Foi na semana passada que o jogador chileno Mauricio Pinilla tatuou, nas costas, a imagem do golo que falhou nos oitavos de final, no Campeonato do Mundo. O Chile defrontava, à data, a equipa brasileira, contra a qual viria a perder. O The Telegraph não ficou indiferente ao ato e aproveitou-o para questionar o culto das tatuagens… nas celebridades. No artigo, a jornalista Olivia Goldhill diz que as imagens gravadas na pele vão muito além de um fenómeno popular contemporâneo.

O tema é recorrente, não passa de moda e não se limita ao universo da fama. O fotógrafo da National Geographic Chris Rainier, citado pela publicação The Atlantic, dá conta que as tatuagens são universais e argumenta que muitas culturas por ele já fotografadas encaram o corpo como uma tela em branco à espera de uma história por contar. Posto isto, colocamos a questão: qual a mensagem da tatuagem?

A woman displays a tattoo of Michael Jackson's name on her foot outside the 02 arena in London, on June 25, 2010, as fans gather to remember the king of pop's death one year ago. Michael Jackson fans around the world began Friday marking the first anniversary of the music icon's death, with events from candlelight vigils to slumber parties planned in honor of the tragic superstar. Jackson, 50, died from a drug overdose at a rented Los Angeles mansion on June 25 last year, a seismic celebrity death that triggered a global outpouring of tributes for the eccentric genius known as "The King of Pop." AFP PHOTO/BEN STANSALL (Photo credit should read BEN STANSALL/AFP/Getty Images)

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Vitor Sérgio Ferreira, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, diz tratar-se de uma marca personalizada capaz de definir, com precisão, a identidade. Engloba um “projeto de corpo”, no qual cada imagem representa um determinado momento biográfico. A afirmação aplica-se a quem, de forma recorrente, escolhe adornar a própria pele, seja por motivos estéticos ou pessoais.

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O sociólogo escolhe recuar no tempo para evidenciar a evolução da tatuagem. Em sociedades ditas primitivas, as marcas corporais estavam socialmente codificadas, explica ao Observador. De tribo em tribo, representavam um rito de passagem só entendido pela comunidade na qual se inseriam. Já em tempos mais modernos, a tatuagem esteve associada a figuras marginais; falamos do mundo dos marinheiros, da prostituição e da boémia. Não é, por isso, de estranhar que esta esteja sobretudo conotada com o estigma das figuras referidas, remetendo para a delinquência e, consequentemente, para a prisão.

Mais recentemente, a tatuagem ganha outra vida e passa a ser encarada como uma afirmação estética cada vez mais sofisticada. “Já não está codificada e deixou de ter um significado coletivo de leitura”, diz Vitor Sérgio Ferreira. Ao invés, transformou-se num acessório de importante impacto social pela permanência que sugere, contrariando a lógica da maleabilidade do corpo.

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Desde que estudou o tema em 2006, altura em que concluiu a respetiva tese de doutoramento, o investigador do ICS explica que, de lá para cá, as diferenças são claras. Muitas pessoas que atualmente fazem tatuagens estão ligadas às áreas da arte e do design. Por isso, as imagens gravadas na pele estão cada vez mais diversificadas do ponto de vista estético: ao acréscimo de criatividade, com novos desenhos e cores, junta-se a originalidade das mensagens que é exigida. Assim, “o tatuador, que faz de tradutor, está agora mais perto do criativo do que do artesão”.

Natacha Fontinha, da Bad Bones Tattoos, explica que esta não é uma questão de moda, mas sim de arte. E adianta que existe uma clara diferença entre o tatuado e quem tatua. A trabalhar na loja que já leva 25 anos de existência no Bairro Alto, traça dois perfis distintos de clientes. Os que gravam imagens por questões da esfera individual e os que o fazem pelo culto das celebridades: “Temos pessoas que sabem o que querem gravar, nota-se que é pessoal. Outras querem ter imagens iguais às de uma figura pública”.

As tatuagens que surgem por influência de famosos acontecem com alguma regularidade na loja, embora representem uma minoria. Natacha Fontinha salienta que a fase dos “príncipes e das princesas”, como gosta de dizer, já passou. Falamos de uma altura em que as revistas faziam as vezes de catálogos capazes de convencer uma pessoa a marcar o corpo de forma igual ou semelhante a determinadas personalidades. Depois, veio o domínio dos jogadores de basquetebol e, agora, o dos cantores e dos futebolistas. “Isto, como sabe, divide-se entre o sexo feminino e masculino”, conta. Se há homens que querem desenhos dentro da temática do futebol, como inscrições e frases, há mulheres que insistem em tatuar os dedos muito à imagem de figuras como Rihanna.

onstage during the 2013 American Music Awards at Nokia Theatre L.A. Live on November 24, 2013 in Los Angeles, California.

Rihanna, nos American Music Awards, 2013 – Kevin Winter / Getty Images

A gerente do espaço à Rua do Norte não julga gostos alheios mas defende o seu ponto de vista: “Na Bad Bones temos muito o hábito de personalizar. Não costumamos trabalhar por catálogo. Gostamos da ideia de que cada pessoa tem uma história e, por isso, é diferente”. Por esse motivo, concorda quando se fala em tatuagens mais originais e criativas. “As pessoas começam a ter mais informação e, ao longo dos anos, os materiais vão sendo diferentes. Houve também uma grande evolução ao nível da estética”, afirma. Apesar das novas “exigências”, o que é preciso é um bom profissional que “tenha mãos para fazer o desenho”.

A julgar pela também tatuadora, hoje a sociedade portuguesa recebe com mais facilidade o fenómeno, muito embora ainda existam reticências. Embora a relação seja complicada, Vítor Sérgio Ferreira garante que as tatuagens pouco ou nada dizem sobre o meio onde vivemos e o único paralelismo que estabelece é com a cultura ocidental. O sociólogo recorda ainda que os desenhos que marcam uma vida são da esfera individual e que “as pessoas são livres de se tatuarem: o corpo é delas”. Em última análise, é a “reivindicação de uma propriedade privada”.