Um dos momentos mais hilariantes que a televisão americana nos deu foi há quatro anos, quando a Fox News anunciou que Obama tinha sido reeleito. A surpresa foi patente nas reacções. Megyn Kelly, uma excelente ‘pivot’ daquele canal, nem conseguia perceber o alcance da notícia que estava a dar.

Não só os jornalistas ficaram com cara de ponto de interrogação, como alguns dos seus comentadores entraram em estado de negação. Karl Rove, que tinha sido o grande arquitecto das vitórias eleitorais de George Bush, chegou mesmo a desafiar os analistas da Fox News, argumentando que estavam a fazer mal as contas e que tinham sido precipitados a declarar a vitória de Obama. A coisa foi tão ridícula que Megyn Kelly teve de ir em directo falar com os analistas para estes poderem responder a Karl Rove.

Para quem procura reunir toda a informação disponível, aquele momento televisivo absurdo era esperado. Por uma razão simples. Já há várias semanas que toda a gente sabia que Obama era o muito provável vencedor. Por exemplo, Nate Silver, o mais famoso especialista em previsões eleitorais dos EUA, dias antes da eleição atribuía mais de 80% de probabilidades à vitória de Obama. Mas quem ia seguindo os órgãos de comunicação republicanos percebia que eles sempre davam como adquirida a vitória de Mit Romney. Muitas vezes faziam debates discutindo se Obama ainda tinha algumas hipóteses de ganhar. Basicamente, viviam no seu mundo. Apenas olhavam para as sondagens feitas pelos órgãos de comunicação alinhados à direita e todas as que eram organizadas ou encomendadas pelos outros órgãos, como, por exemplo, o New York Times, a CNN ou a NBC, eram vistas como uma tentativa de manipulação de informação.

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Daí que muita gente tivesse feito como eu e assistiu à noite eleitoral da Fox News, em vez de procurar um órgão mais isento. A vontade de ver em directo a cara deles quando se convencessem de que Obama era vencedor era irreprimível. E, como já mostrei acima, valeu mesmo a pena.

Lembrei-me desta situação ao ver como muitas pessoas reagem aos números que vêem no Orçamento do Estado para 2017, que incluem projecções para 2016. Durante todo o ano, acreditaram no fim do mundo, mas agora que descobrem que o mundo não acabou, reagem como Karl Rove e recusam-se a acreditar que assim é. Negam os números, dizem que os 2,4% de défice para 2016 são apenas uma previsão, imaginam grandes conspirações com quadros orçamentais escondidos, etc. E, enquanto negam as boas notícias orçamentais relativas a 2016, vêem a DBRS a elogiar esses mesmos resultados e a manter o ‘rating’ e o ‘outlook’ da dívida portuguesa. Não só é mesquinho que tanta gente deseje que nos dêem uma má nota, como é estúpido: se não nos consideraram lixo quando as taxas de juro eram altíssimas, não é agora, com taxas entre os 3 e os 4%, que vão baixar a nota. A oposição tem razão quando se queixa de que os cenários macroeconómicos do programa do PS saíram todos furados. Mas também é verdade que, depois de um ano a anunciar o diabo, crescer 1,2% não parece muito mau. Foi a oposição que, ao criar expectativas tão más, permitiu que o governo pudesse apresentar este mau resultado (ajudado pela descida no desemprego) como uma vitória.

Compreendo que ser oposição quando não há políticas alternativas não é fácil. Se entre 2011 e 2015 não via grande alternativa à política orçamental que estava a ser seguida, também agora não há. A austeridade é uma realidade, apenas a sua composição e os grupos sociais atingidos poderão variar um pouco. E, tal como com o governo anterior apenas pudemos ter uma saída limpa graças à notação da DBRS e ao programa de compra de dívida do Banco Central Europeu, também com este governo só não precisaremos de um resgate enquanto estas mesmas condições se mantiverem. E convém não esquecer que a principal ameaça que Portugal enfrenta no momento, a instabilidade do sector bancário, é na verdade um problema que já vem de trás.

Sabermos que o défice vai ser de 2,4% em 2016 é uma excelente notícia. Devia alegrar-nos a todos. Sim, são previsões e só em 2017 saberemos o valor exacto (ainda se está a apurar com exactidão o défice de 2015…). Sim, é possível que parte dos números seja resultado de alguma contabilidade criativa, como muitos foram no passado. Mas não é uma décima para cima ou para baixo que vai alterar este bom resultado.