O presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Paulo Vistas, também viajou à China pago pela Huawei, mas — ao contrário do vice-presidente da bancada do PSD, do vereador do PSD na autarquia e do presidente da junta da Estrela — fez essa viagem uns meses antes. O próprio Paulo Vistas confirmou ao Observador: “Sim. Viajei, em setembro de 2014“. A Huawei pagou voo e hotel para o autarca ir a assistir a um congresso. Vistas não se sente condicionado, diz que não fez qualquer contrato com a empresa, mas admite que “Oeiras, enquanto concelho onde estão sedeadas as principais empresas de TIC, gostaria de acolher a Huawei no seu território.

Sobre a viagem em setembro de 2014, Paulo Vistas justifica que foi a um “congresso sobre smart cities organizado pela empresa em questão, além de ter também participado num encontro institucional para apresentar Oeiras à Huawei e mostrar o interesse em acolher esta empresa no nosso concelho”.

Paulo Vistas não vê “nenhum problema ético” em ter feito a viagem paga pela Huawei, considerando que “é normal no quadro das relações institucionais”. Acrescenta ainda que viajou a convite de uma outra empresa no âmbito do mesmo assunto, mas à capital da Catalunha: “Participei no Smart City World Congress, em Barcelona, a convite da Philips Lighting Portugal.”

Meses depois da viagem de Paulo Vistas, em fevereiro de 2015, foi a vez do vereador do PSD, Ângelo Pereira, ir cinco dias à China com tudo pago, tendo partilhado o avião com o vice-presidente da bancada do PSD, Sérgio Azevedo, e com o presidente da junta de freguesia da Estrela, Luís Newton.

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O vereador do PSD — a quem o presidente da câmara, Paulo Vistas, atribuiu o pelouro de “Licenciamentos Diversos e Smart Cities” — viajou a “convite da Huawei”, que pagou a viagem e a estadia. Ângelo Pereira, que é agora candidato do PSD à câmara municipal de Oeiras, conta que assistiu “a várias conferências sobre a área das smart cities”. E acrescenta: “Vi soluções de sensores para os caixotes do lixo, sensores de mediação para poluição do ar e de fluxos de trânsito”.

Sobre se vê problemas éticos em aceitar a viagem de uma empresa privada, Ângelo Pereira admite que, como vereador, é “bombardeado com convites” e, uma vez que “foi à procura de soluções para melhorar a cidade”, não vê “nenhuma ilegalidade” em ter sido a Huawei a pagar a viagem. Além disso, nas soluções de novas tecnologias para o concelho, Ângelo Pereira destaca que o município “não escolheu nenhuma da Huawei” e que realizou um projeto no âmbito das “smart cities”, mas com a NOS.

No caso da Galp, o Ministério Público investigou dois presidentes de câmara (Sines e Santiago do Cacém) que foram aos jogos de Portugal do Euro 2016. Embora nenhum dos dois tenha sido ainda constituído arguido, como o Observador noticiou a 9 de julho, a investigação está concentrada nos convites que a Galp endereçou. Que incluía deputados, autarcas e diversos titulares de cargos públicos. Todos eles entram na categoria equiparada a funcionário público, que é um dos requisitos fundamentais para a indiciação de alguém pelo crime de recebimento indevido de vantagem.

Para seguir em frente com o processo o Ministério Público teve por base o artigo 372 do Código Penal, relativo ao “recebimento indevido de vantagem”. Numa alteração legislativa em 2010, deixou de ser necessário comprovar uma contrapartida para que o crime exista. Diz a lei que o servidor público que “no exercício das suas funções (…) solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.” Excluem-se, segundo a mesma lei, “as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes”. É essa adequação que está a ser avaliada pelo Ministério Público no caso Galpgate.

O professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Paulo Otero explicou ao Observador que no caso dos autarcas é preciso ter em conta se “o órgão a que pertencem tem ou não qualquer relação contratual com a empresa ou se virá a ter no futuro”. Para o especialista em Direito Administrativo, que o Observador ouviu no âmbito das viagens da Huawei também é relevante o objeto social da empresa: “Não tem problema que um autarca possa viajar a convite de uma empresa de armamento, porque não colide com as funções na junta, mas se for uma empresa de jardinagem já é errado”. Otero lembra que o servidor público tem de promover a “neutralidade”.

Além disso, lembra o professor de Direito, “a partir do momento em que aceitaram a viagem, independentemente de haver alguma consequência criminal dessa conduta”, os autarcas “vão passar a estar limitados, pois não vão voltar a poder decidir um concurso em que essa empresa participe.” Há aqui um problema para Paulo Vistas: se quiser acolher a Huawei no concelho, como diz ser seu desejo, o presidente da autarquia estará limitado. Qualquer benefício que o autarca queira dar à empresa para se instalar em Oeiras, poderá ser visto como contrapartida e ter problemas com a justiça. Neste caso, tendo em conta a opinião do especialista, limitou a ação.

Além de Vistas, a Huawei — como o Observador noticiou na quinta-feira — também pagou viagens a Sérgio Azevedo, deputado e vice-presidente da bancada do PSD e a Luís Newton, presidente da Junta de Freguesia da Estrela.

Vistas já tinha viajado antes nos mesmos moldes em setembro de 2014. E também revela que foi a Barcelona com a Philips.

Deputado, vereador e presidente de junta do PSD viajam à China pagos pela Huawei

A Huawei Portugal, na resposta ao Observador, optou por enviar o “statement oficial” sobre o assunto. A empresa explica que, “como líder na área das Tecnologias de Informação e Comunicação, com foco na inovação abrangente a vários sectores, a Huawei recebe na sua sede, em Centros de Investigação e em eventos da indústria à escala global, delegações de entidades públicas e privadas.” Mais: “Enquanto empresa orientada pela inovação, demonstramos, em primeira mão, como potenciar as redes de telecomunicações, assim como outras tecnologias, promovendo uma discussão de pontos de vista em linha com os planos nacionais e locais de desenvolvimento das TIC, num mercado profundamente inovador como é o nosso.”

Na resposta enviada ao Observador, a empresa garante ainda que “pauta-se pelos códigos de conduta e boas práticas do mercado, valorizando o desenvolvimento das TIC em todos os países onde está estabelecida, dinamizando iniciativas ligadas à educação em linha com as suas orientações de responsabilidade social.”

O Observador tinha solicitado à empresa a lista de todos os políticos que já viajaram a convite da empresa. Mas apenas obteve esta resposta genérica sobre as regras da empresa para convites a entidades públicas e privadas.