Deliberadamente, ou não, a Regionalização e a Descentralização de competências do Estado passou, literalmente, ao lado da recente campanha autárquica. Independentemente dos resultados eleitorais já conhecidos, o longínquo Referendo de 1998, afeto à temática da Regionalização, permaneceu em “banho maria” nas aspirações do atual executivo até, pelo menos, ao momento pós-autárquico que atualmente vivemos.

O Conselho de Ministros aprovou a 16 de fevereiro de 2017 a Proposta de Lei N.º 62/XIII, a qual prevê a transferência de competências para as Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais. Em documento com a mesma data, emanado pelo Gabinete do Ministro Adjunto, é dito, em referência à Proposta de Lei citada que “este pacote de Descentralização, previsto no Programa do XXI Governo Constitucional e encarado como pedra angular da reforma do Estado, tem em vista reforçar e aprofundar a autonomia local, através da transferência de competências da administração direta e indireta do Estado para órgãos mais próximos das pessoas”.

Entre outras áreas, prevê-se a transferência para as Autarquias e Entidades Intermunicipais de um conjunto de competências em áreas como a educação, saúde, ação social e áreas portuárias. Antes de mais, dizer que a minha posição é favorável à Descentralização, ou seja, à transferência de competências, e por inerência de maior autoridade e responsabilidade, da tutela para entidades locais/regionais. Justifico esta minha posição pela maior celeridade na ação e na tomada de decisões, pelo facto de proporcionar decisões mais ajustadas às condições locais/regionais, pela maior proximidade do poder local com os seus munícipes, e, não menos importante, pelo facto de libertar a tutela para outro tipo de decisões, vincadamente estratégicas para o país e indutoras de uma visão conceptual do Estado.

Subsidiariamente, o novo fluxo de competências locais/regionais a instituir poderá contribuir para a formação e desenvolvimento pessoal dos quadros envolvidos no processo, proporcionando um aumento do nível de motivação e de cooperação inter-regional. Contudo, apesar destas e de outras virtudes da descentralização, existem riscos inerentes. À partida, numa fase inicial do processo, a eventual ausência de monitorização nacional poderá desvirtuar os objetivos da tutela. Por outro lado, acaso a transferência de autoridade e responsabilidade não seja clara, transparente e percebida pelas entidades locais/regionais, a uniformidade de ações e políticas de âmbito nacional poderá estar em causa e gerar conflitos institucionais.

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Dito isto, dado o contexto autárquico atual, deverá ser acautelado um conjunto de aspetos na salvaguarda do interesse público, sob pena de alavancar alguma falta de transparência autárquica que é manifestamente refletida no Índice de Transparência Municipal (ITM). É preocupante a falta de transparência de um grande número de Autarquias, sendo que as questões que se colocam são as seguintes: (i) será que as Autarquias estão preparadas para acolher a transferência de competências? (ii) será que o Estado fará uma mera passagem de testemunho ou estará a preparar ações específicas para a transferência de competências para as Autarquias? (iii) em função da heterogeneidade autárquica em matéria de transparência, haverá maior cuidado da tutela no processo de descentralização nalgumas entidades locais/regionais deficitárias naquela matéria? (iv) no âmbito do processo em causa, estarão planeadas ações de capacitação interna em função das especificidades locais/regionais? Em face dos objetivos da reforma em causa, a não serem acauteladas as questões suscitadas, temo que a falta de transparência de muitas Autarquias seja contraproducente.

Pese embora a evolução significativamente positiva da média do ITM (aumento de 22,4 pontos entre 2013 e 2016), a ausência de ‘informação relevante, fidedigna, atempada, inteligível e de fácil acesso sobre formato, desempenho e gestão do bem público’ ainda vigora em inúmeras Autarquias (em 2016, a média do ITM foi de 52,4 pontos em 100 pontos possíveis, sendo a mediana de 47,7 pontos).

Descentralizar competências para as Autarquias e Entidades Intermunicipais? Reitero a minha posição afirmativa, acrescentando que poderá ser relevante para o desenvolvimento do país como um todo, mas apenas considerando o conjunto de ressalvas referidas e em estrito respeito face às idiossincrasias locais/regionais. Caso contrário, o Estado irá transferir competências, vulgo poder, para algumas Autarquias que teimam em não tornar públicos os atos, decisões e processos de governação, em claro prejuízo do erário público e colocando em causa princípios de equidade, igualdade ou de justiça social.

Economista