No livro Porque falham as Nações Daron Acemoglu e James Robinson começam por descrever a vida de duas localidades a poucos passos uma da outra, Nogales, no Arizona, EUA e Nogales, Sonora, México. Numa as crianças vão à escola, a maior parte das pessoas tem educação secundária, população é relativamente saudável e as pessoas não têm medo de sair à rua. Na outra, com um rendimento médio que é um terço da dos seus vizinhos, há muitos adolescentes que não vão à escola, a taxa de mortalidade infantil é mais elevada, a esperança de vida é mais baixa que a de Nogales no Arizona, a taxa de criminalidade elevada e abrir um negócio é arriscado.

Este é um exemplo que fala por muitos tratados sobre a explicação da riqueza, pobreza e desenvolvimento económico dos países e regiões. Tudo parece resumir-se a instituições que funcionam, a leis que não são apenas escritas mas que se impõem e aplicam e a relações entre agentes económicos, do trabalho e do capital, do consumo e da produção, que se interligam. É uma lição para quem quer de facto desenvolver um país.

Ao olharmos para trás temos a tentação, hoje mais do que nunca, de atribuir as responsabilidades do anémico, para não dizer medíocre, crescimento da economia portuguesa durante as quase duas últimas décadas à moeda e à liberdade financeira. É preciso antes perguntar se o crescimento da economia portuguesa teria sido mais elevado se não tivéssemos participado na União Monetária, se não tivéssemos tido a liberdade financeira que tivemos e temos.

É impossível provar que a alternativa, não aderir ao euro, seria melhor para o crescimento e desenvolvimento do país. Poderia bem ter sido pior, bastando para isso pensar no que são os constrangimentos ao crescimento económico de Portugal e que desempenharam um papel muito importante nos problemas que hoje enfrentamos.

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A fragilidade das instituições é um dos mais graves problemas. É um lugar comum dizer que temos leis óptimas mas que não são aplicadas. O mais grave ainda é todos considerarmos normal não respeitar a lei, cada um de nós e toda a sociedade, nas empresas como no Estado.

Entre os empresários e a elite portuguesa está instalada também uma cultura de direitos, não verbalizados nem sentidos como os que se vão referindo em relação aos trabalhadores ou aos pensionistas, mas sim numa forma de “direito divino”. Têm o direito a ter salários elevados, têm o direito a ter carros e casas. Não têm o dever de gerir bem as empresas, de as modernizar, de olhar para a companhia como um colectivo. Claro que se está a fazer uma generalização, claro que há empresas que não são assim, mas a maioria, aquela que faz mover a economia, actua dessa forma.

O facto de empresas estrangeiras a trabalharem em Portugal registarem elevados níveis de produtividade deveria gerar na maioria dos empresários e gestores perguntas. A mais básica de todas é: porque não conseguem a mesma produtividade nas suas empresas? Quem sabe não será porque as descapitalizam, metendo ao bolso os lucros que as empresas geram muito mais do que deviam, em vez de as modernizarem investindo em equipamento e formação das pessoas. Mas ser rico sob a forma de ter carros e casas parece ser a maior ambição da maioria dos empresários e gestores portugueses.

Paralelamente subsiste no país a cultura do condicionamento industrial do Estado Novo. Excesso de regras, que quem tiver dinheiro consegue não cumprir ou contornar, mas que dificulta a entrada de pequenos e médios empresários, o crescimento de novas empresas e novas lideranças empresariais. Aquilo que alguns pequenos empresários conseguiram fazer, por exemplo, no sector do turismo, do alojamento local aos “tuk-tuk”, pode ser considerado um autêntico milagre.

Há ainda todo um conjunto de custos que favorecem as elites empresariais instaladas, como é o caso da energia e até dos transportes. Temos extraordinárias auto-estradas, caríssimas para quem as tem de usar. As estradas que não pagam portagem estão votadas, na maioria, ao abandono.

A educação e a saúde vão-se degradando pela ausência de estabilidade no primeiro caso, pela sucessiva falta de recursos para o Serviço Nacional de Saúde no segundo caso, sem que o sector privado seja capaz de resolver o problema de uma vasta classe média. Porque é esta, a classe média, que tem sido sucessivamente esquecida e deixada ao abandono caso fique sem emprego ou sem saúde. Ou até na velhice. O Estado Social é uma expressão que para a classe média faz cada vez menos sentido.

Temos capitalistas e gestores que são mais rentistas do que empresários, no sentido em que se concentram mais em extrair rendas do que em gerar valor. Sim tivemos governantes que cometeram erros, que fizeram escolhas erradas. Mas não o teriam feito se a sociedade como um todo fosse mais exigente e se parte dos gestores e empresários mais ligados ao poder não fossem rentistas.

Atribuir a responsabilidade ao euro, aos financiadores que nos emprestaram dinheiro sem qualquer prudência é não perceber o problema que temos. Sem o euro e sem o crédito fácil que tivemos a história seria diferente, mas na sua essência seria igual. O problema está em nós, na nossa falta de exigência. Estamos mais perto de Nogales, Sonora do que Nogales, Arizona. É na força das instituições e do Estado de Direito que temos de colocar as nossas prioridades para crescer.