Foi há 10 anos que Durão Barroso anunciou ao país que deixaria o cargo de primeiro-ministro para se tornar presidente da Comissão, apontado à data, pelos líderes de Estado e de Governo dos Estados-membros da União Europeia como o nome mais consensual para dirigir os destinos comunitários. Dois mandatos depois, com uma crise institucional e uma crise económica e financeira que ainda não está resolvida e que ameaçou (e ameaça) a continuidade do projeto europeu, a avaliação do desempenho de Durão Barroso é apenas consensual num ponto: sobreviveu. E com ele, a União Europeia.
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Tal como o amor que diz sentir pela Europa, Durão Barroso e o balanço da execução dos seus dois mandatos à frente da Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia, provocam fortes sentimentos a quem acompanha a realidade europeia de perto.
“Tenho de facto uma paixão pela Europa” (excerto do discurso do presidente da Comissão a 8 de maio de 2014 na Alemanha, onde fez o balanço dos seus mandatos)
Uma coisa é certa: não gera unanimismos. Paulo Sande, professor universitário e antigo diretor do Gabinete do Parlamento Europeu em Portugal, diz que o presidente da Comissão “dificilmente poderia ter feito melhor” dados os desafios dos últimos 10 anos da construção europeia, enquanto Viriato Soromenho Marques, professor da Faculdade de Letras e autor do livro “Portugal na Queda da Europa”, afirma que a sua liderança, especialmente durante o período da crise económica e financeira que se abateu sobre a Europa nos últimos quatro anos foi “desastrosa”.
“Durão Barroso ficou paralisado. Em 2011 ainda tentou aprofundar a União Europeia, mas com a demarcação da Alemanha e a assinatura do Tratado Orçamental, ele ficou na mão de Merkel. Houve uma total subordinação da Comissão, até contra o que os tratados dizem”, sublinha o professor de Filosofia ao Observador.
O apogeu da defesa de maior integração aconteceu no seu discurso sobre o Estado da União em 2011:
http://youtu.be/lKJO_WxOLIA?t=4m26s
Uma opinião partilhada em parte por Paulo Sande, que relembra a “posição favorável à integração”, mas interpreta a sua mudança de comportamento de outra forma. “O que Durão Barroso fez foi concertar posições e perceber o que é que era exequível para ultrapassar a crise, mediando as posições do Conselho e do Parlamento Europeu, já que mais fracturas públicas só contribuiriam para dar mais sinais de divisão” refere, concluindo: “Conseguiu sobreviver”. Embora Viriato Soromenho Marques lhe reconheça “capacidade de trabalho”, critica a “falta de coragem” Barroso, ao passo que Paulo Sande reconhece no presidente um “hábil estratega”.
Um mediador ou um líder? Depende do factor Merkel
Para Paulo Sande, perante as dificuldades enfrentadas por Barroso, “Jacques Delors dificilmente faria melhor”. “Houve uma série de crises que não eram geríveis com os recursos que a Comissão dispunha e com o poder absoluto do Conselho, Barroso jogou em função das necessidades”, aponta Sande, justificando que com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa em 2009, a Comissão perdeu muito do seu poder, o que fez com que o presidente assumisse uma posição mais de mediador entre os interesses dos Estados. A prioridade passou a ser a relação com Angela Merkel, mas procurando manter “boas relações” com todos os líderes europeus.
“O Tratado de Lisboa dá à União a capacidade de agir. Mas a determinação para agir requer vontade política para o fazer e lideranças que não esqueçam os seus compromissos” excerto do discurso do presidente da Comissão a 13 de dezembro de 2007 em Portugal
Já Soromenho Marques considera que o interesse europeu ou dos seus Estados nunca esteve nas prioridades do presidente da Comissão. “Teve a oportunidade de enfrentar Merkel e se o tivesse feito, podia ter uma saída triunfal. Na política é preciso ter fidelidade aos princípios e parece que Durão Barroso prefere assumir a máxima de Maquiavel: conquistar ou manter-se no poder”, justifica, dizendo ainda que Merkel “despreza” a atitude do ex-primeiro-ministro português, não o respeita.
Apesar da relação de proximidade e “cumplicidade” entre os dois antes e no auge da crise, fontes de Berlim citadas pela Der Spiegel dizem que atualmente os dois estão cada vez mais afastados, embora mantenham as aparências:
A chanceler entende que há um excesso de legislação por parte da Comissão e está em desacordo com o pedido de alívio da austeridade por parte de Barroso durante o último ano. Esta distância pode ter sido causada pela maior independência do presidente, motivada pelos indicadores positivos da economia europeia ou pelo facto de já não precisar politicamente de Merkel.
o futuro em aberto, um passado que deixou marcas
Mário David, ex-eurodeputado do PSD, diz que mais não fosse, o mandato de Barroso será relembrado como “um sucesso” devido aos instrumentos de regulamentação financeira e de estabilidade económica que a União Europeia conseguiu aprovar nos últimos anos. “Uma das coisas que se pode gabar é ter conseguido, nos momentos mais difíceis, manter as portas abertas e o diálogo”, refere ao Observador. Já Portugal, sai prestigiado pela sua visibilidade que em termos nacionais rivaliza apenas “com Ronaldo e Mourinho”. Sobre o futuro, David mantém-se na gíria futebolística e diz apenas que Barroso “ainda está em jogo”.
O presidente da Comissão disse recentemente em entrevista ao Expresso e à SIC que não se pretende candidatar a Belém, mas é possível que esteja disposto a manter-se em Bruxelas noutro cargo de topo nas instituições comunitárias – Passos disse esta semana que seria “com prazer” que apoiaria Barroso para suceder Van Rompuy na presidência do Conselho Europeu. Soromenho Marques diz que esta é a possibilidade mais provável, já que em Portugal, a opinião pública “não o vê de forma favorável”, o que inviabiliza a corrida a Belém. “Vai ter de atravessar o seu deserto” conclui.
Corrigir a opinião pública e curar a “imagem ferida” em Portugal depois de 10 anos fora, seria, segundo Paulo Sande o melhor caminho para Barroso. “A sua saída não foi bem explicada às pessoas e ele devia permitir que essa discussão se fizesse, até porque gostaria de ser Presidente da República”, afirma Sande. Para o académico, a passagem de Barroso pela Comissão foi positiva para a imagem do país pois deu “notoriedade” a um português numa cargo de topo e mostrou “a capacidade de estar à altura das circunstâncias”.
De Lisboa a Bruxelas foram dois Conselhos Europeus de distância
“Portugal deve muito à Europa e quando esta pede a colaboração de um português para uma missão importante, Portugal não deve dizer que não”, declarou Durão Barroso aos portugueses há exatamente dez anos, entre uma cimeira da NATO em Istambul e o Conselho Europeu que o consagrou como o novo presidente da Comissão em Bruxelas. Era a justificação para a sua saída do país, que provocou um terramoto político prolongado em Lisboa.
O nome de Barroso começou a ser falado quando Juncker recusou o cargo e as tentativas da França e da Alemanha de elegerem o primeiro-ministro liberal belga Guy Verhofstadt no Conselho Europeu de 17 e 18 de Junho de 2004 encontraram a oposição do Reino Unido. A solução britânica do então comissário Chris Patten não convencia Chirac e a sucessão de Prodi atingia um impasse.
Assim, Durão Barroso, a quem também não agradava a opção de Verhofstadt, tornou-se a figura mais consensual não só entre os líderes europeus (reunia o consenso de Blair, Aznar e Berlusconi), como em Washington – fruto da organização da Cimeira das Lajes no ano anterior. O eixo franco-alemão rendeu-se ao apoio crescente e negociado no Conselho, motivado pelo voto de confiança que também os novos países de Leste pareciam depositar no primeiro-ministro português (muito orientados pelo primeiro-ministro eslovaco Mikuláš Dzurinda). Quando sentiu que tudo estava encaminhado na frente europeia, e depois de garantir com o Presidente Jorge Sampaio que em Portugal não haveria eleições antecipadas, Barroso avançou para a Europa.
“Eu acho que ele fez bem”, defende Paulo Sande sobre a escolha do antigo primeiro-ministro, embora reconheça que a perceção pública não é a melhor. “agravada pelo facto das coisas terem corrido mal em Portugal”. Um receio manifestado nessa altura tanto por Marcelo Rebelo de Sousa que chamou “suicídio” a esta opção, como por Manuela Ferreira Leite que defendia a realização de um congresso para escolher a sucessão de Barroso, sem a entrega direta do poder a Santana Lopes.