Mais de 450 pessoas iniciaram um tratamento pela primeira vez devido a problemas derivados do consumo de cannabis em Portugal, em 2012. De acordo com João Goulão, coordenador nacional de luta contra a droga, este número significa um aumento em relação a outros anos. “Em Portugal há mais pedidos de ajuda em relação à cannabis” atualmente, refere. A tendência acompanha o que se passa no resto da União Europeia, onde a cannabis foi, nesse ano, a droga mais frequentemente referida pelos utentes que iniciaram pela primeira vez tratamento da toxicodependência.
Em 2013, foram 81 as novas drogas identificadas em toda a União Europeia, revela um relatório divulgado esta terça-feira pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA), o que fez subir o número de drogas vigiadas pela agência para 350. Em 2014, já foram identificadas pelo menos 37 destas substâncias.
Das 81 novas drogas, 29 eram canibinóides sintéticos. Aliás, as drogas sintéticas são as que registam um maior aumento de consumo, de acordo com o relatório. A cannabis, droga mais consumida em Portugal, é cada vez mais potente devido às inovações introduzidas na produção desta planta e as emergências médicas relacionadas com o seu consumo estão a aumentar.
No entanto, João Goulão diz que “a informação dada pelos profissionais de saúde” não dá “ideia de uma grande dimensão d[o] [consumo de] drogas sintéticas – o que não significa que não exista”, ressalvou.
Em Portugal, 9,4% da população já experimentou cannabis pelo menos uma vez na vida. Na faixa etária entre os 15 e os 34 anos, 5,1% das pessoas consumiram esta droga no último ano. A nível europeu, aproximadamente 14,6 milhões dessa faixa etária referem tê-la consumido no mesmo espaço de tempo. Segundo o relatório, cerca de 73,6 milhões de europeus consumiram cannabis em algum momento da sua vida, 18,1 milhões dos quais no último ano.
Os especialistas alertam que as drogas atualmente consumidas na Europa são “mais prejudiciais para a saúde” do que eram no passado e que há indícios de que a potência da cannabis vendida nas ruas esteja a aumentar, devido a alterações introduzidas na sua produção. “As inovações recentemente introduzidas na produção de cannabis são motivo de preocupação, dado que os produtores estão a cultivar plantas que têm simultaneamente um elevado teor de THC (o princípio ativo da cannabis) e um baixo teor de CBD (uma substância antipsicótica)”, aponta o relatório.
“Os poucos dados disponíveis permitem concluir que as emergências médicas relacionadas com a cannabis parecem ser um problema cada vez maior em alguns países com prevalência elevada”, sublinham. Estas preocupações são maiores para os europeus que mantêm um consumo diário ou quase diário desta droga e que correspondem a cerca de 1% dos adultos entre os 15 e os 64 anos.
Segundo o relatório, os sintomas destas emergências médicas são sobretudo psiquiátricos, como ansiedade ou psicose, mas os autores do estudo ressalvam que “o conhecimento atual das implicações do consumo destas substâncias para a saúde” é “ainda limitado”.
O consumo de drogas tradicionais – cocaína e heroína- , por outro lado, está a diminuir, sendo substituído por novos compostos sintéticos, muitas vezes desconhecidos. Quatro deles foram mesmo considerados pela EMCDDA como potencialmente mais perigosos do que as substâncias originais que pretendem imitar. “Não tenho notícia de que essas quatro substâncias estejam no mercado português”, garante João Goulão, que disse ainda que “é uma preocupação transversal arranjar novas formas de contrariar este fenómeno” das drogas sintéticas.
“As pessoas usam drogas ou para potenciar o prazer ou aliviar o desprazer”, explicou Goulão, acrescentando que “no atual contexto tem havido um recrudescimento” do consumo de drogas. Uma ideia sublinhada por Wolfgang Götz, diretor da EMCDDA, para quem “as pessoas focam-se mais no preço do que na qualidade” nos dias de hoje.
A questão monetária é, aliás, também uma preocupação para a própria EMCDDA, cujo trabalho “está a tornar-se muito difícil” devido aos cortes orçamentais dos últimos anos. “Desde 2010 que o orçamento se mantém o mesmo”, referiu Götz. “Os políticos não estão muito interessados neste assunto”, acusou.