Já foi Salão Ideal, Cinema Ideal, Cine Camões e até já exibiu filmes pornográficos enquanto Cine Paraíso. O cinema construído em 1904 no edifício da Casa da Imprensa, na Rua do Loreto, em Lisboa,vai abrir oficialmente em setembro com o nome Cinema Ideal, e levar o cinema independente às portas do Bairro Alto.

Nascido num edifício do século XIX, o Cinema Ideal vai reabrir as portas no final do verão pela mão do produtor Pedro Borges, que pretende recuperar o perfil de sala de cinema de bairro, mas com uma programação centrada no cinema independente, sobretudo português e europeu. O objetivo é que o espaço, dotado de 200 lugares, tenha também cafetaria, livraria e biblioteca de cinema.

O Salão Ideal apareceu numa altura em que “o espetáculo de cinema não era uma atração autónoma”. “Exibiam-se curtas-metragens no meio de outras variedades, de circo. Esta foi a primeira sala a ter o cinema como uma atração por si só”, afirmou à agência Lusa a jornalista e investigadora Maria do Carmo Piçarra, que acaba de publicar o livro O cinema Ideal e a Casa da Imprensa ­– 110 anos de filmes.

“O Cinema Ideal era um cinema popular, frequentado por pessoas modestas ali do bairro, por ardinas, marinheiros, e foi um marco na exibição de cinema em salões populares”, afirmou a autora do livro, que traça a história do Cinema Ideal desde 1904 e que recupera o percurso da Casa da Imprensa, proprietária do edifício do cinema, e a ligação desta à exibição e divulgação cinematográfica.

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Quando o Cinema Ideal abriu, a prática da arte cinematográfica era ainda recente. As experiências de cinematógrafo dos irmãos Lumière aconteceram em Paris em 1895. “O Ideal esteve na vanguarda e foi lá que surgiu, iniciada por Júlio Costa [pioneiro do cinema português], a primeira companhia dramática que dava voz aos filmes mudos”, escreve a autora.

Foi através dessa inovação que o ator de comédia António Silva se terá iniciado na sétima arte. Segundo Maria do Carmo Piçarra, o Salão Ideal recorria aos Bombeiros Voluntários da Ajuda para sonorizarem os filmes mudos e António Silva foi, na época, comandante dessa corporação de bombeiros.

cinema ideal

As paredes antes do início dos trabalhos de restauro. ©Sara Otto Coelho

Ao longo das décadas seguintes, o Cinema Ideal perdeu fulgor, pela concorrência com outras salas mais nobres da capital, e manteve o perfil mais popular, de segunda linha, frequentado sobretudo por homens – os lavabos para mulheres só foram instalados nos anos de 1940.

O cinema sofreu várias remodelações e “passou a explorar o novo filão cinematográfico trazido pela liberdade”, a partir de 1974. “O sexo era servido sem grande discrição e alternava com filmes de pancadaria e cinema indiano”, descreve o livro. O declínio nas décadas seguintes deu-se, segundo a autora, ao “processo de encerramento de salas de cinema em todo o país”.

Em dezembro de 2013, quando foi anunciada a recuperação do Cinema Ideal, o presidente da Casa da Imprensa, Goulart Machado, afirmava que a associação mutualista não estava satisfeita com o perfil do cinema e que procurava uma solução “mais consentânea” com os seus estatutos. É que a Casa da Imprensa, segundo Maria do Carmo Piçarra, “teve um papel extraordinário” e foi pioneira na organização de festivais de cinema, nos anos 1960, quando se vivia a vaga de novo cinema em Portugal e na Europa.

Apesar de ter promovido a exibição do melhor que se fazia a nível europeu, e de “ter lutado para que os filmes não fossem censurados”, a Casa da Imprensa nunca fez exploração direta do Cinema Ideal. “É uma abertura fundamental, dada a inexistência de salas de cinema com programação autónoma em Lisboa. É um esforço quase quixotesco e quero perceber como é que nós, lisboetas, vamos responder a isto. Não basta ter uma programação, é preciso que tenha frequência”, afirmou Maria do Carmo Piçarra.

Na apresentação feita aos jornalistas em dezembro, foi anunciado que seria mantido o formato de foyer, balcão e plateia já existente. Todo o interior está a ser alvo de um profundo trabalho de renovação e recuperação, de arquitectura, a cargo de José Neves, e de equipamento de projeção de imagem e som (digital). Um novo ecrã e novas cadeiras mais confortáveis fazem também parte do projecto. Quanto à fachada, será recuperada a antiga caixa de luz e néons, típica dos cinemas de bairro.