A semana passada, Donald Trump esteve na Europa. Todas as atenções estiveram voltadas para o seu encontro com Vladimir Putin na cimeira do G20 – o que faz todo o sentido porque, pelos vistos, a relação EUA-Rússsia vai ser estruturante nos próximos quatro anos – mas, até certo ponto, este acontecimento abafou o mais importante e mais bem escrito discurso de Donald Trump desde que se tornou presidente. O que ocorreu em Varsóvia foi a elaboração de um novo conceito de Europa pelo chefe de estado norte-americano, perante uma audiência pronta a aceitar e aplaudir as suas propostas.

O discurso condensa uma descrição da sofrida história polaca. Trump usou a narrativa de resistência de Varsóvia como exemplo daquilo que a Europa deve ser. Até aqui tudo bem, caso não tivesse introduzido também referências estranhas ao ideário europeu e à sua tradição liberal. Trump descreveu uma Europa de países nacionalistas, falando de um número limitado de liberdade civis, e acima de tudo, usou vezes sem conta a palavra “civilização”, que tanto nos esforçámos por banir do nosso dicionário pós-colonialista.

A primeira estrofe do hino polaco “A Polónia ainda não está perdida!” demonstra este espírito de resistência que está na base do nacionalismo defensivo. Nele estão contidas as ideias de que a nação enquanto comunidade política preferencial, está permanentemente em perigo existencial, em risco de aniquilação pelos seus vizinhos. Uma vez que a Polónia se viu sempre como a fronteira da Europa face à Rússia, a defesa da nação é simultaneamente retratada como a defesa da civilização ocidental, da Europa Católica. Ora o termo civilização implica a ideia do estádio mais avançado de sociedade humana – a Ocidental – que pressupõe a superioridade em relação a todas as outras sociedades humanas e a necessidade de a proteger de outras ameaças inimigas.

Já nos Estados Unidos a ideia de civilização – popularizada por Theodore Roosevelt (que Trump volta, não volta, vai citando) – significava a divisão do mundo entre os povos civilizados e os povos não civilizados. Os primeiros, naturalmente livres e independentes, tinham obrigações de tutelagem relativamente aos povos incivilizados, considerados perigosos internacionalmente e passíveis de serem punidos por danos causados a estados cuja civilização tinha atingido o seu esplendor. Uma espécie de diferenciação entre “bons” e “maus”. É um termo mais ofensivo na sua génese, mas, aplicado por Trump e filtrado pelo neoisolacionismo (America First, sempre que possível), toma tons mais nacionalistas e defensivos. Tal como na introversão nacionalista polaca.

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Trump terá compreendido que o novo nacionalismo americano em tudo combina com a direita nacionalista polaca, atualmente no poder. E a ideia principal do Partido Lei e Justiça, que atualmente lidera a Polónia, é de que a soberania (vista de forma quase radical) é um escudo protetor contra os que ameaçam a existência da civilização única no mundo e que está em perigo. A visão do conservadorismo polaco do mundo é pessimista e lembra, em grande medida, o discurso de aceitação do presidente americano sobre a degradação da lei e da ordem, das cidades abandonadas e das infraestruturas degradadas dos EUA – justificações para tornar a América grande outra vez. Como a Polónia que não diz, mas tem procurado, por ações políticas, ser grande outra vez. Também.

Claro que esta visão não repudia a liberdade per se. Mas repudia o liberalismo cosmopolita e o ideal europeu, baseado na ideia crucial de que os estados e as nações são fundamentalmente amigos e podem partilhar soberania em instituições supranacionais. Assim que não haja enganos: quando Trump proferiu a God Bless Our (European) Allies não falava da NATO ou da UE. Fazia um convite aos estados Europeus para seguirem o caminho nacionalista-civilizacional de Varsóvia para se tornarem aliados da América. Falava de uma Europa de nações ciosas da sua soberania, das quais a Polónia, por vicissitudes da história e escolhas ideológicas, é um dos mais perfeitos exemplos. E é a esta proposta que a Europa deve resistir.

Investigadoras do IPRI