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O que é o impeachment?

Apesar de a palavra impeachment ser um estrangeirismo, o termo é amplamente utilizado no vocabulário de todos os brasileiros, antes mesmo da crise política ameaçar a continuidade de Dilma Rousseff à frente do país.

O impeachment refere-se ao processo de impugnação do mandato de um chefe do Poder Executivo. No caso do Brasil, isto pode ocorrer com:

  • Presidentes
  • Vice-presidentes e ministros de Estado
  • Governadores
  • Vice-governadores e secretários de Estado
  • Presidentes e vice-presidentes de Câmara
  • Ministros do Supremo Tribunal Federal
  • Procurador-Geral da República
  • Presidentes de Câmara

Um pedido de impeachment tem de ter por base o chamado crime de responsabilidade, ocorrido quando uma autoridade comete uma infração político-administrativa. Por exemplo: atentar contra a honestidade e rigor na administração ou na função pública, contra o exercício dos direitos ou contra o cumprimento de leis e decisões judiciais.

Se o processo de impeachment for aprovado, o detentor do cargo em causa fica impossibilitado de exercer qualquer função pública, durante cinco anos, e de candidatar-se a qualquer cargo público por um período de oito anos a partir da data em que seu mandato for impugnado. Pode ainda ser julgado pela Justiça ordinária, perdendo a imunidade de que gozava enquanto detentor do cargo público.

Qualquer cidadão brasileiro que esteja em situação regular, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral — para ter uma ideia, caso um cidadão tenha falhado um ato eleitoral sem justificação fica automaticamente de fora deste grupo — pode solicitar a abertura de um processo de impeachment. Basta apresentar provas para validar o processo. Não basta por isso um simples abaixo-assinado para que seja atendido um processo de impeachment.

 

 

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Como surgiu o pedido de impeachment?

O processo começou a 2 de dezembro de 2015, quando o Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, aceitou a denúncia contra Dilma Rousseff por crime de responsabilidade, assinada pelo jurista Hélio Bicudo e pelos advogados Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal.

A abertura do processo começou a ser preparada após reuniões realizadas entre Eduardo Cunha, o PMDB (partido no qual está filiado) e diversos partidos da oposição ao governo. O objetivo era avaliar se havia o apoio necessário no parlamento para dar seguimento à abertura do processo.

The president of the Brazilian Chamber of Deputies, Eduardo Cunha, from the Brazilian Democratic Movement Party (PMDB) meets with union workers in Sao Paulo, Brazil, on August 21, 2015. Cunha, speaker of the Chamber of Deputies, was alleged to have taken at least $5 million in bribes as part of a sprawling kickbacks scheme centered on state oil company Petrobras. AFP PHOTO / Miguel SCHINCARIOL (Photo credit should read Miguel Schincariol/AFP/Getty Images)

Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados do Brasil

Na altura, Eduardo Cunha declarou:

É uma decisão de muita reflexão, de muita dificuldade (…) Não quis ocupar a presidência da Câmara para ser o protagonista da aceitação de um pedido de impugnação. Não era esse o meu objetivo”.

A decisão, segundo Eduardo Cunha, justifica-se porque “nunca, na história de um mandato, houve tantos pedidos de impugnação como neste”. O Presidente da Câmara dos Deputados fazia assim referência aos 37 pedidos de impugnação que teve de analisar antes de aceitar o processo de dezembro, que está em curso.

Porém, os críticos desta decisão, rapidamente levantaram dúvidas sobre o timing e as motivações de Eduardo Cunha. Tudo, porque o Presidente da Câmara dos Deputados é, também, alvo de um processo onde é acusado de corrupção. Horas antes de Cunha ter aceitado o pedido de impeachment de Dilma, três deputados do PT tinham votado a favor da continuação da investigação à conduta do líder da Câmara dos Deputados.

 

 

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De que é acusada Dilma Rousseff?

O processo de destituição de Dilma Rousseff centra-se em duas questões.

A primeira diz respeito às “pedaladas fiscais”, ou seja, atos resultantes da autorização de adiantamentos de verbas de bancos para os cofres do Governo, de forma a melhorar o resultado das contas públicas. O processo contra Dilma Rousseff cita, por exemplo, o caso do atraso do reembolso de 895 milhões de euros ao Banco do Brasil para o pagamento do programa de crédito agrícola Plano Safra.

A segunda questão aponta para a assinatura de decretos de crédito suplementar em 2015, ocorridos sem a autorização do Congresso, que é obrigatória. Estes decretos foram assinados no mês de julho, quando o governo já havia admitido que não conseguiria cumprir a meta fiscal do ano, o que caracterizaria um “crime de responsabilidade contra a lei orçamentária e contra a guarda e o emprego legal dos dinheiros públicos”, diz o relatório pró-impeachment.

 

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Então o impeachment não está ligado à Operação Lava Jato?

Diferente de Michel Temer (vice-presidente), Eduardo Cunha (presidente da Câmara dos Deputados), Renan Calheiros (presidente do Senado), e Lula da Silva, Dilma Rousseff não é investigada pela Operação Lava Jato.

O seu nome, no entanto, é comummente citado em “delações premiadas”, recurso utilizado por um réu da justiça brasileira que aceite colaborar na investigação ou denunciar outros envolvidos num crime, em troca de uma redução de pena.

É o caso do senador Delcídio do Amaral, que estava filiado no PT. Delcídio foi preso no dia 25 de novembro de 2015, acusado de interferir nas investigações da Operação Lava Jato, e solto no dia 19 de fevereiro deste ano.

O senador acusa a presidente de ter atuado três vezes para interferir na Operação Lava Jato por meio do poder Judiciário, mais concretamente fazendo pressão junto do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Levandowski, através da tentativa de nomear Nelson Schaefer e pela nomeação efetiva de Marcelo Navarro para o organismo – todos com o alegado objetivo de favorecer o governo nas investigações.

Delcídio também acusa Dilma de ter conhecimento das irregularidades envolvendo a compra da refinaria Pasadena nos Estados Unidos, pela Petrobrás, que é uma das principais frentes de investigação da Operação Lava Jato.

RIO DE JANEIRO, BRAZIL - APRIL 13: The corporate logo is displayed at Petrobras headquarters on April 13, 2016 in Rio de Janeiro, Brazil. A massive corruption scandal at the state-owned oil company has sparked a political crisis in Brazil. President Dilma Rousseff, who has not been linked to the corruption scandal, was chairwoman of the Petrobras board from 2003-2010. President Rousseff is now facing impeachment with an initial vote set in the lower house of Congress for Sunday. (Photo by Mario Tama/Getty Images)

A Operação Lava Jato centra-se em esquemas de corrupção na empresa estatal Petrobras

A ideia de que Dilma Rousseff terá influenciado as investigações da Polícia Federal também ganhou força com a libertação das escutas a conversas telefónicas entre a presidente e Lula da Silva, realizadas pelo juiz federal Sérgio Moro. Nas gravações, a presidente diz que vai encaminhar para Lula um “termo de posse”, a ser usado “em caso de necessidade”. Uma referência à nomeação do ex-Presidente como ministro da Casa Civil. O cargo dar-lhe-ia “foro privilegiado” no Supremo Tribunal Federal, e evitaria, naquele momento, a sua prisão.

Outra relação indireta de Dilma Rousseff com a Operação Lava Jato acontece por meio do publicitário João Santana, responsável pela imagem e comunicação de Dilma Rousseff nas eleições de 2010 e 2014. Santana foi preso durante a 23ª fase da Operação Lava Jato, em fevereiro deste ano, acusado de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Santana terá alegadamente obtido doações ilegais para a campanha de Dilma.

Até o momento, não há provas para formalizar quaisquer acusações contra a presidente.

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O que diz Dilma em sua defesa no processo de impeachment?

A Advocacia-Geral da União (AGU), responsável pela defesa de Dilma Rousseff, reconhece que o governo “deu as pedaladas fiscais”, mas que as mesmas “não configuram operação de crédito e que as dívidas decorrem de mera acumulação de saldos devidos”. O organismo questiona ainda a responsabilidade da presidente nas referidas “pedaladas”.

As operações tratadas não trazem em seu bojo nenhum ato assinado pela presidente da República, tendo os denunciantes tomado por suficiente o facto de que alegadas reuniões diárias com o secretário do Tesouro (a ocorrência de tais reuniões, aliás, sequer foi demonstrada na denúncia) fossem suficientes para preencher os requisitos de uma conduta criminosa e comissiva da presidente”, lê-se na defesa, citada pelo G1.

Sobre os decretos de crédito suplementar, a AGU diz ainda que o próprio Congresso “admite a ampliação de autorização orçamentária para regular prestação de serviços públicos” e que “mais de 20 técnicos participam do circuito de análise de um decreto de crédito e que, por isso, é impossível existir qualquer dolo da presidente”. “Como seria possível afirmar-se que haveria uma má-fé da Sra. Presidente da República na expedição destes atos administrativos?”, questiona a defesa.

 

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Há precedentes de casos de impeachment na história do Brasil?

Antes de Dilma Rousseff, o processo de impeachment foi aberto apenas em duas ocasiões.

Em 1953, o presidente Getúlio Vargas foi acusado de utilizar dinheiro público para favorecer o jornal Última Hora. O pedido foi rejeitado na Câmara dos Deputados por 136 votos contra 35, mais 40 abstenções.

Em 1992, Fernando Collor de Mello foi investigado por uma comissão parlamentar, na sequência de diversas denúncias divulgadas pela imprensa, como o uso de empréstimos ilegais para financiar campanhas eleitorais, existência de um “saco azul” e compras realizadas pelo governo por um preço acima do valor do mercado. Sem apoio no Congresso, e pressionado pela população, Collor de Mello renunciou ao cargo antes mesmo de que a destituição fosse a votos no Senado brasileiro.

Mas, mesmo com a renúncia, o Congresso votou a favor do impeachment, afastando Collor de Mello de cargos políticos para o resto da década. Após o fim da condenação, Collor retornou à vida política e atualmente é senador pelo estado de Alagoas e, ironicamente, pode votar no processo de afastamento de Dilma Rousseff se o pedido avançar para o Senado.

 

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Quais são as etapas do processo?

O processo de impeachment de Dilma Rousseff é longo e envolve uma grande negociação entre o governo e o Congresso.

O que já aconteceu até agora:

  1. Após a abertura do processo por Eduardo Cunha, a Câmara dos Deputados do Brasil constituiu, em março, uma comissão especial responsável por decidir sobre a continuidade do processo de impugnação do mandato de Dilma Rousseff. Os líderes dos 24 partidos com representantes na Câmara indicaram os nomes dos 65 deputados que participaram nos trabalhos. Foram eleitos Rogério Rosso (PSD) como presidente da comissão especial do impeachment e Jovair Arantes (PTB), como relator do parecer sobre a destituição da presidente do Brasil.
  2. Após a formação da comissão, Dilma Rousseff foi notificada e teve um prazo de dez sessões parlamentares para apresentar a sua defesa à comissão especial, na figura de José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União.
  3. Com 38 votos a favor e 27 contra, a comissão do impeachment aprovou o parecer favorável à destituição da Presidente. O parecer com a decisão da comissão foi incluído na ordem do dia da sessão seguinte da Câmara dos Deputados, 48 horas após a decisão.
  4. Na madrugada de domingo para segunda, a Câmara dos Deputados aprovou o processo de impeachment, com 367 votos a favor.
TOPSHOT - The members of the impeachment committee vote on the fate of Brazilian President Dilma Rousseff at the National Congress in Brasilia on April 11, 2016. A congressional committee on Monday recommended impeachment of Rousseff, setting the stage for a crucial vote in the lower house to decide whether she should face trial. / AFP / EVARISTO SA (Photo credit should read EVARISTO SA/AFP/Getty Images)

A Comissão Especial do Impeachment aprovou com 38 votos a favor e 27 contra o parecer favorável à destituição de Dilma Rousseff.

Os próximos passos:

  1. O Senado instala uma comissão especial para analisar a denúncia, com um presidente e um relator, sem no entanto especificar uma data para que tal aconteça. O grupo deve respeitar a proporcionalidade dos partidos no Senado.
  2. Os senadores votam o relatório, que pode ser favorável ou contrário ao processo de impeachment. Se o relatório defender o impeachment e se obtiver uma maioria de votos, o processo é formalmente instaurado e apenas neste momento Dilma Rousseff é afastada da presidência, mas ainda não definitivamente.
  3. Nesta altura, Michel Temer, vice-presidente, assume a presidência interina até ao encerramento do processo. Dilma é notificada para apresentar a sua defesa num prazo de 20 dias.
  4. Chega a fase final do processo. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, conduzirá as sessões de debate do processo, durante as quais haverá interrogatórios e apresentação de provas. Esta fase do processo tem de estar concluída em 180 dias. Dilma pode ser ouvida pelos senadores, mas não é obrigada a comparecer pessoalmente.
  5. O Senado finalmente vota o processo. Para a aprovação são necessários dois terços dos votos, ou seja, 54 votos dos 81 senadores.
  6. Se a impugnação for aprovada, Dilma Rousseff é finalmente destituída das suas funções como presidente do Brasil e nos oito anos seguintes fica impossibilitada de se candidatar a qualçquer cargo público.
  7. Neste caso, o vice-presidente, Michel Temer (PMDB) assume em definitivo o cargo de Presidente do Brasil.
  8. Caso seja absolvida, a presidente reassume o mandato.
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E por que razão Dilma não renuncia e convoca novas eleições? Não seria mais simples?

A Constituição brasileira prevê a realização de novas eleições fora dos prazos estabelecidos por lei em situações muito específicas. No caso dos presidentes, as eleições normalmente acontecem a cada quatro anos, sendo a próxima votação apenas em outubro de 2018.

É importante ter em consideração que o Brasil tem um sistema político presidencialista. Na prática, isto significa que o congresso brasileiro não dispõe de mecanismos como moções de censura e de confiança ou moções de rejeição do programa do Governo, típicas do parlamentarismo. O impeachment é, portanto, a única via para destituir um presidente.

No caso de o vice-presidente não poder assumir a presidência do país, o próximo na linha sucessória é o presidente da Câmara dos Deputados, atualmente Eduardo Cunha. Seguem-se, por ordem, o presidente do Senado Federal, atualmente Renan Calheiros, e o presidente do Supremo Tribunal Federal, atualmente Ricardo Lewandowski.

Nestes três últimos casos, a presidência é exercida de forma temporária e devem ser convocadas novas eleições. Há duas possibilidades aqui:

  1. Se os cargos de Presidente e Vice-Presidente ficarem desocupados nos primeiros dois anos de mandato, serão realizadas novas eleições diretas. A eleição deve acontecer 90 dias após a saída do último cargo.
  2. Se o país ficar sem presidente nos dois últimos anos de mandato, a votação para a escolha de um novo presidente é indireta. O Congresso vota em 30 dias para a escolha de um novo representante, que deverá completar o mandato de quem o antecedeu até às próximas eleições previstas pela lei.

Há, no entanto, políticos que defendem a realização de novas eleições como forma de superar a atual crise política. Em entrevistas a meios de comunicação social brasileiros publicadas esta semana, Dilma disse “discordar da ideia, mas respeitá-la”. Para que tal aconteça, seria necessário existir uma improvável renúncia coletiva da presidente e do vice-presidente, para forçar novas eleições.