Nunca vi um partido e um governo cometerem tantos erros como o Syriza e a coligação grega nos últimos dez dias. Tudo começou ainda antes de formar governo com a aliança com os Independentes Gregos. Como se percebeu, a coligação já tinha sido preparada bem antes das eleições, para o caso de os dois formarem maioria, como veio a acontecer. O acordo com um partido populista e nacionalista de extrema-direita foi uma provocação para os governos francês e italiano, que enfrentam ameaças semelhantes. Ou seja, com a coligação interna, o Syriza perdeu o apoio dos dois governos de esquerda que poderiam ajudar algumas das suas pretensões.

Em segundo lugar, logo no primeiro dia de governo, com o apoio à Rússia, o governo grego conseguiu irritar a Alemanha, a Holanda e a Finlândia. Merkel passou meses a construir um consenso na Europa (e na Alemanha) sobre a política russa, chega um novo governo e a primeira declaração diplomática foi um ataque à posição europeia sem qualquer discussão com os outros governos. Os finlandeses, ameaçados pelo expansionismo russo, ouviram o governo grego negar a existência de uma ameaça russa. E o governo holandês, que viu centenas de holandeses morrerem quando o avião da companhia aérea da Malásia foi abatido por armas russas, ouviu um governo da União Europeia professar a sua amizade por Putin. Se o Syriza estivesse empenhado em espalhar antipatia pela Europa, não faria melhor.

Mas o pior de todos os erros foi ter tornado as divergências sobre a dívida e o financiamento gregos num jogo de soma nula. Com as decisões iniciais de aumento da despesa pública e a rejeição do pedido da extensão do programa, sem qualquer discussão com as autoridades europeias, o unilateralismo grego transformou uma hipotética vitória grega numa possível derrota alemã. Durante a primeira semana no poder, o governo grego condenou as suas promessas ao fracasso e matou o seu programa eleitoral.

O que se seguiu foi uma “tournée” europeia entre o patético e o desastroso. Após o encontro com o ministro das Finanças grego, George Osborne confidenciou aos seus colegas de governo que tinha tido uma discussão com um académico, e não uma reunião com um ministro. O PM italiano, Renzi, ofereceu uma gravata ao PM grego (um acto nunca visto na história da integração europeia). O Presidente Hollande recusou perguntas na conferência de imprensa com Tsipas. Todos sabem o que isso significa: desacordo absoluto sobre o que interessa. E acrescentou, com o sarcasmo que só um político francês alcança, “chegámos a acordo sobre políticas culturais e de cooperação universitária.”

O calvário das viagens terminou com o encontro entre Yanis Varoufakis e Mario Draghi. Como lhe competia, Draghi limitou-se a explicar as regras do BCE. Não há financiamento a países com uma cotação de dívida muito baixa (habitualmente conhecida por “lixo”) se não estiverem no programa de apoio externo (para as almas de esquerda mais sensíveis convém recordar que Dilma deu uma resposta semelhante ao então PM português José Sócrates). Foi a recusa do novo governo grego em pedir a extensão do programa que forçou o BCE a tomar esta posição. Como é óbvio, o Syriza conhecia as regras.

Há duas interpretações para esta sucessão de erros. A primeira considera o governo grego composto por políticos amadores e inexperientes. Neste caso, o cenário mais provável será o recuo do governo grego, como de resto já aconteceu em relação à redução da dívida (e de certo modo no caso das sanções contra a Rússia). Neste caso, a principal frente de batalha passará para a política grega. Como irá o governo grego lidar com a quebra das promessas eleitorais? E conseguirá preservar a unidade do Syriza? Há um segundo cenário, mais negativo. O governo grego culpa a “Europa” e chega à conclusão que a melhor forma de manter o poder será retirar a Grécia do Euro. Estamos mais perto do desastre do que há duas semanas. Por culpa do governo grego que conseguiu em cerca de dez dias isolar-se do resto da Europa. Até o Podemos já se começou a afastar.

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