Afinal, a Europa não vai ter um chefe de Estado da direita nacionalista. Mas a derrota de Herbert Hoffer nas eleições presidenciais austríacas não bastou para sossegar a imprensa europeia: foi por pouco; há-de voltar a acontecer; é um sinal. Por detrás de toda esta insegurança, está uma dúvida: a história repete-se? Vamos ter outra vez os anos 30?
Há muito tempo que é essa a grande obsessão ocidental. E a primeira coisa que devemos notar é que é uma questão bizarra. Os antigos gregos e romanos pensavam que a história se repetia. Os regimes políticos, por exemplo, seguiam ciclos quase invariáveis: as democracias estavam destinadas a evoluir para demagogias, e estas para tiranias. Tsipras e Putin não seriam um mistério para Aristóteles. Mas para os europeus modernos, a história é progresso, transformação social, inovação tecnológica, pedagogia iluminista. A repetição da história é, desse ponto de vista, necessariamente absurda, como Marx deu a entender com a sua boutade de que uma tragédia só pode voltar a suceder como farsa.
Deveríamos, portanto, estar seguros. Os anos 30 aconteceram noutro mundo: uma Europa de sociedades ainda rurais, recentemente destabilizadas pela guerra, e dividida por protecionismos alfandegários, conflitos territoriais e confrontos ideológicos. Como poderá essa história repetir-se em 2016? No entanto, a cada crise financeira, lembramo-nos da Grande Depressão. A cada candidatura da família Le Pen, trememos com o regresso do fascismo.
Por vezes, parece que só agora a Europa do pós-guerra saiu de uma idade de ouro de plácida prosperidade. Mas não é bem assim. É a deflação de hoje mais nefasta do que a inflação descontrolada dos anos 70, depois das crises do petróleo? São os actuais movimentos migratórios maiores do que os que, há cinquenta anos, povoaram as cidades da Alemanha, da Grã-Bretanha ou da França com milhões de turcos, paquistaneses e árabes? São os nacionalistas e os radicais de 2016 mais perigosos do que os comunistas pró-soviéticos que mobilizavam mais de um quarto do eleitorado na Itália e na França dos anos 50? É o terrorismo islâmico mais desestabilizador do que o dos Baader-Meinhof, das Brigadas Vermelhas, da ETA (que assinou 100 pessoas só no ano de 1980) ou do IRA (que, com bombas em dois bares, matou 21 pessoas e feriu 182 em Birmingham no dia 21 de Novembro de 1974)?
Há pouco mais de quatro décadas, a Europa fez frente à União Soviética, dominou a inflação, defendeu-se do terrorismo, e deu trabalho a milhões de imigrantes. Será hoje capaz de resistir aos populismos nacionalista e radical, ultrapassar a estagnação económica, controlar a nova imigração, e derrotar o jihadismo? O que fez diferença há trinta anos não foi o facto de a classe média estar sempre satisfeita e ninguém ter más ideias, mas o modo como a aliança atlântica e a cooperação europeia garantiram, desde o pós-guerra, a segurança e a abertura indispensáveis à democracia liberal e à economia de mercado. Se os europeus quiserem repetir a boa história dos anos 80 e não a má história dos anos 30, precisam de preservar as condições internacionais da liberdade e da prosperidade: a NATO e a UE.
Na década de 1930, foi a tomada do poder pelos Nazis na Alemanha, a maior potência industrial e militar europeia, que verdadeiramente subverteu a Europa. Até 1933, o fascismo ainda não saíra da Itália, nem o comunismo da Rússia. Com uma ou outra excepção, foram as guerras de Hitler que espalharam o fascismo e, depois da sua derrota, o comunismo. A destruição da ordem internacional por uma grande potência ocidental capturada por criminosos foi o factor decisivo. A acontecer novamente, não teremos uma farsa, mas outra vez uma tragédia.