Como outros economistas considero que a riqueza ou pobreza das nações não tem a ver com a riqueza dos recursos naturais, mas sim com a qualidade das suas instituições. Vários países ilustram esta realidade de forma paradigmática. A Suíça não tem particulares recursos naturais e é um dos mais ricos países da Europa. Angola, apesar dos seus inúmeros recursos naturais, classifica-se muito mal no Índice de Desenvolvimento Humano desenvolvido pelo Banco Mundial. É de uma melhoria nas instituições, económicas, sociais ou políticas, que se poderá esperar o desenvolvimento de um país. Neste artigo debruço-me sobre a instituição Assembleia da República (AR).
A AR ocupa um lugar privilegiado, no quadro das instituições políticas. Tem importantes competências políticas, legislativas e de fiscalização do governo. Como todas as instituições, os seus recursos são limitados, pelo que o seu uso eficiente será essencial. Vindo de mais de três décadas da Universidade, em que estive em exclusividade de funções, olho agora para esta instituição na perspetiva que analiso todas, a sua capacidade de implementar eficazmente aquilo que são as suas competências no quadro de aspetos processuais justos. Tenho a noção que existe uma inércia institucional e uma resistência à mudança, mas não posso aceitar o argumento da tradição, para que se mantenham certas práticas que considero questionáveis e a merecer reflexão e eventual reforma. Abordo neste artigo três dessas peculiaridades que me deixaram algo perplexo.
Uma das competências da AR é apreciar as iniciativas europeias. Nestas convém distinguir aquilo que são iniciativas legislativas, daquilo que são Relatórios da Comissão ou outros documentos de caráter não legislativo. Existe na AR, e na União Europeia, uma burocracia parlamentar excessiva e ineficaz. Para certas iniciativas europeias mesmo não sendo legislativas (por exemplo o Relatório Anual do Crescimento que inicia o Semestre Europeu), depois de entrarem na AR são endereçadas à Comissão de Assuntos Europeus (CAE), que por sua vez a distribui a várias outras Comissões parlamentares competentes para produzirem de forma autónoma pareceres, debatidos e aprovados nessas comissões, que por sua vez são enviadas à CAE que produz o seu Parecer e que é enviado para Bruxelas como posição da AR. Perguntar-se-á o leitor qual o efeito prático de todo este trabalho? Pois a resposta, está aqui. É possível saber, à distância de um clique, quais as comunicações realizadas em 2015 pela Assembleia da República portuguesa (e dos outros países da União Europeia) a Bruxelas, e em que casos ela foi respondida pela Comissão Europeia, ou seja, em que casos temos a certeza que a UE leu os pareceres dos parlamentos dos estados Membros. No caso português, foram enviados 25 comunicações para Bruxelas, e foram recebidas apenas duas respostas. A Inglaterra apresentou apenas 7 comunicações e recebeu 5 respostas, a Irlanda apenas 3, sobre temas relevantes para o país (pescas e géneros alimentícios geneticamente modificados) e teve resposta a duas. Facilmente se consegue identificar a ineficácia comparada da AR portuguesa e a necessidade de alteração e de melhoria das práticas.
Outra das competências da AR é a fiscalização do governo, nomeadamente apreciar a Conta Geral do Estado, que é um documento da responsabilidade do governo e que deve ser analisado na AR e votado após parecer do Tribunal de Contas, conforme estabelece a Constituição da República Portuguesa (CRP). Cabe à AR, no âmbito da sua função de fiscalização, a apreciação e votação da Conta Geral do Estado (CGE) após detalhado Parecer do Tribunal de Contas sobre a CGE. Há agora outra instituição especializada – a Unidade Técnica de Apoio Orçamental – que analisa a CGE. Apesar de não constar da CRP nem do regimento da Assembleia da República, nem de forma explícita da Lei que cria o Conselho Económico e Social (CES), o CES também emite o seu Parecer, e à semelhança do Tribunal de Contas existem audições parlamentares a estas duas instituições. Para além destes pareceres todas as comissões parlamentares elaboram pareceres que enviam para a Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFMA) que elabora o seu parecer. Parece-lhe burocracia e procedimentos a mais, caro leitor? Também me parece.
A última questão que me parece merecer reflexão é a das petições individuais. As petições são formas de participação cívica da maior importância. Houve já petições que mobilizaram mais de 150.000 cidadãos. Também aqui a comissão parlamentar competente deverá apreciar e deliberar sobre as petições, incluindo elaborar e aprovar um relatório que deverá ser enviado ao Presidente da Assembleia da República para tomar as previdências julgadas adequadas. A Lei das Petições prevê mesmo que, sempre que o número de signatários seja superior a 4000, terão de ser objeto de apreciação em plenário da Assembleia da República. Mas todas, inclusive as individuais, são objeto de relatório. Aquilo que merece reflexão é a possibilidade de realizar petições individuais. Tratando-se de matérias relevantes um cidadão não conseguirá encontrar 5 ou 10 concidadãos que subscrevam essa petição? Será que faz sentido apreciar petições individuais? Não deveria haver alguns mecanismos de triagem? Os tribunais têm, a AR não deveria ter?
Os recursos técnicos e humanos da Assembleia da República são limitados. Como qualquer instituição o seu eficiente funcionamento melhorará a capacidade de a AR desempenhar as suas funções políticas, legislativas e de fiscalização. Estou convicto que há um conjunto significativos de deputados e deputadas, independentemente do seu posicionamento ideológico, que são sensíveis ao problema do excesso de burocracia, que não se justifica mesmo tendo presente a responsabilidade da AR como sede da democracia da República. Um simplex para a Assembleia da República precisa-se.
Professor do ISEG e Deputado Independente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. As opiniões aqui expressas só vinculam o seu autor.