Na minha última crónica mencionei que o baixo crescimento da eurozona tem causas sócio-demográficas e políticas demasiado profundas para serem abordadas a correr. Assim, enquanto o Syriza discute com a «troika» para encontrar uma saída para o enorme sarilho em que nos meteu a todos, aproveito a espera para enquadrar a questão da falta de crescimento económico na eurozona de um ponto de vista mais vasto do que o «keynesianismo» de carregar pela boca, segundo o qual bastaria o Estado fazer dívida.

Desde 1972 – e a data não é fortuita, pois segue-se imediatamente à desvinculação do dólar americano em relação ao padrão-ouro (1971) e ao desencadear do processo de globalização – que se tem difundido a ideia dos «limites ao crescimento» proposta por um famoso estudo-manifesto do chamado Clube de Roma. A ideia evoluiu para a noção de «crescimento zero» e ficou desde então associada aos movimentos ecológicos.

Contudo, apesar de todos os elementos aduzidos em favor de um crescimento sustentável e de uma economia verde, os limites ao crescimento têm sido continuamente postergados pelos interesses políticos. E mesmo assim só o processo de globalização encetado com a incorporação gradual da China, bem como outros grandes países então subdesenvolvidos, como a Índia e o Brasil, conseguiu sustentar o crescimento mundial nas últimas décadas, enquanto os países mais desenvolvidos, nomeadamente os USA e a Inglaterra, se especializaram no sector financeiro até fazerem rebentar sucessivas bolhas especulativas que levaram à «grande recessão» actual.

Neste processo de longo prazo, a Europa perdeu necessariamente competitividade mas, entretanto, uniu-se para ganhar escala até alcançar essa proeza histórica que foi a criação da moeda única e o alargamento imparável da eurozona, que vai em 19 países que renunciaram às suas moedas nacionais e há fila de espera, mesmo se alguns outros dos membros do clube têm dificuldade em cumprir as regras.

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Simultaneamente, as sociedades europeias, tanto a maioria dos países ocidentais como os países de Leste que se libertaram do jugo soviético, não só atingiram um elevado grau de estabilidade e de prosperidade comparativas como, em paralelo, envelheceram, tiveram cada vez menos filhos e adoptaram maciçamente comportamentos de segurança – saúde e pensões, sobretudo – com um peso crescente na economia. Tais comportamentos são, em boa medida, contraditórios com o frenesim desregulatório do crescimento próprio de países mais jovens e mais pobres que aspiram a níveis de prosperidade comparáveis aos europeus

Não é à toa que oito dos dez países mais envelhecidos e com os índices de fecundidade mais baixos do mundo, incluindo a Alemanha e a Áustria, mas também Portugal, os «mediterrânicos» e alguns países de Leste, se encontram na zona euro. Tão pouco é fortuito que a Alemanha seja praticamente o único país do mundo onde os «Verdes» têm peso real na política doméstica, como se vê na questão do nuclear. No seu conjunto, a União Europeia é seguramente – a palavra também não é fortuita – a região do mundo onde o ambiente e os recursos renováveis têm maior protecção. Tudo isto tem custos. Ignorá-los é demagógico.

Por outras palavras, como sucedeu no Japão, não por acaso o país mais envelhecido do mundo, é bem possível que os biliões de euros que o Banco Central Europeu vai lançar no mercado não tenham tanto impacto no crescimento económico como alguns esperam. É que a «austeridade» não é só um dispositivo financeiro congeminado pela «troika» a fim de conter as despesas desenvolvimentistas, sobretudo quando estas se reduzem à bolha imobiliária, às auto-estradas e aos estádios vazios; nem apenas desregular os mercados, a começar pelo mercado de trabalho, de forma a repor algumas condições de competitividade perdidas em benefício do que chamamos – e bem – a segurança social, a qual, porém, não só pesa sobre os orçamentos europeus como é inimiga, quando apropriada pelo Estado através dos impostos, da poupança e do investimento.

Mas a austeridade é muito mais do que isso. É um sentimento cada vez mais forte, por parte de populações envelhecidas que atingiram patamares de prosperidade invejáveis, favorável não só a um desenvolvimento sustentável como à segurança social. Esta austeridade sócio-demográfica, como lhe chamo, é prudencial e, na prática, tendencialmente adversa ao crescimento. Basta pensar de novo no Japão e no que sentirão os japoneses depois dos seus terríveis acidentes nucleares!

Em compensação, conforme foi assinalado por pensadores insuspeitos como Peter Hall, são estes sentimentos e práticas prudenciais que constituem a resiliência, como hoje se diz, destas populações europeias que atravessaram a guerra, o fascismo e o comunismo para conquistar um estado social alternativo, simultaneamente, à especulação frenética e ao crescimento ambicionado por países mais jovens e mais pobres. Se há algo profundamente respeitável do ponto de vista desta resiliência social perante os ajustamentos necessários, sem pretensões desenvolvimentistas descabidas, é o caso português. Inversamente, parece não ser o caso grego.