Se tivesse de escolher os livros que me parecem melhores presentes de Natal por estes dias, creio que escolheria vários livros de Robert Opie, nomeadamente a série dos Scrapbooks que vão desde a época vitoriana aos anos setenta do século passado. São livros de grande formato, absolutamente maravilhosos, onde se reúnem, geralmente classificadas por décadas, fotografias de objectos que vão de revistas a brinquedos de crianças, passando por meios de transporte, roupas, livros, toda a espécie de anúncios e variadíssimas outras coisas. O que significa que temos, em dez livros, uma história dos diferentes objectos que, em Inglaterra, acompanharam sucessivas gerações. Uma espécie de “Em busca dos objectos perdidos”.

É uma maneira de ver o tempo que passa. Normalmente fazemo-lo pensando em pessoas, ou lendo sobre elas. Aqui há, literalmente, outra objectividade. É como se, agitando um caleidoscópio, as coisas mudassem todas, ou quase, de figura com uma impecável regularidade. O que se podia ver numa década já não se vê uma década depois, ou então adquiriu uma forma perfeitamente diferente. E aparecem coisas que não se podiam ver antes. Os objectos transformam-se, metamorfoseiam-se. Há novas funções que aparecem e outras desaparecem. Os corpos, evidentemente, também eles mudam, e imenso. E as cores. E tudo.

No fundo, há uma história do gosto social a descobrir nestes livros. Que é, em parte, uma história da democratização progressiva da sociedade. É óbvio que os objectos retratados da segunda metade do século XIX, ou nas primeiras décadas do século XX, eram objectos que faziam parte do mundo de um número muito mais restrito de pessoas do que os das décadas de cinquenta, sessenta ou setenta. E essa democratização dos objectos (hoje, é claro, muito maior ainda do que nesse tempo) vai em parte a par de uma sua perda de encanto. Para alguém que nasceu em 1960, é triste reconhecer que os objectos dos anos cinquenta eram, à sua maneira, mais belos do que os dos anos sessenta e setenta. Não é que tenha algo contra o mundo da cultura pop. Foi nesse mundo que nasci e cresci e permanece, embora cada vez mais longinquamente, o meu mundo. Sei as suas cores, as suas formas. Mas é difícil não reconhecer que algo se perdeu com a sua criação.

Seja como for, vê-se também nos objectos a ideia da felicidade, e vê-se a sua mudança, década após década, reflectida nos objectos desejados pelas crianças e pelos adultos. Necessidades novas surgem, outras tendem a desaparecer. Isso é particularmente nítido no espantoso mundo dos electrodomésticos, dos aspiradores aos frigoríficos. E na televisão, é claro. Os anos cinquenta foram prodigiosos na criação de objectos. Até os maços de cigarros, que sofreram a triste evolução que se sabe, eram lindos.

Robert Opie reduz sabiamente o texto a um mínimo quase imperceptível. E não é preciso mais. Num certo sentido, os objectos falam por si mesmos. E, por assim dizer, dão-se uns com os outros, exprimem-se, espelham-se, uns aos outros. As latas de comida e os frascos que se vêem na despensa falam com os carros e as roupas. Cada tempo tem uma linguagem própria e coisas para dizer que lhe são particulares. Os anos cinquenta, por exemplo, falam muito do futuro, tanto nos livros como nos brinquedos das crianças. E cada década tem a sua maneira de dizer a relação entre a casa e o exterior. Nos anos sessenta e setenta a relação torna-se muito mais aberta, quase porosa. Uma diferença abissal para com a época vitoriana, mas também para com toda a primeira metade do século.

É difícil dizer a fascinação que estes livros provocam e eu bem gostava de ter a sensibilidade e o saber profissional de um historiador para falar com acerto e detalhe deles. Como não tenho, fico-me por aqui. Mas recomendo os livros de Robert Opie de alma e coração. São livros que, através da história dos objectos, fazem viajar. E mostram-nos como o mundo de ainda há pouco tempo era um mundo muito, mas mesmo muito, diferente do nosso. O tempo do mundo dos humanos é um caleidoscópio que se agita e muda regularmente as suas formas.

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