1982. Moçambique está em guerra civil. Foi nesse ano que Steven, filho de uma vendedora ambulante e pai desconhecido, nasceu. Não sabe ao certo onde: ou na  ex-colónia portuguesa ou no Zimbabué, país vizinho que também participava na guerra moçambicana. Hoje, com 32 anos, a dúvida permanece. Steven – nome falso – nunca teve identificação, não é cidadão de nenhum país do mundo.

A história de Steven é relatada pelo The Independent. Ele é uma das cerca de 12 milhões de pessoas em todo o mundo que não têm uma terra a que possam chamar sua. Também não podem ter uma conta bancária nem emprego. Não podem viajar nem ter acesso à saúde e educação nem mesmo carta de condução.

“Não ter estado é como ser um extra-terrestre”, conta Steven. “A qualquer lado que vá neste mundo, as pessoas dirão ‘não és daqui'”.

Também não é de Cardiff, cidade onde Steven vive desde que fugiu do Zimbabué, perseguido pelo regime de Robert Mugabe, a quem fazia oposição. Aos 15 anos, a mãe deixou-o a viver com um familiar na segunda maior cidade do país, Bulawayo. Viu-a pela última vez em 2000 e nunca mais soube nada dela.

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No Reino Unido tentou pedir asilo mas as autoridades recusaram. Só que, como não tinha qualquer documento, Steven também não podia regressar ao Zimbabué. “Não tenho um registo do meu nascimento e isso é o início de todos os meus problemas. Não tenho nada que prove quem eu sou ou de onde sou”, diz.

À espera que o impasse jurídico britânico se resolvesse, Steven mudou-se de Londres para Cardiff e arranjou trabalhos em armazéns e no estádio de râguebi, sem que nunca lhe tivessem pedido qualquer papel. A vida parecia começar a sorrir-lhe: Steven conheceu uma estudante do Uganda com quem viveu e teve uma filha. “Era uma vida normal como qualquer pessoa sonharia ter. Acordava, ia trabalhar, regressava a casa, brincava com a minha filha. Era perfeito”.

Em 2010, o sonho acabou. Ao concluir os estudos, a namorada de Steven foi chamada de volta ao Uganda e levou a filha consigo. Uma decisão que custou a Steven, mas que lhe pareceu a melhor. “De maneira nenhuma deixaria uma criança ser apátrida.”

Tal como perdeu a namorada e a filha, Steven também perdeu o emprego e passou a ser visto como imigrante ilegal. Perdeu tudo o que tinha e acabou num refúgio para pessoas sem-abrigo.

Em 2012, segundo dados do Alto Comissariado para os Refugiados da ONU, eram 205 as pessoas apátridas no Reino Unido. No ano passado, Steven pediu ao Estado que lhe reconhecesse uma cidadania, mas para isso é preciso que o Zimbabué ou Moçambique forneçam documentação a provar que nasceu num daqueles países.

Steven até já tentou resolver a situação através de cartas enviadas às embaixadas do Zimbabué, de Moçambique, do serviço de registos de Harare e do hospital em que acredita ter nascido. A única resposta que obteve foi a de que, se queria certezas, devia deslocar-se ao Zimbabué para consultar documentação. Mas, já o dissemos, Steven não pode viajar.

“O que eu mais queria era ter um bilhete de identidade com a minha fotografia. Nunca tive um”, admite. O pior cenário será permanecer sem documentos. “Seria um imigrante ilegal para sempre. Andaria a vaguear pelas ruas. Um dia morreria e ninguém viria ao meu funeral.”