No ano lectivo 2012/2013, as escolas do Luxemburgo registaram 500 novas matrículas de crianças portuguesas, que mudaram de país quando os pais emigraram. São uma parte dos 350 mil portugueses que deixaram o país nos últimos três anos. “Há mais pessoas a sair em família”, reconheceu ao Observador o secretário de Estado das Comunidades, José Cesário.

Esta é uma realidade que José Trindade, um dos pais da Foundation Commander José Ferreira Trindade, no Luxemburgo, uma associação não-governamental de apoio à comunidade portuguesa no país, conhece bem. “Uma em cada três famílias tinha entre uma a três crianças”, recorda. Só em 2013, lidou com 12.252 processos, dos quais três mil eram casos de indivíduos que chegaram ao país sem emprego.

Até 2060, a população tenderá a diminuir dois milhões de pessoas, passando de 10,5 milhões, em 2012, para 8,6 milhões, principalmente devido ao envelhecimento da população, de acordo com um estudo do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) publicado no final do mês de março. No cenário traçado, a população com menos de 15 anos residente em Portugal diminuirá de 1,5 milhões para 993 mil, ressalvando-se que a evolução deste grupo etário relaciona-se com a influência dos saldos migratórios.

Para agravar a situação, nos últimos anos, registaram-se máximos históricos da emigração portuguesa, ultrapassando os números da década de 1960. A grande debandada começou em 2011 com 10.0978 portugueses a sair do país, segundo os números do INE. Em 2012, foram 121.418 que saíram. Para 2013, ainda não foram divulgados os números, mas estima-se um ligeiro aumento relativamente ao ano anterior. Em média, mais de 300 portugueses abandonaram o país por dia.

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“A maior parte das pessoas [que saem] continua a ser para a construção civil. E são esses que mais circulam entre países”, afirma o secretário de Estado ao Observador.

Os principais destinos continuam a ser a França, Suíça e Reino Unido. Mas, em contraponto, Espanha e Andorra têm vindo a perder emigrantes. Nos últimos cinco anos, o número de portugueses em Andorra caiu de 18.000 para 10.000. Em Espanha, desde 2008, que o valor vem a decrescer. Os portugueses licenciados na área da saúde estão a ser mais requisitados por países como a Arábia Saudita ou Alemanha.

Já Angola tornou-se um dos destinos de referência para a emigração portuguesa, país onde as remessas entre 2007 e 2013 aumentaram de 48 milhões de euros para 304 milhões. Ao todo, desde 2011, de acordo com os dados do Banco de Portugal, as remessas dos emigrantes portugueses aumentaram em 585 milhões de euros.

O Millennium “tem acompanhado o crescimento de transferências do exterior que se faz sentir no sistema bancário”, afirma ao Observador o porta-voz do banco, Erik Burns. É impossível distinguir os destinos finais das remessas, mas Erik Burns salienta que “a tendência em Portugal nos últimos anos tem sido um aumento ligeiro mas consistente de depósitos totais no sistema.”

Cláudia Pereira, investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE, explica que “não é possível estabelecer uma ligação direta entre o aumento do volume de remessas e o aumento de emigrantes, embora seja provável que o aumento das remessas coincida com o dos emigrantes – como é o caso dos últimos dois anos.”

Estas dificuldades devem-se aos países de fora da União Europeia serem afectados por variações cambiais, o que significa que o dinheiro que sai do país “não é exactamente o mesmo que entra” e, também, as remessas estarem relacionadas com os ciclos de vida dos emigrantes. Por exemplo, é provável que enviem mais dinheiro depois de estarem há dois ou três anos no país e que reforcem as remessas depois de uma promoção quando há estabilização na vida profissional.

O secretário de Estado para as Comunidades Portuguesas admite que o aumento do volume de remessas “tem a haver com o aumento progressivo de emigrantes”, e que estes “confiam no sistema bancário português e têm um forte sentido de solidariedade [para com o país]”.

Dependendo do estudo científico, estima-se que entre 14% (valor do Atlas da Emigração) a 20% dos portugueses que saíram do país desde 2011 sejam pelo menos licenciados. Segundo os resultados preliminares do projeto de investigação sobre a “Emigração Portuguesa qualificada no contexto europeu”, 45,2% dos inquiridos quer ficar fora do país por mais de cinco anos. Acabaram as “fugas” de curta duração.

A principal razão que dão para ter saído do país “é que não viam futuro em ficar em Portugal” e, em alguns casos, assumem mesmo que não vão voltar e que preferem uma realidade diferente para educar os filhos. Aproximadamente 50% tem um grau de estudos superior à licenciatura e 28,5% ganham salários superiores a 4 mil euros mensais.

O membro do Governo admite que “é inquestionável que [as saídas] têm a ver com a crise”. Contudo, diz que existe uma “propensão nacional natural” para as pessoas saírem, uma tradição migratória. “Os portugueses saíram [do país] mesmo em anos de crescimento económico”. De acordo com os Censos de 2011, 10% da população portuguesa, aproximadamente um milhão de habitantes, disse já ter vivido fora do país pelo menos durante o período de um ano. Desde 1996, só em 2003, 2009, 2011, 2012 e 2013, é que o PIB não cresceu. Foi nos últimos três anos que se deu a maior vaga de emigração portuguesa desde os anos 1960.

“Sob o ponto de vista demográfico a situação é preocupante. Existem mais pessoas a sair em família”, afirma José Cesário, lembrando o caso das 500 crianças inscritas nas escolas do Luxemburgo.

Vivem cerca de 120.000 portugueses no Luxemburgo e desses 17% tem família na Suíça. “Este dado é relevante dado a situação do referendo. Caso sejam expulsos do país podem ser encaminhados para o Luxemburgo”, alerta José Trindade, que acrescenta que há mais de 10.000 portugueses a viver na pobreza no país. Segundo o secretário de Estado, existem também 7.000 desempregados portugueses no país. Em 2013, a Foundation Commander José Ferreira Trindade teve de pagar a viagem de regresso a 76 cidadãos portugueses, que não tinham possibilidades financeiras de voltar ao seu país.

As estatísticas que escondem os emigrantes portugueses

Para problematizar a situação dos emigrantes, existe também um dilema de certezas quanto ao número real cidadãos que saiu de Portugal nos últimos anos – um problema comum a todos os países da União Europeia. Segundo valores do INE, o valor ronda os 500 mil desde 2008, mas o Observatório da Emigração avança com 400 mil. A que é que isto se deve?

“Os números do INE são uma estimativa com base aos movimentos migratórios de saída”, explica Jorge Malheiros, geógrafo e professor no Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. A estimativa é feita a partir de um inquérito indireto ao emprego, em que se pergunta às famílias se algum elemento está fora do país. Depois é feita uma estimativa tendo em conta factores de erro demográficos.

Por sua vez, os números do Observatório da Emigração “são feitos com base nos números de entrada de portugueses nos países de destino”.Sendo Portugal um país democrático, não é necessário haver um registo para se sair do país, apenas quando se entra no país de destino – tal como com os estrangeiros que entram em Portugal – e são esses números que o OE disponibiliza. Esta é a metodologia usada pela OCDE e pelas Nações Unidas. Porém, não se consegue obter o saldo para todos os países. Alguns destes são tradicionalmente destinos da emigração portuguesa: Angola, Moçambique, França ou o Brasil.