Ao certo não sei precisar o significado de “uma coisa que não me assiste” mas desde que ouvi esta expressão que espero por uma oportunidade para a usar. E o dia de reflexão é obviamente um dia que não me assiste.
É claro que no domínio das frases improváveis, que colecciono como quem guarda selos num álbum, há uma maravilhosa que infelizmente nunca ouvi mas que os adolescentes da família garantem que era proferida por um homem, algures no Alentejo, que vendia bilhetes para uma pista de carrinhos de choque: “As crianças não pagam também não andam!” Não querendo eu perturbar a reflexão devida à data digamos que este senhor é uma espécie de condensado dos nossos dilemas eleitorais. Mas é melhor ficarmos por aqui e voltarmos ao que não me assiste. Por exemplo, iluminações de Natal em Outubro.
Tenho a certeza que elas já estão quase aí. Até já avistei uns saquinhos papel com pinguins a patinar no gelo e uns ursinhos saltitantes que desde que as figuras do presépio foram saneadas fazem as vezes dos Reis Magos, do Menino Jesus, de São José… Claro que este Natal versão zoológico também há-de ter o seu fim pois algum activista há-de chamar a atenção para o óbvio: os animais não se revêem nos nossos festejos natalícios.
Estes últimos aliás são uma festa antropocêntrica que certamente terá de ser revista pois não é normal que se utilize a imagem dos animais numa celebração que não respeita a identidade de cada uma das espécies envolvidas e em que, para cúmulo, os animais ou fazem trabalho não regulamentado – como é o caso das renas (dar a volta ao mundo em 24 horas a puxar um trenó carregado de embrulhos mais um obeso é uma mau trato óbvio) ou, pior ainda, como sucede com o bacalhau, o perú e os capões, acabam sacrificados e, devidamente marinados ou demolhados, são fritos, guisados, assados e refogados, misturados com azeite, ervas aromáticas, batatas (às rodelas, inteiras ou palha), natas e legumes. Numa sociedade avançada tal não pode acontecer.
Estou aliás convicta que dentro de alguns anos acabaremos a fazer umas recriações em plena natureza em memória dos animais que agora comemos mas, como felizmente já não terei idade para esses carnavais, fico-me pelo presente que já tem que se lhe diga. Assim na esperança de que o frenesi eleitoral nos poupe a essa esquizofrenia do calendário que nos mete a ouvir sininhos em Outubro, venho dar conta de algo que, a par da antecipação dios festejos natalícios, também não me assiste. Trata-se do mistério do zelo da CNE fora do específico dia da reflexão.
Não entendo que a CNE, que tanto se afinca sobre o que escrevemos e dizemos neste dia dedicado à reflexão, nunca tenha perdido um dia a reflectir sobre o que acontece fora desse dia. Por exemplo, sobre esses periódicos no mais puro estilo Coreia do Norte constituído pelas revistas editadas pelas câmaras e juntas de freguesia.
Todos os periódicos dessa natureza que folheei não passam de propaganda pura e simples. Uns de exaltação do Querido Líder presidente da junta ou da autarquia. Outros, mais discretos, de exaltação da obra do Querido Líder presidente da junta ou da autarquia. Neste último domínio – o da exaltação da obra – predominam as fotografias do antes/depois e as entrevistas aos artistas que depois, devidamente contratados pelas referidas autarquias, animam os concertos ditos gratuitos do Verão. No primeiro domínio – o da exaltação do Querido Líder presidente da junta ou da autarquia – estou a estabelecer um ranking do número de vezes que o Querido Presidente pode aparecer na publicação.
Para já o vencedor deste meu ranking é a presidente da Câmara Municipal da Amadora que, para bem dos seus munícipes e dela mesma, é relativamente fotogénica porque se tivermos em conta que numa das revistas daquele município publicadas este ano, a dita autarca, Carla Tavares de seu nome, aparece 23 vezes temos de admitir que o aspecto, o guarda-roupa e seus adereços são mesmo importantes.
Dir-me-ão que a 26 de Junho de 2013 a CNE alertou para os preceitos a observar pelas autarquias nos boletins municipais distribuídos durante o período eleitoral. É verdade mas a mim aquilo que não me assiste são precisamente os boletins municipais publicados fora do período eleitoral. Não tenho nada contra pagar propaganda eleitoral. Até apoio o aumento da dotação para os partidos. Desde que seja tudo claro. E os boletins e revistas municipais estão transformados em propaganda paga por nós mas que nos é apresentada como uma inócua informação.
Perante isto, venho propor que neste dia de reflexão se vá ao caixote do papel e, no meio dos folhetos dos supermercados, procuremos as últimas publicações municipais que lá enfiámos. Em seguida assinalem-se as diferenças entre aquilo e um desdobrável de propaganda eleitoral.
Por mim encontro apenas uma: os desdobráveis de campanha são assinados.
Post scriptum (tendo em conta a reflexão não vou abreviar). Se alguém descobrir nesses periódicos um presidente retratado mais de 23 vezes agradece-se informação para este jornal.