Mas o que um decide, os outros estão lá para a apoiar.”
Leonor, por outro lado, admite que a nova direção foi formada sobretudo “por ele”. “Quando ele saiu, houve muitas pessoas que saíram com ele. Os que ficaram foram os poucos que tinham uma ligação com a história do coro e com o César Batalha. Se fossem outros a pegar nisto, isto mudava. E não era isso que nós queríamos. Quando ele se foi embora, tivemos de agarrar nisto — por ele, pela obra dele e por tudo o que ele fez pelo coro durante 50 anos.”
Uma família chamada Coro de Santo Amaro de Oeiras
Leonor Marques está no Coro de Santo Amaro de Oeiras há 38 anos. Entrou quando tinha seis anos, e nunca mais saiu. Esteve no Coro Infantil, nos Ministars, no Contraponto. Hoje, aos 44 anos, é um dos membros mais antigos do coro adulto. “Passei por tudo”, admite. “Entrei naquela fase em que o coro deu um salto, foi crescendo. E eu cresci com o coro.”
A entrada para o grupo do maestro César Batalha deu-se por iniciativa da tia, que se lembrou de a “pôr num grupo” para “explorar um bocadinho este” seu “lado musical”. Na altura, o coro tinha pouco mais de dois anos e ainda não tinha um espaço fixo, como acontece hoje em dia. Os ensaios aconteciam semanalmente num espaço cedido pelos Bombeiros Voluntários de Oeiras. “Lembro-me perfeitamente do primeiro dia, da audição, e lembro-me de quando o maestro César Batalha me chamou para fazer o solo do ‘A todos um Bom Natal’.”
Leonor foi a primeira solista da famosa canção de Natal que, como ela própria diz, já não pertence ao Coro de Santo Amaro de Oeiras — “já é de todos”. “É um hino. É importante para nós e para quem a escreveu vê-la desta forma.” O sucesso de “A todos um Bom Natal”, garante, foi por acaso. “Até porque as coisas pegam ou não pegam. O maestro tem uma música muito bonita — de que eu gosto muito — que é ‘A prenda de Natal’ e que não teve esta grandiosidade. Alguém pegou e fez desta música um hino. E depois há coisas que se fazem à volta dela que são muito engraçadas. As pessoas põem outras letras, inventam e criam. Às vezes nem cantam a letra corretamente!”
Os anos passaram, mas o dia da gravação nunca lhe saiu da memória. “Lembro-me de ter ficado completamente bloqueada e de ter pensado ‘acho que não vou conseguir fazer isto’. Mas correu muito bem, gravei à primeira. Ainda me lembro de um antigo coralista, o Nascimento, me dizer nos estúdios ‘isto é que é uma profissional!’, e de eu ter ficado toda contente.”
Apesar de já ter perdido as contas às vezes que cantou a música composta por César Batalha, a coralista não hesita em dizer que “eu e o ‘A todos um Bom Natal’ somos um só”. “São marcos que ficam. Ainda hoje a oiço com muita emoção, e recordo-me de espetáculos que fizemos, do Natal dos Hospitais. Lembro-me de uma vez estar com 40 graus de febre no São José. A televisão ainda era a preto e branco (pelo menos eu não a tinha a cores), mas via-se que as minhas bochechas estavam completamente vermelhas!”, recorda entre risos. “Sempre foi uma música que acompanhou a minha vida. E depois também é muito engraçado ver as minhas filhas a darem continuidade.”
As filhas, Madalena (16 anos) e Joana (nove anos), estão no coro desde os seis anos, mas sempre foram “a reboque”. Leonor, que se orgulha de nunca ter faltado a um único ensaio (nem mesmo quando estava de licença de maternidade), sempre as levou consigo para todo o lado. “Lembro-me que de um concerto já no coro adulto em que pus a minha filha, que tem 16 anos, debaixo dos estrados do coro. Era pequenina, estava na alcofa”, conta com a maior naturalidade.
“Elas andaram sempre um bocadinho comigo e ganharam este amor ao coro. Não sabem explicar porquê. Para nós, é uma segunda família. Muitas vezes passamos mais tempo aqui do que na nossa própria casa. O meu marido também vem e ajuda, assim como o Paulo tem cá a família dele — tem cá a mulher e a filha” mais nova, Helena. “Nós trazemos a nossa família connosco e bichinho também entra. É muito bom estarmos aqui todos a cantar.”
“Ela às vezes pisa mais o risco do que eu. As filhas dela nunca saíram do coro. Ela vinha quando estava grávida. E, mais tarde, elas dormiam aí, enquanto ela estava a ensaiar”, atira Paulo. “A minha filha mais nove ainda dorme aí”, admite Leonor entre risos. “Ela hoje não está aí porque o pai a veio buscar. Para não faltar, traz as filhas para aqui. É um sacrifício que obriga as filhas a fazerem por dedicação ao coro. São registos que marcam e que ficam.”
Paulo Cruz está no coro há 40 anos. Entrou com 17 anos, “ainda menor”, como ele próprio diz. Casou no coro, teve duas filhas no coro. A mais nova, Helena, entrou há quatro anos e a mulher este ano. “Por acaso falámos nisso este ano, numa viagem que fiz com ela e com a minha filha mais nova. Perguntamos-lhe ‘mas porque é que não vens e experimentas?’. E ela veio e, felizmente está a gostar.” Para o diretor do Coro de Santo Amaro de Oeiras, ter a família por perto é uma satisfação. “Já posso dizer que é quase uma tradição cá no coro. Temos cá famílias inteiras. Pais e filhos. Já houve anos em que tivemos três gerações — avós, pais e netos.”
Natal, a época mais atribulada
A época de Natal é sempre a mais atarefada para o Coro de Santo Amaro de Oeiras. E este ano foi particularmente atribulada. Com praticamente todos os fins de semanas preenchidos desde novembro, este ano a época festiva irá estender-se até janeiro de 2016, o que geralmente nunca acontece. “Normalmente acalma em janeiro, mas este ano não porque já temos três fins de semana ocupados”, explica Paulo.
A preparação para o Natal começa com dois meses de antecedência, logo em setembro. “E já vamos tarde!”, garante Leonor. “Vimos de férias e temos de começar a ensaiar porque já temos um ou dois concertos para esse mês. São concertos normais, mas também temos de começar a ensaiar para novembro e dezembro”, explica Paulo. “Não nos apetece começar a ensaiar o Natal ainda no verão, mas tem de ser!”, contrapõe a diretora do coro infantil. O reportório é variado, com peças criadas pelo maestro César Batalha mas também com outras “já feitas”. “Felizmente temos uma herança muito grande de partituras. As peças, são as que a gente quiser!”
Como o coro é amador, e todos os seus membros trabalham, Paulo Cruz garante que a parte mais complicada é gerir a programação. “Nós trabalhamos e, durante o dia, não é fácil de gerir. Tentamos fazer um esforço entre os cinco membros da direção, e também com a ajuda de outros. Isso realmente ocupa-nos algum tempo que não temos. Sou gerente de um balcão e ela é educadora infantil. Esta é a parte em que, pessoalmente, sinto que devíamos dar uma melhor resposta, mas não conseguimos.”
Um dos concertos mais esperados desta época é, sem dúvida, o do Natal dos Hospitais. No Coro de Santo Amaro de Oeiras, este já é mais do que uma tradição. Paulo sempre se lembra de este cantar no programa de televisão. Inicialmente, era o coro adulto que fechava todos os anos a emissão. Porém, a dificuldade em conciliar os horários do programa com trabalho dos coralistas, levou o maestro César Batalha a optar pelo coro infantil.
Apesar de César Batalha ter abandonado o coro em 2010, todos os anos ele e a mulher, Ema, assistem ao programa a partir de casa. No final, Ema Batalha liga sempre a Leonor para lhe perguntar como correu. “Mantemos uma boa relação”, explica Paulo. Para além disso, “sentimo-nos na obrigação de, de vez em quando, irmos a casa dele dar conta do recado”. Nunca foram obrigados a nada, mas o diretor do coro admite que sente que, de vez em quando, deve “fazer um ponto da situação”. “Gosto de partilhar com ele. É um homem que me fez crescer e que me fez estar no coro. E fez-nos, ao fim destes anos todos, olharmos um para o outro e dizermos: ‘ou tomamos conta disto ou isto fecha’.”
Quando falam de César Batalha, o maestro que era mais do que um maestro, Paulo e Leonor emocionam-se. “Ele não nos conduzia com as mãos – conduzia-nos com a alma. Nós conseguíamos penetrar no olhar dele e perceber o que é que ele queria. Eu não olhava para as mãos, olhava para os olhos, para a expressão facial. Percebia quando é que era um piano, quando é que era o forte, quando é que era a raiva”, explica a diretora do coro infantil. “Era aqui”, diz apontando para a própria cara. “Era aqui. Mais nada.”
O coro dos alunos da Universidade de Lisboa
Isabel Alves está no Coro da Universidade de Lisboa desde 2011, altura em que entrou para o curso de Estudos Portugueses na Faculdade de Letras. Como já tinha estado em outros coros, decidiu experimentar. Gostou tanto que nunca mais saiu. No ano seguinte, juntou-se ao Coro de Câmara da Universidade de Lisboa e, este ano, assumiu a presidência da direção da Associação Coral da Universidade de Lisboa (ACUL).
Um dos motivos que a fez querer ficar foi o trabalho do antigo maestro, Luís de Almeida, que tinha um gosto por concertos “diferentes”. “Fazíamos concertos cénicos, que misturavam representação, dança e música. Foi uma das coisas que me cativou e que nos deixou convencidos.” No Natal, porém, as coisas eram diferentes. Os concertos seguiam sempre um registo “mais canónico”, apropriado à época. Mas sempre com um reportório eclético, de diferentes épocas e de diferentes culturas. “A perspetiva que o maestro Luís Almeida tinha das coisas era um bocadinho diferente”, admite.
“Temos de ter uma razão para estar num coro e não noutro. É o diretor artístico que faz o coro aquilo que ele é. E, de facto, quando estávamos a ser dirigidos por ele tínhamos acesso a partituras e músicas que são pouco conhecidas. Há um certo cânone e músicas que é sempre repetido, e é sempre bom quando conseguimos oferecer coisas diferentes.” Para Isabel, essas “coisas diferentes” são muito importantes quando se trata de um coro universitário. “Temos de ter essa capacidade, se queremos chamar mais público, e mais diverso.”
Desde então, o coro sofreu várias restruturações, fruto da fusão da Universidade Técnica com a Universidade de Lisboa. Em 2014, juntou-se ao da Técnica para formar um só — o atual Coro da Universidade de Lisboa. A cargo deste, que reúne elementos das duas universidades, ficaram inicialmente os dois maestros originais — Luís Almeida, da Clássica, e Jorge Alves, da Técnica. Contudo, divergências entre as duas direções artísticas levaram a Associação Coral da Universidade de Lisboa, criada este ano para unificar as duas estruturas, a optar por um novo maestro. O escolhido foi Eduardo Martins, que passará a dirigir o coro a partir de janeiro do próximo ano.
Devido ao período de instabilidade que tem vivido, este ano o coro decidiu não organizar o típico concerto de Natal. Porém, a pressão exercida pelos coralistas, fez com que a ACUL acabasse por ceder e o concerto acabasse por acontecer graças a uma parceria formada entre a reitoria e a orquestra sinfónica da Força Aérea Portuguesa, por intermédio do maestro José Alves. “Não há nenhuma regra que diga que tem de haver um concerto, mas está implícito. Por parte das entidades também há muitos pedidos. Temos muito mercado nesta altura”, garante Isabel.
Para além dos concertos remunerados, todos os anos, o grupo tinha o hábito de atuar gratuitamente para instituições de caridade, lares e centros de apoio aos sem-abrigo. “É uma parte muito boa. Apesar de não ser remunerado, acaba por nos presentificar.” É uma forma de fazer chegar a música a quem geralmente não tem acesso a ela. “Ficam muito felizes. São os que batem palmas com mais força.”
Apesar da fusão das duas universidades (e dos dois coros) ter levado à saída de alguns elementos, existem aqueles que se mantêm fiéis. Ernesto Sousa é um deles. O antigo professor de música, é o membro mais antigo do Coro da Universidade de Lisboa. Entrou em 1985, devido ao seu grande amor pela música. Na altura, era professor do ensino básico e tinha então decidido estudar “um bocado de música”. “O pessoal era divertido”, lembra o professor reformado de 66 anos. “Felizmente, sempre tive tempo para me dedicar ao coro. E sempre tiveram paciência para me aturar!”
Estudou no Conservatório Nacional de Música, passou pelo Instituto Gregoriano e, por fim, pela Universidade Nova, onde estudou Ciências Musicais. O amor pela música era tanto, que acabou por levá-lo por outros caminhos na área do ensino. “Decidi mudar mudar para a área da música no ensino, e a música passou a fazer parte da minha vida até ao fim da carreira.” Apesar de ter dito por diversas vezes que ia abandonar o coro, “foi ficando”. Ao antigo maestro José Robert, responsável pelo coro entre 1981 e 2010, chegou mesmo a dizer: “Ó Zé, eu vou-me embora! Já estou aqui há muitos anos!”. Mas o maestro acabou por convencê-lo. “Com toda a sinceridade: o coro é sobretudo para os mais novos. Nós, os de mais idade, vamos ajudando. Mas desde que não estorve muito, por mim está tudo bem. Não tenho razão de queixa.”
Há 30 anos a cantar na Universidade de Lisboa, Ernesto foi vendo o coro a crescer, a mudar. “O coro não é todos anos igual. É uma coisa interessante. A gente nova muda, e as coisas nunca são iguais. Todos os anos tem um som diferente, um programa diferente. E isso também é muito agradável.” Passou por vários maestros, e chegou mesmo a ser dirigido por um antigo colega coralista, o maestro Jorge Alves. “Vim para o coro da universidade quando nos encontrámos no Conservatório e no Instituto Gregoriano. Estivemos juntos uns quatro ou cinco anos como elementos do coro. Depois, ele seguiu a carreira com todo o empenho, e eu continuei no coro.”
Entre as memórias mais queridas que guarda, encontra-se uma viagem que fez a uma pequena aldeia espanhola, a propósito de um encontro internacional de coros. “Nunca mais me esqueci. No final, estava programado um jantar comemorativo com todos os coralistas. E eu olhava para aquela povoação e pensava onde é que iam dar de comer àquela gente toda. Não havia sítio. Acabou o concerto, e começaram a aparecer pessoas com tachos, outras com panelas. Surpreendeu-me a aquela união e ver o que o gosto pela música mobilizou.”
Viajou até Espanha, ao Luxemburgo e correu Portugal de norte a sul. Dentro da própria universidade, cantou nos corredores, à saída das salas. Depois destes anos todos, garante que muitos alunos têm uma ideia errada do coro. Ainda assim, existem sempre aqueles que, através dele, descobrem o gosto pela música. “E a música passa a ser parte das suas vidas.”
“Stille Natch”. O coro da Casa da Música
Na Casa da Música, o Natal celebra-se da mesma forma há já vários anos. Todos os meses de dezembro, a instituição dedicada à divulgação da música na cidade do Porto organiza um ciclo de concertos temáticos, onde participam todos os seus agrupamentos musicais. Coro incluído, claro. Este, fundado em 2009, conta atualmente com uma formação de base de 18 elementos, que pode ser alargada em função dos programas apresentados.
A única coisa que varia de ano para ano é a programação. O reportório é escolhido consoante o país-tema de cada ano, mas tendo sempre em conta a temática natalícia. Na temporada de 2015, por exemplo, o país-tema era a Alemanha, e por isso foram apresentadas obras de Bach e de Beethoven. A fechar o ciclo, o coro aliou-se à Orquestra Barroca da Casa da Música, como é já tradição, e interpretou a Oratória de Natal de Shütz.
O concerto final, onde participa o coro, é sempre o mais aguardado e, por isso, a Casa da Música não deixa nada ao acaso. “Reservamos muitas vezes o momento do encore para tocar uma ou duas canções de Natal”, explicou ao Observador Rui Pereira, editor de programação da instituição. “Já houve anos em que toda a sala cantou, porque a canção era muito conhecida. São 1.200 pessoas que se juntam a cantar. O público mais fiel, que todos os anos vem, já está à espera de alguma coisa. Sairia dececionado se não houvesse aquele momento especial, que não há em outros concertos. São sempre concertos especiais.”
Este ano, o encore contou com a participação do coro do Colégio Alemão, que cantou a “Stille Nacht” (“Noite Feliz”), enquanto neve caía sobre palco. “Foi um momento muito bonito — as crianças a cantarem com uma cortina de neve sobre. Foi emocionante acabar assim a celebração. Tentamos sempre fazer as coisas de maneira diferente.”
Para Rui Pereira o Natal é, sem dúvida “um momento muito interessante para quem programa”, porque é preciso “alguma imaginação”. “O reportório é muito vasto, sobretudo na música sacra, e vai desde os primórdios da música.” Entre obras menos conhecidas e mais conhecidas, há sempre muito por onde escolher. Para o ano, o país-tema será a Rússia e, por isso, a orquestra e coro da Casa da Música levarão ao palco O Quebra-Nozes, de Tchaikovski, uma das mais conhecidas peças de Natal. “Há músicas muito bonitas. Faz sentido que algumas se repitam.”
O que é certo é que o ciclo de concertos de Natal da Casa da Música é sempre um sucesso. Os bilhetes para a “Oratória de Natal”, onde participou o Coro da Casa da Música, esgotaram um mês antes. “Há uma grande adesão, todos os anos esgota. Quando há música sacra ou, sobretudo, música com o coro, os textos são muito alusivos à natividade e colocam-nos mais próximos do espírito do Natal. Escutar uma música pode aproximar-nos desse espírito natalício, que hoje está um bocadinho afastado da sua origem. As pessoas também são sensíveis a esse facto, e nós recebemos esse feedback. Para nós é um desafio e um estímulo para continuarmos a procurar músicas.” Muito boas músicas.