1. Ainda bem que não sou munícipe de Oeiras. Sou eleitor de Sintra, mas isso não me livra de incómodas perplexidades.
Nem sei bem por onde começar a falar de Oeiras. Talvez por aquilo que nem todos sabem: estamos no concelho onde o nível médio de educação da população é mais elevado do país. Em Oeiras 30,7% dos habitantes tinham o ensino superior, de acordo com o censo de 2011, quando a média nacional era de apenas 13,8%. Só em Lisboa superava Oeiras neste indicador Oeiras, com 31,1% de licenciados. Só que em Lisboa há muito mais habitantes com pouco ou nenhuma formação (27,1% só têm, na melhor das hipóteses, o 1º ciclo do Básico, contra apenas 20% em Oeiras). Mais: o concelho de Oeiras era mesmo, nesse censo de 2011, o único do país onde mais de metade da população tinha concluído pelo menos o ensino secundário (53%, contra uma média nacional de apenas 30,5% e acima dos 49,1% em Lisboa).
Ou seja: o que quer que aconteça nas eleições naquele concelho não acontecerá por falta de formação e educação da sua população. Mas será que sucede por a essa formação e educação não corresponderem bons níveis de rendimento? Também não. De acordo com os cálculos do INE, em 2013 (últimos dados disponíveis) o poder de compra per capita de Oeiras era 80,7% superior à média nacional. Só Lisboa tinha um indicador melhor, pois o poder de compra na capital mais do que duplica a média nacional. Cidades como Cascais ou o Porto ficavam claramente atrás de Oeiras.
Temos assim que o concelho mais educado do país e o segundo com mais poder de compra se preparava para reeleger como presidente da Câmara Isaltino Morais, alguém condenado por fraude fiscal e branqueamento de capitais. E escrevo “preparava” porque um juiz entendeu recusar a sua candidatura com base em irregularidades formais. Não sei como esse processo terminará, mas não tenho muitas dúvidas de que Isaltino iria ser coroado de novo em Oeiras – e que sê-lo-á se a sua candidatura acabar por ir por diante. E não tenho dúvidas porque os oeirenses já o reelegeram em 2005 e 2009 quando já havia muitas dúvidas sobre a sua probidade e era arguido em vários processos, tal como depois elegeram em 2013 o seu número dois, alguém que concorria numa lista com o seu nome. O que significa que apenas iriam reincidir.
Mas este é apenas o começo da história. A continuação conheceu esta semana o rocambolesco episódio da recusa das listas encabeçadas por Isaltino por um juiz que foi secretário da concelhia do PSD no tempo em que o seu principal rival nestas eleições – o seu antigo benjamim Paulo Vistas – ocupava a presidência desse órgão. Pior: o dito juiz é afilhado de casamento desse mesmo Paulo Vistas mas não achou que essa sua proximidade a um candidato lhe impunha pedir escusa quando lhe tocou avaliar a validade das listas candidatas. Pior ainda: não se sentiu inibido para tentar barrar, na secretaria, a candidatura de Isaltino, existindo até a indicação de que numa anterior ocasião decidiu de forma diferente quando confrontado com o mesmo tipo de alegada irregularidade na recolha de assinaturas por… Paulo Vistas.
Satisfeitos? Já acham bastante para o “concelho mais educado do país”? Pois então deixem-me acrescentar que o pesadelo não acaba aqui.
Começando por Paulo Vistas, actual presidente da câmara e que era tido como o principal rival de Isaltino Morais, temos de recordar que ele foi também o principal suspeito na investigação às ruinosas PPP de Oeiras. Não consegui apurar em que estado se encontra este processo, só sei que essas PPP municipais foram mesmo um mau negócio para o erário público.
Passando a Joaquim Raposo, o candidato do PS e que durante muitos anos dirigiu os destinos do vizinho município da Amadora, os processos em que foi suspeito ou esteve a ser investigado são ainda mais numerosos, mais estranhos e envolvendo ligações mais perigosas. José Guilherme, o famoso empresário que fez uma “gentileza” a Ricardo Salgado, tem a sua base na Amadora e era um dos protagonistas de um processo, entretanto arquivado, que chegava também ao ex-deputado do PSD Duarte Lima, a Armando Vara e a José Sócrates. Esse foi um daqueles processos que esteve anos parado sem qualquer diligência num tempo que o Ministério Público era conhecido como o “arquivador-mor do reino”. Dele nos ficou pelo menos a informação das companhias do autarca que o PS foi repescar para tentar conquistar Oeiras – e sobre o que nos dizem essas companhias abstenho-me de comentários. De resto sabemos também que pode não ter declarado devidamente o seu património imobiliário ao fisco, omitindo a existência de uma piscina numa sua casa.
A seguir ao trio Isaltino-Vistas-Raposo surge por fim o candidato oficial do PSD, Ângelo Pereira, uma figura ainda tão pouco conhecida que os cartazes da sua campanha optaram por o representar como um boneco que apresenta o seu currículo. Mesmo assim já foi apanhado no “huaweigate”, apesar de tudo uma coisa de crianças ao lado de todas as sombras que pairam sobre o triunvirato de “adultos” que se apresenta a votos em Oeiras (Vistas, de resto, também está envolvido neste “huaweygate”).
Nada aqui é bonito de se ver, nada aqui é boa referência para a nossa cultura democrática – neste caso a cultura democrática de um concelho “de elites”, aquele onde menos se pode atribuir à falta de educação ou de informação as escolhas dos seus eleitores. Eles sabem o que estão a fazer, oh lá se sabem.
2. Como referi logo na abertura deste texto não sou munícipe de Oeiras – mas sou de Sintra, aquele concelho onde o actual presidente e candidato do PS, Basílio Horta, se enganou em apenas três zeros nas suas declarações de rendimentos depositadas no Tribunal Constitucional. Três zeros que valem 5,6 milhões de euros. Mesmo dando de barato que foi um engano, o crescimento de conta bancária de Basílio entre 2002 e 2010, e depois 2013, está muito mal explicado. A mim, que sou eleitor do concelho, não me satisfaz. Sobretudo não gosto de encontrar, como dizer?, fragilidades destas em alguém que entre 2002 e 2010 esteve vários anos à frente do AICEP, colaborou de muito perto com o então primeiro-ministro José Sócrates e o seu ministro da Economia Manuel Pinho, e sobretudo deu a cara por projectos ruinosos que custaram centenas de milhões de euros à Caixa Geral de Depósitos (o mais notório de todos o do investimento na fábrica da La Seda em Sines, mas também o da unidade da Pescanova em Mira) e nunca se distanciou da política suicida seguida nesses anos.
Seja lá como for, enganos como os invocados por Basílio Horta como justificação para o que está nas suas declarações de rendimentos não podem passar sem penalização política. Quanto a uma penalização eleitoral, os eleitores de Sintra julgarão.
Quanto ao resto do país, que parece encolher os ombros, não sabemos se é apenas por estar a banhos, se por nas suas terras conhecerem outras histórias do mesmo jaez, se por puro e desesperado desencanto. Seja qual for a resposta, é um mau sinal – sinal de que a nossa democracia está longe de ter os hábitos de rigor e probidade que encontramos em países não só com democracias mais antigas, como com instituições mais saudáveis e que, claro, são mais ricos. Bem mais ricos. É que, no fim do dia, a salubridade das instituições está por regra associada a economias mais dinâmicas e inovadoras. E por cá, quanto a salubridade, o tempo é mais de colocar uma mola no nariz.
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