A Presidência da República sempre foi um epicentro de clareza na política portuguesa — para o bem, para o mal e para o péssimo. Ramalho Eanes acreditava no poder dos galões: tirava o seu poder político do facto de ter sido o homem do 25 de novembro e de ser o militar que podia reenviar os restantes militares para os quartéis. Mário Soares acreditava no poder da palavra: as Presidências Abertas e o “direito à indignação” foram a sua forma de influenciar as decisões políticas. Jorge Sampaio acreditava no poder dos artigos 133 e 172 da Constituição: foi com eles que dissolveu o Parlamento e devolveu Pedro Santana Lopes à vida privada. Cavaco Silva acreditava no poder do silêncio: falando pouco, aumentava a lenda da sua capacidade de agir nos bastidores.
Também sempre se percebeu o que cada Presidente pensava dos seus primeiro-ministros. Eanes achava que Soares era incompetente e Sá Carneiro instável; Soares achava que Cavaco Silva era ignorante; Sampaio achava que Santana Lopes era incapaz; e Cavaco Silva achava que Sócrates era perigoso.
E Marcelo Rebelo de Sousa? Sabemos que acredita no poder dos afectos e que acha que António Costa é um “optimista irritante”. Mas isso é pouco e é curto. Há poucos dias, o Presidente da República deu um exemplo perfeito da forma nebulosa como encara a sua relação com o Governo, com a oposição e com o país.
Quando decidiu comentar os números do défice e a política económica de António Costa, o que disse Marcelo? Tudo. E nada. Ao mesmo tempo. Depois de várias considerações, a frase definitiva foi esta: “Só no final do ano é que nós, em rigor, poderemos saber se este caminho teve o sucesso que o Governo esperava ou não”.
Deixem-me ver se estou a perceber bem: Marcelo Rebelo de Sousa é neste momento um dos homens mais bem informados do país, tem a capacidade de recolher todos os números e estatísticas do Estado, pode chamar a Belém os melhores economistas do planeta, tem várias décadas de experiência política, é um respeitadíssimo professor universitário de Direito Constitucional e Administrativo, fala regularmente com as grandes figuras da economia e da banca — é tudo isto, faz tudo isto e consegue tudo isto, mas o que tem a dizer sobre as virtudes ou os vícios da política económica do governo é: “Perguntem-me no fim”.
Se a única coisa que há a fazer é esperar pelo final para ver os resultados, então não precisamos de um Presidente. Marcelo não tem que ser um Zandinga, mas também não precisa de ser um notário. Se elegemos, por voto direto, um Presidente da República é para que ele tenha convicções (e convicções fortes) sobre a forma como o país é governado. A Marcelo Rebelo de Sousa falta esta clareza, que ilumina, esclarece e, detalhe importante, separa. Seis meses depois de chegar a Belém, Marcelo, que na aparência fala sobre tudo e sobre todos, continua a ser um mistério.