As pessoas não têm filhos porque numa sociedade materialista os filhos representam um encargo e um entrave ao usufruto dos bens de consumo, principal objectivo das suas vidas. Vazias naturalmente.

As pessoas não têm filhos porque não podem. Cada casal queria ter pelo menos três filhos mas não pode porque as pessoas não têm dinheiro. Desde que a troika chegou que a possibilidade de ter filhos se tornou num sonho adiado das suas vidas. Vazias naturalmente.

As pessoas drogam-se porque o capitalismo produz um excesso de sensações e a droga surge-lhes como o interdito numa vida em que a esperança não tem lugar.

As pessoas drogam-se nestes tempos de crise porque precisam de escapar a um quotidiano em que a esperança não tem lugar.

As pessoas divorciam-se porque no capitalismo tudo é fugaz. Não existe o valor dos compromissos.

As pessoas divorciam-se porque a crise comprometeu os sonhos de uma vida a dois. Com a precariedade instalada não existe o valor dos compromissos.

As pessoas deixam o país porque procuram alternativas a este modo de vida.

As pessoas deixam o país porque fogem da miséria. Em algum lugar têm de existir alternativas a este modo de vida.

As pessoas sofrem de excesso de peso porque as refeições oscilam entre o fast food na rua e os excessos em casa. Perderam-se os saberes e os equilíbrios de outrora.

As pessoas sofrem de excesso de peso porque com a crise comem muito fast food e deixaram de fazer uma alimentação mais equilibrada. Perderam-se os saberes e os equilíbrios de outrora.

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Os mais velhos estão sós porque as gerações mais novas vivem para consumir e não para cultivar os afectos.

Os mais velhos estão sós porque os mais novos estão absorvidos pela crise. Deixaram de se cultivar os afectos.

Os idosos vão para os lares porque as famílias não estão para os aturar. É o flagelo no fim da vida.

Os idosos têm de sair dos lares e viver em casa com a família porque não podem pagar os lares. É o flagelo no fim da vida.

As crianças que passam o tempo nas catedrais do consumo não sabem o valor real das coisas. Uma situação que os vai marcar.

As crianças sabem que o valor real das coisas é inacessível aos seus pais que já não os deixam olhar para as montras. Uma situação que os vai marcar.

Os alunos têm insucesso escolar porque estudar deixou de ser estimulante. As gerações futuras perdem-se na rota da desesperança.

Os alunos têm insucesso escolar porque se interrogam para que serve estudar em tempo de crise. As gerações futuras perdem-se na rota da desesperança.

As pessoas suicidam-se porque deixaram de ter de lutar pela vida. A sua morte é um grito de alerta contra o nosso estilo de vida.

As pessoas suicidam-se porque a vida é uma luta constante. A sua morte é um grito de alerta contra o nosso estilo de vida.

As pessoas têm mais cancro por causa dos excessos da sociedade de consumo. Nas sociedades mais ricas o cancro é o inimigo silencioso.

As pessoas têm mais cancro porque com a crise chegou a privação. Nas sociedades empobrecidas o cancro é o inimigo silencioso.

As pessoas são racistas porque numa sociedade de bem estar o egoísmo é a ideologia triunfante. Logo perdemos a capacidade de aceitar o outro.

As pessoas são racistas porque com a crise o egoísmo cresce. Logo perdemos a capacidade de aceitar o outro.

As pessoas fartam-se deste modelo de sociedade em que o trabalho lhes rouba a sua dimensão enquanto pessoas.

As pessoas fartam-se deste modelo de sociedade em que o desemprego as priva de se realizar enquanto pessoas.

Os jovens são violentos porque numa sociedade marcada pela abundância a violência é a derradeira forma de expressarem o seu mal estar com um mundo que não espera nada deles.

Os jovens são violentos porque numa sociedade marcada pela crise a violência é a derradeira forma de expressarem o seu mal estar com um mundo que não tem nada para lhes dar.

As mulheres são vítimas de violência doméstica porque o capitalismo reforça a violência dentro das quatro paredes.

As mulheres são vítimas de violência doméstica porque a crise reforçou a violência dentro das quatro paredes.

As pessoas não vão ao cinema porque cada vez existem mais e mais ofertas.

As pessoas não vão cinema porque não têm dinheiro.

O Natal nos tempos em que a economia estava ao serviço das pessoas era uma festa que estava no caminho progressista de deixar de ser uma celebração imbuída do espírito da ICAR em torno dos valores da sociedade patriarcal para se tornar numa data consagrada às famílias das portuguesas, dos portugueses e d@sportugues@s.

O Natal agora que a economia nos roubou as nossas vidas viu interrompido o seu aprofundamento de data consagrada às famílias das portuguesas, dos portugueses e d@s portugues@s para regredir para o paradigma de uma celebração imbuída do espírito da ICAR em torno dos valores da sociedade patriarcal.

A troca de prendas perdeu o seu simbolismo para se transformar num momento comercial, onde sobram os papéis de embrulho e falta o carinho. A perda do simbólico é um dos nossos maiores dramas.

A troca de prendas perdeu o seu simbolismo pois também ele, o simbolismo, nos foi roubado quando nos levaram o futuro. Agora já não se ouve o som festivo do rasgar dos papéis de embrulho. As prendas são poucas e apenas para os mais novos. A perda do simbólico é um dos nossos maiores dramas.

E por aqui me fico mas os leitores podem prosseguir com o texto. É simples: basta escrever uma coisa e o seu contrário.