Os factos — espoletados por uma oportuna investigação do Observador — são relativamente simples: Nuno Félix, chefe de gabinete do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, declarou para efeitos do despacho de nomeação em Diário da República que tinha duas licenciaturas: uma em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa e outra em Direito pela Universidade Autónoma. Ambas, segundo as respectivas Universidades, inexistentes.

Ou seja, o chefe de gabinete do secretário de Estado da Juventude e do Desporto prestou declarações falsas não sobre uma, mas duas licenciaturas, estabelecendo um novo recorde no triste desporto de caça ao canudo imaginário na classe política portuguesa. Confrontado pelo Observador com as falsas declarações, Nuno Félix apresentou prontamente a sua demissão mas as implicações do caso vão muito além da sua figura.

Numa primeira abordagem, trata-se de mais um caso da obsessão nacional com títulos académicos. Uma obsessão com especial incidência na classe política e que encontra no trajecto de vida típico de muitos jotinhas terreno fértil para falsificações e fraudes mais ou menos sofisticadas quando a necessidade do canudo se torna mais premente. Note-se que tendo em conta a natureza das funções a gravidade não está na ausência de licenciatura mas na mentira e, não menos importante, no sentimento de absoluta impunidade que a conduta revela.

Mas o caso assume contornos bem mais graves se considerarmos o historial de Nuno Félix no Ministério da Educação e a sua relação com Tiago Brandão Rodrigues. Segundo João Wengorovius Meneses, o anterior secretário de Estado da Juventude e do Desporto, a situação de Nuno Félix era do pleno conhecimento do ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues há meses e constituiu mesmo um dos motivos da saída de Wengorovius do governo.

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Por este e outros motivos, Wengorovius terá pretendido exonerar Nuno Félix mas a decisão terá sido travada pela intervenção directa de Tiago Brandão Rodrigues, cuja relação pessoal com Félix se sobrepôs aos motivos que aconselhavam a sua demissão. Se considerarmos adicionalmente o cenário de um ministro da Educação a dar cobertura a duas licenciaturas falsas, a ironia atinge proporções só ultrapassadas pela falta de vergonha dos intervenientes.

Se ainda restar algum vestígio de decência e sentido institucional no governo da “geringonça”, o tempo de Tiago Brandão Rodrigues no papel de ministro da Educação só pode ter chegado ao fim. Mesmo considerando que não deverá ser fácil para o PCP e para a Fenprof arranjar um substituto à altura — e que essa dificuldade será neste momento o principal capital político de Tiago Brandão Rodrigues — só por brincadeira de mau gosto se poderá falar em regular funcionamento das instituições se António Costa não substituir rapidamente o delegado de Mário Nogueira no governo.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa