Nem toda a investigação é inútil; nem todo escândalo mediático é destituído de sentido; em contrapartida, o PS parece ser incorrigível… Eis os primeiros comentários que vêm à cabeça quando os «media» se enchem de notícias acerca da forma imprópria como estava a ser gerida uma associação sem fins lucrativos destinada a agir em favor dos doentes com doenças raras e, sobretudo, quando essas notícias rapidamente começaram a fazer caír cabeças entre alegados responsáveis pelas impropriedades detectadas nessa associação beneficiária do estatuto de Instituições Particulares de Segurança Social (IPSS) conferido pelo Estado!

Já sabem do que estou a falar. O caso das «Raríssimas» está, com efeito, recheado de lições importantíssimas sobre a forma como esse tipo de associações funciona frequentemente e como o Estado as financia sem as controlar devidamente, aliás não só do ponto de vista financeiro mas também técnico. Simplificando, as IPSS foram criadas em 1983 a fim de dar cobertura jurídica ao crescente financiamento que o Estado concedia a instituições como as Misericórdias no quadro do crescimento do chamado «estado social». Os lares, nomeadamente, com o tempo acabaram por absorver grande parte dos serviços sociais do país, beneficiando de transferências do sector público para o privado estimadas já há algum tempo em 1% do PIB.

Alguns comentadores vão mais longe e falam dos «interesses do «lobby da Igreja Católica» ou, no caso das «Raríssimas», dos interesses de pessoas com capacidade para chegar às alturas políticas onde são concedidos os apoios financeiros. Ora, estamos a ver que género de pessoas são essas. Entretanto, descobrimos que, em matéria de «redes sociais», o PS é de facto incorrigível quando substituiu o membro do Governo que se demitira pela familiar de um antigo ministro de Sócrates e actual deputado europeu. Isto para não falar da presença nos corpos gerentes da IPSS em questão, ainda há pouco tempo, de um dos mais importantes ministros actuais, o qual gere maior fatia financeira do governo, enquanto os jornais faziam saber que o financiamento do Estado às «Raríssimas» tinha aumentado quatro vezes desde que o PS está no governo!

Esta desobrigação crescente do Estado perante os seus compromissos sociais é defendida pelos apóstolos do dito «sector social» com o argumento da proximidade das instituições privadas em relação aos beneficiários dos diversos tipos de cuidados. Na realidade, porém, essa tentativa de reduzir a despesa pública deve-se, sim, à pressão dos lobbies presentes no sector e aos preços mais baixos praticados no sector privado, devido sobretudo a baixos salários inaceitáveis na função pública (algo semelhante se deve passar com as cozinhas escolares, etc.).

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Só que, como explicava há menos de um ano uma antiga ministra da Saúde do PS, este argumento dos preços baixos é uma falácia que acaba por ser paga pelos utentes, nomeadamente nos lares, sob a forma de serviços prestados por pessoas sem qualquer formação nem meios adequados e onde não são geralmente praticadas as actividades de envelhecimento activo recomendadas, como tive oportunidade de ver por motivos profissionais.

Isto quando não se trata pura e simplesmente do desvio de dinheiro para dirigentes, consultores e amigos como no caso dessas «raríssimas» demasiado frequentes! Com efeito, uma coisa são antigas instituições dirigidas por profissionais de saúde altamente especializados, como por exemplo a Associação Protectora dos Diabéticos Portugueses, e outra coisa – muito diferente! – são as criações avulsas de empregos bem remunerados para a própria e a sua família, em nome das doenças raras de outrem, consumindo milhões ao Estado sem a vigilância necessária, como se viu ser o caso desta alegada IPSS. E se não houve vigilância financeira, quem nos diz que há vigilância médica e técnica competente?

As associações de doentes são, com efeito, organizações fundamentais não só para a defesa dos seus interesses como também para a aprendizagem e socialização acerca da doença, como tem sido estudado no estrangeiro, mas são poucas e débeis em Portugal. O mesmo se passa com a grande maioria das instituições que pretendem ocupar-se das pessoas mais velhas mas também estas deveriam ser protagonizadas pelos interessados e não transformadas em formas antiquadas de «caridade» e muito menos em negócios que não existiriam sem o mau uso dos meios do Estado. A Segurança Social, a par da Função Pública, continua a ser porventura uma das duas maiores fontes de clientelismo do Estado português!