Recuemos a agosto de 1963, quando o single She Loves You, dos Beatles, foi lançado e chegou às ruas. Os dois primeiros versos da letra, que depressa contagiaram o mundo ocidental, “She loves you yeh, yeh, yeh”, iriam marcar um período musical em Portugal, ainda que curto. Dos “yeh, yeh, yeh” do quarteto britânico para o movimento nacional pop-rock “Ié-Ié” que, em sensivelmente dois anos, chegou a  ter 300 bandas associadas.

É o jornalista Luís Pinheiro de Almeida que o explica no seu novo livro, Biografia do Ié-Ié, lançado na tarde de sábado no Cine Teatro da Encarnação, em Lisboa, ao som dos Claves, Countrys, Discovers e Ekos, entre outros, que subiram ao palco. Apesar da clara influência da banda de Liverpool, foi em França que o movimento foi batizado.

“A cultura inglesa chegava a Portugal via França muitíssimo mais tarde. Os franceses é que, de facto, inventaram o ‘Ié-Ié'”, conta o autor ao Observador. Na altura, o país vivia em ditadura, tinha as fronteiras fechadas a cadeado e o que se passava lá fora chegava sem pressas ao solo nacional. Os discos eram a exceção. Luís Pinheiro de Almeida conta que muitos dos elementos dos grupos “Ié-Ié” trabalhavam na TAP, enquanto pilotos ou comissários do bordo. Por esse motivo, “traziam os discos a bordo, vindos de Inglaterra”.

O nome “Ié-Ié” surge entre 1963 e 1964 com os Beatles.

Mas o que foi, então, o “Ié-Ié”? O nome surge entre 1963 e 1964 com os Beatles, é certo. Mas, antes disso, já haveria músicas que entoavam o “estilo” em questão – na década de 1950 falava-se dos “ritmos modernos”-, que tem como inspiração máxima os sons típicos da década de 1960. Apesar de importante, o “Ié-Ié” começa e acaba numa questão de dois anos. “Os conjuntos, em Portugal, duravam muito pouco tempo. As carreiras eram curtíssimas por causa do serviço militar obrigatório”. Foi o que aconteceu com a banda Ekos. O vocalista, José Moura Lourenço, de nome artístico Zé Luís, foi chamado a combater em Angola e deixou em suspenso a carreira musical.

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As bandas eram compostas, na grande maioria, por elementos oriundos de meios escolares e universitários. Terminado os estudos, era tempo de seguir com as respetivas carreiras. Além disso, provinham da classe média, só assim conseguiam adquirir os instrumentos musicais, e as famílias desaprovavam o gosto pela música.

“Muitos pais achavam que ser artista era uma coisa menor. Tinham de ser o Sr. Doutor ou o Sr. Engenheiro”, conta Luís Pinheiro de Almeida. Um exemplo disso é Carlos Mendes, vocalista dos Sheiks. “O Carlos estava em França e tinha possibilidades de prosseguir uma carreira internacional. Não o fez porque os pais obrigaram-no a regressar a Lisboa para continuar a cursar arquitetura”, o que ditou o fim do grupo.

No livro são contadas as histórias de 100 grupos musicais, ordenados alfabeticamente.

Apesar de terem existido 300 bandas, no livro são contadas as histórias de 100 grupos musicais, ordenados alfabeticamente. A regra de ouro foi a de simplificar a imensa pesquisa, que levou anos. Por essa razão, Luís Pinheiro de Almeida optou por escolher as bandas que tinham, pelo menos, um disco editado, com algumas exceções incluídas.

Se foi curto, porque é que foi tão importante? O autor garante que o “Ié-Ié” foi pioneiro, apesar de o universo da música ter evoluído desde então. Curioso é o facto de ter coexistido com a ditadura que se vivia, então, no país. “É a própria ditadura que impulsiona estes grupos porque, na perspetiva deles, enquanto a juventude está com uma guitarra na mão, não está a pensar em política. Não faz oposição. Por isso é que foi organizado o concurso dedicado ao ‘Ié-Ié’ [entre 1965 e 1966], para afastar as pessoas da política. Não conheço um único conjunto que tivesse intervenção política”, garante o jornalista.

Luís Pinheiro de Almeida é um apaixonado pela música. Ele próprio foi um “Ié-Ié”, com cabelos compridos até aos ombros e camisas floridas. Nasceu em 1947 em Coimbra. Cresceu a ouvir música clássica e Zeca Afonso por influência do pai. Quando foi a sua vez de ter filhos, passou-lhes o mesmo gosto. Em Portugal, é conhecido por ser um grande fã e perito dos Beatles. Já entrevistou Paul McCartney, mas também Ringo Starr, baterista da banda, e George Martin, o produtor que os ajudou a ficarem registados na história da música. Em 1998, editou, com João Pinheiro de Almeida, a Enciclopédia da Música Ligeira Portuguesa.