A ex-dirigente do Bloco de Esquerda Ana Drago anunciou este domingo a sua demissão desta força política e a renúncia ao lugar de deputada da Assembleia Municipal de Lisboa, alegando divergências sobretudo no processo de convergências políticas.

Em entrevista à agência Lusa, Ana Drago afirmou que os membros da Associação Fórum Manifesto concluíram que dentro do Bloco de Esquerda já não era possível fazer um processo de criação de alianças e de convergências, tendo em vista compromissos políticos que permitam designadamente salvaguardar aspetos determinantes do Estado social.

“Continuaremos um percurso que começámos há muitos anos juntos e vamos em busca de construir essa plataforma. O que aconteceu no sábado [na Assembleia Geral do Fórum Manifesto, que decidiu pela desvinculação do Bloco de Esquerda] era um passo necessário. Perante a perspetiva de que neste momento são urgentes soluções para o país e que não era possível tê-las no Bloco de Esquerda, concluiu-se então, como se costuma dizer, que amigo não empata amigo”, declarou Ana Drago.

Ou seja, a partir de agora, segundo a ex-deputada e ex-dirigente bloquista, “as pessoas do Bloco continuarão a sua batalha política”, enquanto as pessoas do Fórum Manifesto “partirão em busca de interlocutores e de plataformas de compromisso”.

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“Em parte, a discussão que houve dentro do Bloco sobre interlocutores e convergências já é conhecida. Entendemos que houve um conjunto de pessoas que se reuniu em torno do Manifesto 3D, que demonstraram essa vontade e esse sentido de urgência – e eu creio que é possível iniciar um diálogo com essas pessoas, assim como que em relação ao LIVRE, que nasce de um conjunto de membros que, em determinadas momentos, cruzaram os seus caminhos com o Bloco de Esquerda. Deve começar-se exatamente por aí, por esses interlocutores, que estavam já disponíveis aquando do debate europeu, pensando como é possível gizar uma solução para o futuro”, frisou Ana Drago.

Confrontada com o facto de as direções do Bloco de Esquerda e do PCP terem na sexta-feira anunciado a existência de uma ampla convergência política, Ana Drago referiu que Portugal “precisa de alguém que o defenda”.

“Nos últimos 40 anos houve um conjunto de conquistas que permitiram uma melhoria da vida das pessoas, a democratização das relações sociais e a redução das desigualdades. Há vários projetos e várias vontades políticas no espaço da esquerda – e eu respeito-as todas, porque são horizontes de transformação -, mas considero que neste momento é necessário estar disponível para segurar aquilo que, se for perdido agora, não saberemos depois como voltar a construir”, advertiu a ex-bloquista.

Ana Drago reconheceu que o PCP travou nos últimos anos “um conjunto de lutas fundamentais no regime”, mas observou que “nunca esteve disponível para esse compromisso, nomeadamente para com o Bloco de Esquerda”.

“Se estiver agora, ainda bem. A ver vamos como essa conversa corre. Eu, obviamente, já não farei parte desse desenrolar dos acontecimentos”, frisou, antes de sustentar que o problema não reside “nos nomes dos protagonistas”.

“O meu problema é, de facto, a atitude e a disponibilidade para oferecer uma resposta que, neste momento, tenha um efeito na vida das pessoas, que não seja apenas uma posição de princípio, mas que tenha consequências”, acrescentou.

Alinhar o PS à esquerda com a esquerda

A ex-dirigente do Bloco de Esquerda (BE), Ana Drago, recusou este domingo a exclusão automática do Partido Socialista (PS) na construção de uma alternativa política e criticou quem rejeita a possibilidade de exercício de governo, ficando-se pela “inconsequência” de posições de princípio.

Estas posições foram assumidas por Ana Drago, em entrevista à agência Lusa, na qual anunciou a sua demissão desta força política e a renúncia ao lugar de deputada da Assembleia Municipal de Lisboa. Questionada sobre a forma como encara eventuais entendimentos com o PS, a ex-deputada bloquista apontou “diferentes setores” nesse partido, “o que é percetível até pelo atual debate interno em curso”.

“Excluir à partida o PS de uma alternativa política que permita resguardar o país, o Estado social e permita oferecer um futuro diferente; excluir à partida o PS quando ainda está a fazer um debate interno e ainda não se sabe exatamente o que vai apresentar aos portugueses, isso é desistir da luta, é desistir de ter um Governo com uma parte da esquerda em Portugal. Acho que uma esquerda que sabe o que é fundamental tem de obviamente desafiar o PS para a construção de um eixo programático – um eixo que salvaguarde o que é fundamental e permita a construção de um futuro diferente. Esse é o desafio”, sustentou Ana Drago.

Segundo a ex-deputada bloquista, “o problema da esquerda à esquerda do PS em Portugal, durante muitos anos, foi uma incapacidade de puxar o PS para a esquerda – e obviamente também houve indisponibilidade do PS para isso”.

“Mas já não estamos em 1995 quando apareceu António Guterres, em 1999 quando apareceu o Bloco de Esquerda, ou em 2005 quando apareceu José Sócrates, porque o que está a acontecer em Portugal é um momento único, ninguém o previu, ninguém estava preparado para esta violência. O facto de estarmos a discutir a incapacidade de Portugal se voltar a reconstituir no prazo de uma ou de duas décadas torna necessário que quem está à esquerda consiga fazer um processo de análise entre o que é fundamental na nossa batalha política, o que estamos a defender e, em torno disso, construir compromissos políticos. Se não for possível, não é possível, mas esse esforço tem de ser feito”, advogou, antes de voltar a insistir: “Esse processo não pode obviamente começar pela eliminação automática de um conjunto de interlocutores, ainda antes de estar feito um processo de debate programático”, salientou.

Confrontada com a ideia de “influência de Governo” presente no comunicado do Fórum Manifesto, mas que sempre foi recusada pela parte maioritária do Bloco de Esquerda, Ana Drago contrapôs: “Se as pessoas querem ter um partido para se sentirem dentro de um grupo de pessoas, que faz um conjunto de lutas políticas, mas sem consequências na estruturação da nossa vida? Creio que os partidos servem para oferecer escolhas políticas às pessoas que tenham uma consequência na sua vida. Tem de haver uma consequência e não pode ser uma afirmação de princípios que não tenha depois uma disponibilidade para levar avante (com todos os constrangimentos que conhecemos) uma via diferente deste empobrecimento perpétuo”, sustentou a ex-dirigente bloquista.

Ou seja, de acordo com Ana Drago, “uma posição exclusivamente de princípio à esquerda, mas sem consequência alguma, tem pouca utilidade”. “Pode ser simpático para a consciência das pessoas, mas não tem consequências na vida dos cidadãos. É preciso ter forças políticas que ofereçam consequências às pessoas”, contrapôs.

Interrogada sobre o facto de defender convergências políticas com protagonistas políticos em relação aos quais membros da direção do Bloco apontam falhas graves até no plano ético, Ana Drago respondeu: “Com mais de um milhão de desempregados, com as pensões a serem reduzidas, com a privatização de setores fundamentais para a sustentação do Estado social e para o desempenho da economia, com a fragmentação do Serviço Nacional de Saúde, não creio que a incapacidade de apresentar soluções aos portugueses se baseie nas relações pessoais e nas zangas que houve no passado – e acho isso pouco responsável face ao tempo que estamos a viver”, reagiu.