Veio para o Brasil para fugir à guerra colonial. Abel Valente tinha lugar marcado em Luanda, mas trocou as voltas ao serviço militar e partiu para Brasília, onde vive há 40 anos. “Eu estava indicado para ir para lá (Luanda), mas encontrei um Tenente-coronel que era meu vizinho em Avanca, e ele deu um jeito, mandou outro no meu lugar para eu não ir.” A presença de um cunhado em Brasília ajudou à integração, e ao negócio. “Foi ele que nos ajudou a comprar aquele ponto na 405.”
405 é o número, e nome, da quadra onde fica a primeira “Panificadora Favorita” que nasceu na capital do Brasil. Simplificando muito, Brasília foi construída à imagem de um avião, tem um eixo central, o Eixo Monumental, e depois as asas, Sul e Norte. Nas asas ficam as quadras, residenciais e comerciais. “A cidade era muito diferente. Era praticamente só mato, em todas as quadras. 100, 400, 500, 700 e 900… Só mato. Só existia uma faixa construída chamada L2 Norte/Sul, a UnB, a Universidade de Brasília, os mercados contavam-se bem, e eram todos do Governo. Quase não existia concorrência no mercado da panificação. Só havia outras duas. Trabalhámos muito, e deu tudo certo.”
A fama da Favorita foi crescendo, rapidamente, e o pão que Abel fazia espalhou-se pela cidade. O Acampamento Rabelo, na Vila Planalto, que fica entre o Palácio do Planalto e o Palácio da Alvorada (os locais de trabalho e residência oficiais do Presidente do Brasil), que albergava os trabalhadores que construíram a cidade, recebia 1000 pães por dia. Mas muitos mais chegavam a outros locais. “O entregador, que distribuía os pães e o leite, levava-me 4000 pães à 3 da manhã. Em todos os órgãos dos ministérios ele entregava pão. O ministério da Fazenda levava 800 pães nossos.”
O sucesso estendeu-se ao ponto mais alto da hierarquia política. “Quase todos os presidentes comeram o nosso pão.” Ao longo dos 40 anos em que está em Brasília, Abel Valente conheceu quase todos os que passaram pelos Palácios da Alvorada e do Planalto. “Quando chegámos o presidente era o Ernesto Beckmann Geisel, depois foi Figueiredo, Tancredo Neves, Sarney, Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula e agora a Dilma. Conheci muitos. O Collor era o mais simpático. O Sarney também era.” Simpáticos, mas ainda assim reservados, “são de pouca conversa, não abrem o jogo, chegam com os seguranças e falam pouco, político é assim mesmo.”
Das farinhas ao pão, um acaso
Em Portugal, na década de 1970, Abel Valente estava longe do negócio que lhe rende agora uma vida desafogada, com investimentos nos dois lados do Atlântico. “Eu só sabia comer pão. Vinha da Nestlé, como controlador do enchimento de farinhas, não sabia nada de pão. O que ganhava lá não dava nem para comer.” Hoje dá emprego, nas duas panificadoras em Brasília, a 30 pessoas. “É totalmente diferente de ser empregadinho de lá. A minha esposa trabalhava na lavoura. Na lavoura, chegava ao final do ano, virava de pernas para o ar e não caía um centavo. Era uma vida ingrata. Se continuasse lá não era nada. Não tinha futuro. Então eu escolhi o futuro, que foi o Brasil.”
Apaixonou-se por Brasília e não poupa nos elogios à cidade que há-de, na quinta-feira, receber o jogo da seleção nacional contra o Gana – “Brasília é uma cidade sossegada, eu não tenho nenhuma razão de queixa. Brasília é o céu! Em termos de clima, de trabalho, de pessoas. Não tem igual não. Por isso é que eu estou aqui até hoje. É bom demais! A gente se dá, brasileiros e portugueses, como irmãos. E isso é muito difícil encontrar noutros países lá fora.”
Na quinta-feira, Abel vai ao estádio, ver o jogo. E acredita. A sério. “Portugal vai dar um show! Vai ganhar aqui. Se não houver malandragem no outro jogo, Alemanha-EUA, vamos classificar!”
Brasília será mesmo o céu, como diz Abel Valente?… Há que esperar para ver.