A serotonina, associada normalmente aos estados de felicidade e bem-estar, também tem um papel na sensibilidade à dor. Uma equipa de investigadores liderada por Zachary Mainen, diretor do Programa Champalimaud de Neurociências da Fundação Champalimaud, demonstrou que quando a produção de serotonina era estimulada nos neurónios havia uma redução da sensibilidade à dor.
“O efeito da libertação de serotonina foi claro”, disse em comunicado de imprensa Guillaume Dugué, primeiro autor do estudo publicado esta sexta-feira pela PLOS One. “Os ratinhos onde tínhamos estimulado a libertação de serotonina revelaram um decréscimo significativo na sensibilidade à dor, quando comparados com os ratinhos do grupo de controlo.”
A equipa tem concentrado a investigação no Núcleo Dorsal da Rafe – um conjunto de células localizado numa região profunda do cérebro – cuja principal função se acredita que seja produzir serotonina, mas que também produz outras moléculas. O difícil acesso a esta zona do cérebro dificulta a investigação ao ponto de não se ter a certeza que células produziam a serotonina. “Verificámos que os neurónios individuais do núcleo dorsal da rafe são ativados por estímulos sensoriais e comportamentos motores muito diversos e específicos. A limitação para estes estudos é que não sabíamos quais destes neurónios produziam serotonina”, explica ao Observador Zachary Mainen.
Estimular neurónios com luz
Para poder estudar os neurónios que produzem serotonina, os investigadores marcaram-nos geneticamente com moléculas sensíveis à luz. Assim, recorrendo a uma técnica chamada optogenética, os investigadores podiam estimular as células com luz e induzir a produção de serotonina. “Podemos ativar especificamente aqueles neurónios através da iluminação com uma fibra óptica colocada no núcleo dorsal da rafe”, refere o investigador principal.
Os ratos de laboratório que viram os neurónios que produzem serotonina estimulados demonstraram menor sensibilidade à dor, acrescentando mais uma função à serotonina que se julga estar envolvida no controlo do sono e do apetite, no bem-estar e comportamentos sociais ou no desejo sexual. “No futuro é possível que uma estimulação específica dos neurónios que produzem serotonina possa ser usada para mimetizar a função da serotonina no tratamento da dor drónica. Mas ainda há muito trabalho a fazer para perceber que outros efeitos tem a serotonina”, diz Zachary Mainen. “Estamos a testar tanto o impacto da serotonina noutras funções como a usar diferentes técnicas optogenéticas para medir o que ativa esses neurónios.”
Tida como responsável pela sensação de bem-estar e felicidade, a serotonina é muitas vezes usada no tratamento de estados depressivos. Para aumentar os níveis de serotonina pode recorrer-se a medicamentos, mas também a uma dieta específica, ao aumento da exposição à luz ou à realização de exercício físico. Porém, não se sabe exatamente como ela atua nos casos dos medicamentos, uma vez que a serotonina produzida fora do cérebro – como o aparelho digestivo produz 80 a 90% da serotonina do organismo – não passa a barreira hematoencefálica – um filtro que impede muitas moléculas e agentes patogénicos de chegar ao cébebro. Por outro lado o excesso de serotonina também pode ter efeitos negativos: agitação, perda de coordenação motora ou dores de cabeça.