A chuva começara a cair sem piedade há poucos minutos. Mãe e filho aproximavam-se num passo acelerado para chegar à hora combinada, enquanto o pai os esperava em casa. Assim que entrámos, Jorge, o menino de seis anos, apressou-se a mostrar os brinquedos que esperavam por outro destino à porta de casa. “São para dar a outros meninos”, dizia orgulhoso. Jico, como também é conhecido, lá se sentou connosco para conversar sobre brincar. Estava radiante. Aos seis anos já percebe o que é um jornal, e que até ia aparecer nele. “Tem folhas… escritas, fotos. É para ler notícias”, dizia com desenvoltura. É quase tudo verdade. O futuro chegou ao jornalismo, assim como aos brinquedos e ao brincar.
No Dia Internacional do Brincar decidimos intrometer-nos num final de tarde de uma casa portuguesa, com certeza. A ideia da celebração nasceu em 1999, em Tóquio, no Japão, à margem da oitava Conferência Internacional de Ludotecas. Mas foi apenas em 2001, em Florença, que ficou definido o dia 28 de Maio.
Voltemos ao mundo encantado dos brinquedos. Jorge, como muitos outros meninos, têm hoje o que os seus pais nunca tiveram. Marcelo Mota, o pai (44 anos), cresceu num orfanato e os brinquedos eram escassos. “Os carros nem tinham rodas!”, diz Joana Mota (29 anos), a mãe, enquanto dava uma gargalhada. “Houve um Natal em que recebi um carro com três rodas. Estava ótimo! Depois lá tentava com o barro fazer uma roda”, explica Marcelo. O pião, esse eterno girador, era também obrigatório. “Isto evoluiu muito. Eu é que acabo a explorar os brinquedos dele”, admite.
Jorge agarra com as duas mãos o passado e o futuro. Num minuto pode estar a jogar ao clássico “Quem é quem é?” ou ao “Monopólio” e no outro agarrado às maravilhas do iPad, onde filme e edita vídeos com a irmã, Marta. Os bonecos preferidos são os animais, sobre quem faz uma história, cria relações e até inventa datas de aniversário. “É para receber ele os presentes!”, diz a mãe, que não se deixa enganar. Com as peças de Lego constrói uma pequena cidade para eles. O pai chegou a comprar cartão para construírem caixas à medida ao estilo do filme Madagáscar. Os bonecos da Playmobil e os carrinhos são outra ponte que diminui as distância entre pai e filho.
“Ele gosta de ler e ver vídeos clássicos. Outro dia viu a Mary Poppins”, conta Joana. O pequeno Jorge é apreciador de jogos de tabuleiro, como Damas, e não se diz rogado a ir à rua andar de baloiço. “Antes, íamos muito para a rua, para o parque. A minha mãe ficava horas sem saber de mim. Há muito menos meninos na rua agora. Há receio”, considera Joana. É um facto, já não se veem miúdos a jogar à bola na rua como antigamente.
“Eu brincava com bonecas, barbies. Fazia-lhes casas e vestia-as. Jogava GameBoy. Aquele cinzento… Só tinha dois jogos: SuperMario e Tétris.” A televisão não se ficou atrás e deu também ela um salto enorme nestes últimos vinte anos e já oferece de tudo um pouco. “Agora há o Canal Panda o dia todo. Antes tínhamos um canal para ver bonecos mas tínhamos de esperar pelo início da transmissão. Não sei se era seis ou sete da manhã.” Ao ouvir “os lamentos” da mulher, Marcelo não resiste e interrompe com um sorriso rasgado: “Até aos oito anos nem tive televisão.”
“O Jorge pega no iPad e já vai para o YouTube escrever e meter músicas. Outro dia, do nada, já estava a ver um desfile da Victoria Secret”, conta Joana, enquanto solta uma gargalhada que, desconfiamos, se fez ouvir no prédio todo. Jico mexe no tablet como se estivesse a fazer um desenho com lápis de cera. É-lhe natural. Existem vários jogos que estimulam a criatividade e a coordenação. Um dos preferidos do pequeno Jico é a aplicação do corpo humano, na qual, ao alimentar o corpo, vê por onde passam os alimentos. Será esse o fascínio? Não. “Gosto porque dá arrotos!”
A mãe garante que o seu filho é equilibrado e que lhe faz alguma confusão ver miúdos viciados em videojogos. “Só quero que ele dê valor aos brinquedos. Eu nunca passei dificuldades mas não recebíamos brinquedos a toda a hora.” Na escola também há brincadeiras. As escondidas e os vampiros — uma espécie de apanhada em que vão ficando cada vez mais a apanhar — são as eleitas. “Não gosto de futebol… é chato e ficamos suados”, desabafa Jorge. Mas, afinal, o que é para o pequeno Jico brincar? “Brincar é bom. É melhor acompanhados porque brincamos juntos…”