A semana ficou marcada pela morte do brutal ditador cubano Fidel Castro – responsável directo pelo assassinato de muitos milhares de pessoas e pela pobreza, repressão e desespero de milhões – e por muitas reacções que comprovaram – uma vez mais – a profunda duplicidade moral de uma parte importante da esquerda. Entre nós, para além do expectável – mas nem por isso menos lamentável – desfile de elogios mediáticos, fica para o julgamento da história a marca dos vergonhosos votos de pesar pelo brutal ditador aprovados com os votos de comunistas e socialistas inseridos em vários partidos políticos representados na Assembleia da República.

Entre nós, o melhor resumo breve da vida e obra de Fidel Castro foi provavelmente o conseguido por João Carlos Espada que, de forma tão sintética como certeira, lembrou que “o torpe ditador terceiro-mundista construiu em Cuba uma horrível prisão comunista”. De forma um pouco mais desenvolvida, Sebastião Bugalho descreveu de forma objectiva e assertiva o essencial da figura de Fidel enquanto protagonista político: “Fidel Castro não era um “comandante”, um “líder”, um “ícone” ou um “histórico”. Era um ditador. Um tirano que prendia quem discordava dele e que se manteve no poder durante cinco décadas sem eleições.”

Para o povo cubano, o legado de Fidel é inequivocamente de repressão, isolamento, pobreza e sub-desenvolvimento, numa ilha-prisão construída à medida dos grotescos e desumanos planos do castro-comunismo. O gráfico seguinte (via Mário Amorim Lopes com dados do Maddison project database) ilustra bem as consequências económicas do castro-comunismo:

Gráfico_Observador_128

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Como o mesmo Mário Amorim Lopes resumiu: “Até aos anos 50, Cuba era um país rico, pelo menos em comparação com os restantes países da América Latina. Mesmo quando ajustado à bitola dos países ocidentais, Cuba, não sendo um portento económico, comparava bem com Portugal ou com Espanha, tinha a mesma riqueza per capita do que Itália e era mais rica do que o Japão.”

O assassinato deliberado de seres humanos inocentes seria sempre condenável, mas as numerosas tentativas de redenção de Fidel são ainda mais chocantes considerando a natureza assumida pelo seu regime ao longo de décadas e o facto de o seu abismal registo de brutal desrespeito pelos mais elementares direitos dos cubanos ter perdurado bem para além dos momentos de implantação do regime. A duplicidade moral da esquerda já foi aqui bem dissecada por Maria João Marques e José Manuel Fernandes, mas parece-me importante reforçar dois elementos.

O primeiro é que Fidel, ao contrário por exemplo do igualmente celebrado Che Guevara, não era um mero psicopata a quem o fanatismo ideológico comunista e as circunstâncias possibilitaram colocar em prática os seus brutais e desumanos delírios sanguinários contra inúmeras vítimas inocentes. Fidel era bem mais metódico e oportunista, de tal forma que só caiu nos braços da URSS depois de fracassar na busca do apoio dos EUA. Foram aliás essas características que lhe terão permitido perdurar no poder ao longo de décadas.

O segundo é que o legado negativo de Fidel transcende em muito o sofrimento imposto ao martirizado povo cubano. Ao longo de décadas – e em especial no auge da Guerra Fria – Fidel e o seu regime semearam o terror e a destruição em vários pontos do mundo, desde Angola ao Chile. Este é um aspecto relevante e que importa não esquecer na avaliação histórica do castro-comunismo e das suas consequências globais.

Por tudo isto, é fundamental denunciar a duplicidade moral da esquerda e – como bem apelou Zita Seabra – impedir as tentativas de apagar a memória dos inúmeros crimes do regime comunista cubano e de Fidel em particular. Segundo os relatos recebidos, o brutal ditador cubano terá morrido na cama, pacificamente. Importa recordar que, infelizmente, as suas milhares de vítimas não tiveram a mesma sorte.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa