Felipão, Felipão e mais Felipão. Desde terça-feira que é assim. Assim que, no relvado, a maldição dos 7-1 terminou, foi como que os 23 jogadores da seleção brasileira e o treinador se sentassem à mesa. Cada um recebeu a sua fatura. E, para Luiz Felipe Scolari, o Sargentão que manda por ali, a máquina registadora foi generosa no papel — hoje, nele que está o alvo para onde se disparam todas as setas da culpa.

Falta de treinos, demasiado descanso após os jogos ou má ‘escalação’ (ou seja, onzes titulares), Scolari foi acusado de tudo e por todos. Menos por um. “Felipão é o responsável pela nossa seleção, mas não é o criador do nosso atual medíocre modo de jogar”, defendeu quem, no nome, rima com as alcunhas do seleccionador brasileiro — Tostão.

Esse mesmo, o campeão mundial pelo Brasil em 1970, que chegaria a trocar as chuteiras pelos consultórios médicos, escreveu no Folha de São Paulo que o país “criou um monstro”. Uma “praga nacional” que, diz, habituou o escrete a confiar demasiado nos craques que caem das árvores e a não produzir homens formatados para ter a bola e tratá-la bem a meio campo. Como Kroos e Schweinsteiger, por exemplo? Yup, respondeu o antigo craque da seleção.

Talvez daqui a quatro anos. Agora, Scolari e os seus 23 ainda se terão de apresentar no Mané Garrincha. Em Brasília, no estádio que, a 23 de junho, rejubilou com o 4-1 (frente as Camarões) que fechava a fase de grupos em beleza. Hoje, vai encher-se (?) para acenar o adeus que, na melhor das hipóteses, ficará colado a um terceiro lugar na Copa do Mundo que, pela segunda vez na história, o país acolheu.

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Em 1950, um fantasma azul celeste, vindo do Uruguai, impediu o Brasil de ser campeão. Hoje, uma laranja que, para ser inventora, deixou de ser mecânica, tentará obrigar os anfitriões a contentarem-se com o quarto lugar na sua própria festa. Ou não. “Acho que este jogo nunca deveria ser jogado. Há dez anos que o digo. Os jogadores não deveriam estar num jogo para o terceiro e quarto lugar. Só há um prémio que conta: o de ser campeão”, queixou-se Louis Van Gaal, holandês que já se comprometeu a ter uma relação prolongada com o Manchester United.

Vontade, parece haver pouca. Nem laranja nem amarela.

O que fazer, então? Rebobinar. Há quase 20 anos, Scolari e Van Gaal davam os primeiros apertos de mãos lá longe, em Tóquio. Foi na capital do Japão que, em 1995, o Grémio de um mais jovem Felipão (mas já de bigode), discutiu a Taça Intercontinental com o Ajax, também jovem, mas recheado de talento, de Louis Van Gaal. De um lado, a equipa tricolor de Porto Alegre, acabadinha de vencer a Copa dos Libertadores da América, e com Mário Jardel e Paulo Nunes no ataque. Do outro, os campeões europeus com Jari Litmanen, Patrick Kluivert, os irmãos De Boer e Marc Overmars. A coisa foi renhida, ninguém marcou golos em 120 minutos e só os penáltis dariam a taça aos de Amesterdão.

Talvez aí tenha começado a animosidade que se arrastou até este Mundial. Ou melhor, até às conferências de imprensa. A culpa foi da terceira jornada da fase de grupos. Os brasileiros estavam no A. Os holandeses, no B. Eram quatro jogos no mesmo dia — uns às 17h, outros às 21h. Por norma, o seria o agrupamento do Brasil a jogar mais cedo, e o da Holanda jogaria depois. Certo? Não, foi ao contrário. “Tenho sempre atenção aos factos. E, de facto, foi o Brasil quem jogou primeiro neste Mundial. Mas depois jogou o encontro decisivo depois de nós”, lamentou, na altura, Louis Van Gaal. E Scolari decidiu responder, dizendo que o holandês ou “era burro, ou mal intencionado”.

Pronto, a coisa ficou feia. Ainda trocaram mais uns galhardetes após ambos ultrapassarem os oitavos de final. Agora, poderão fazê-lo cara a cara. Não o fazem desde a tal Taça Intercontinental. Ma, entretanto, os duelos entre Brasil e Holanda não faltaram. O último, em junho de 2011, deu um nulo (0-0), e antes, no Mundial de 2010, o escrete foi eliminado nos quartos de final por um 2-1 com dois golos de Wesley Sneijder. Terá sido uma espécie de vingança já que, em 1998, tinham sido Ronaldo, Rivaldo e companhia a eliminarem a laranja nas meias-finais do Mundial de França. E logo nos penáltis.

Agora, há um jogo que os holandeses não queria jogar e que os brasileiros têm para se salvarem. O objetivo, para ambos, era vencer. Ser campeão. Pela primeira vez, para a laranja, e pela sexta, para os brasileiros. Não deu. Argentina e Alemanha meteram-se no caminho e obrigaram estas seleções a desviaram caminho para Brasília.