A introdução de incentivos fiscais à aquisição de bicicletas pode vir a ser uma realidade em Portugal. Basta que o Governo decida adotar uma das 40 medidas que são propostas no “anteprojeto de reforma da fiscalidade verde” elaborado pela comissão que foi nomeada pelo ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, Jorge Moreira da Silva, e pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, com o objetivo de estudar e propor normas tributárias que desincentivem as emissões de gases com efeito de estufa.

O documento, que foi apresentado na quarta-feira aos jornalistas por Jorge Vasconcelos, presidente da Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde, e que estará em discussão pública até 15 de agosto, assinala que “não vigora no sistema (…) português qualquer incentivo fiscal à aquisição de bicicletas, quer em sede de tributação do rendimento quer de tributação do consumo”. E acrescenta que, perante as limitações impostas pela legislação da União Europeia à possibilidade de introdução de uma “taxa reduzida de IVA para a comercialização de bicicletas”, uma intervenção neste terreno terá de ser feita por via de alterações aos impostos sobre o rendimento.

A Comissão considera que a lei fiscal deve distinguir entre o uso do velocípede como meio de transporte “diário” ou “usual” daquele que é feito “com intuito de lazer ou desportivo, sendo neste segundo caso menos intensas as vantagens ambientais gerais geradas pelo comportamento do indivíduo”. Daí que sugira ao Governo que o benefício fiscal apenas deva ser acessível a sujeitos passivos de IRC ou IRS “com contabilidade organizada”. O anteprojeto adianta que “os sistemas de bike-sharing, à semelhança dos de car-sharing, devem ser incentivados”, e sugere que a compra de “frotas de bicicletas pela empresa para utilização pelo seu pessoal deve beneficiar de um tratamento fiscal equivalente àquele que é conferido às despesas com a aquisição de passes de transportes públicos”.

Comissão propõe a introdução de um imposto sobre o transporte aéreo de passageiros, “com vista a compensar a sociedade pelo impacto poluente que lhe é imputável”.

Orientado para a “simplificação” da tributação e “a revisão dos respetivos elementos essenciais, de forma a promover a competitividade económica, a sustentabilidade ambiental e a eficiente utilização dos recursos, no âmbito de um modelo de crescimento sustentável mais eficaz”, o trabalho da Comissão, que prevê a entrega de uma versão final ao Governo até 15 de setembro, propõe, também, a “reintrodução do incentivo fiscal ao abate de veículos em fim de vida” que esteve em vigor, até 2010, durante a governação de José Sócrates, bem como a introdução de um imposto sobre o transporte aéreo de passageiros, “com vista a compensar a sociedade pelo impacto poluente que lhe é imputável”.

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Sobre a primeira medida, os técnicos da Comissão escrevem no anteprojeto que “teve uma adesão muito significativa, que permitiu eliminar, com observância das exigências ambientais, a generalidade dos veículos que já não apresentavam condições de circulação”. A idade média das viaturas ligeiras de passageiros em circulação em Portugal “ronda os 12 anos”, assinala o documento, “tendo-se agravado de forma mais acentuada nos últimos anos, devido à falta de renovação do parque automóvel nacional”, o que provoca efeitos diretos “negativos sobre o nível de emissões poluentes”. Feita esta constatação, a Comissão sugere um regime de devolução do Imposto sobre Veículos ou a “atribuição de subsídio, acompanhada da criação de outros incentivos à aquisição de viaturas ambientalmente mais eficientes”. A despesa fiscal a assumir pelo Estado rondaria três milhões de euros.

Quanto ao encargo a lançar sobre o transporte aéreo de passageiros, o anteprojeto aconselha a que seja criada uma “taxa única” que respeite “o princípio da livre circulação no mercado interno, que impede o tratamento fiscal discriminatório de voos realizados entre Estados-membros”, a “limitação das situações de isenção” e “a simplicidade na cobrança e administração do imposto”. A medida, de acordo com cálculos efetuados com base no número de passageiros que figuram nas estatísticas da ANA, poderá render aos cofres públicos 35 a 41 milhões de euros.

 Portugal é dos países onde se utilizam mais sacos de plástico, afirma a Comissão, que sugere a introdução de um imposto no valor de dez cêntimos por unidade.

Entre as 40 medidas, o documento inclui a possibilidade de dedução, na declaração do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, dos gastos efetuados pelos contribuintes com a utilização de transportes públicos, o que poderá envolver uma perda de receita fiscal para o Estado na ordem de dois milhões de euros. Sugere, também, que a dedução prevista na tributação dos lucros das empresas dos custos suportados com a compra de passes sociais a benefício dos trabalhadores seja alargada a “todos” os gastos com transportes públicos coletivos.

Num trabalho que abrange as áreas da energia e emissões, transportes, água, resíduos, urbanismo e planeamento do território, florestas e biodiversidade, a comissão propõe um imposto sobre os sacos de plástico e argumenta com o exemplo da Irlanda, onde a tributação sobre este produto “permitiu atingir uma redução de mais de 90% no número de sacos consumidos”. A este respeito, a comissão assinala que “Portugal é dos países onde se utilizam mais sacos de plástico (estima-se que sejam acima de 500 sacos per capita por ano), sendo a maioria (cerca de 466) sacos de plástico leves de utilização única”. Sugere, por isto, que o imposto sobre os sacos de plástico leves tenha o valor de 10 cêntimos por unidade, “com o objetivo de reduzir a sua utilização para um nível máximo de 35 sacos per capita por ano”, o que proporcionaria um acréscimo de receita para o Estado no valor de 35 milhões de euros por ano.

O grupo de especialistas liderado por Jorge Vasconcelos defende, ainda, a introdução da tributação sobre emitentes de gases com efeito de estufa que não estão abrangidos pelo Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE) e considera que deve ser adotada “uma taxa indexada ao preço do carbono no setor CELE, com a mesma incidência e regimes mais favoráveis que vigoram atualmente” para o imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP). O estudo que sustenta a tributação do carbono traça vários cenários para calcular os impactos do novo imposto, assumindo a evolução dos preços do carbono nos sectores CELE e não CELE, respetivamente, os valores das principais variáveis macroeconómicas e os preços da energia primária. Conclui que “uma afetação eficiente da receita proveniente da tributação do carbono permite atingir simultaneamente, não apenas uma desejada redução de emissões de gases com efeitos de estufa, mas também melhorias ao nível do emprego, do PIB e da dívida pública”.

Recomendações incluem a criação de uma “taxa de congestionamento” nas grande cidades, destinada a desincentivar a utilização do transporte individual.

Além das propostas, o documento da Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde contém 26 recomendações “que constituem, no seu conjunto, uma proposta de programa de trabalho futuro” e que incluem temas como a criação de uma “taxa de congestionamento” nas grandes cidades, que Jorge Vasconcelos remete para o dialogo entre o poder central e as autarquias, e que teria como meta desincentivar a utilização do transporte individual. A “aproximação progressiva” da carga fiscal do gasóleo e da gasolina também integra a lista de recomendações, a par do “agravamento” do imposto municipal sobre imóveis para prédios que se encontrem devolutos “há mais de um ano” e da transferência da contribuição audiovisual “para a fatura de serviços com afinidades mais evidentes”, como a televisão, telefone ou Internet.

Jorge Vasconcelos calcula que a adoção das 40 medidas propostas pela Comissão poderá gerar um acréscimo de receitas fiscais anuais de 200 milhões de euros, valor em que a tributação do carbono teria o peso mais elevado, na ordem de 80 milhões de euros. A despesa fiscal com os benefícios fiscais sugeridos deveria rondar 15 a 17 milhões de euros por ano. No contexto de “neutralidade fiscal” em que o relatório foi efetuado, o acréscimo de receitas provenientes de impostos seria usado pelo Governo para aliviar a carga fiscal noutras áreas, matéria que será alvo de decisão política.

O trabalho refere cinco “recomendações gerais”, incluindo o desenvolvimento da “contabilidade verde”, a harmonização e publicitação de informação ambiental, a revisão das políticas de regulação sectorial, a racionalização dos fundos ambientais e a criação de “ferramentas de análise e auxílio à decisão que combinem aspectos ambientais, sociais, económicos e orçamentais”, matéria em que “o Estado português não dispõe hoje de ferramentas, nem mesmo rudimentares, que lhe permitam elaborar políticas públicas com base em análises objectivas e integradas das dimensões ambiental, social, económica e orçamental”. A “lacuna”, adianta a Comissão, “acarreta custos ambientais e económicos difíceis de quantificar mas seguramente elevados”.

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