A KPMG prestou serviços de auditoria a 60 empresas do Grupo Espírito Santo (GES), entre as quais o Banco Espírito Santo (BES) e a Espírito Santo Financial Group (ESFG), circunstância que está a levantar a questão de saber se a firma não estaria em condições de ter detetado e denunciado mais cedo os graves problemas do Grupo. O problema é levantado por um artigo publicado no Wall Street Journal (WSJ), que acrescenta ter a empresa de auditoria trabalhado com três veículos sediados em offshores que intermediaram instrumentos de dívida do GES, integrados naquilo a que o Banco de Portugal qualificou como um esquema fraudulento.
As críticas à atuação da KMPG referem que a empresa estaria na posição de ter identificado os milhares de milhões de euros que estavam a circular entre empresas do Grupo e que o episódio revela os riscos de conflitos de interesses quando os auditores são pagos pelas mesmas empresas que é suposto escrutinarem. A situação, adianta o WSJ, levou o Banco de Portugal a aconselhar a administração do Novo Banco a contratar novos auditores, segundo fontes citadas pelo jornal, mas não identificadas.
Sobre este assunto, Peter Hahn, professor de finanças na Cass Business School, em Londres, afirma: “com o auditor a representar tantos papéis a questão está em saber se estava demasiado disperso para ver a dimensão total do problema ou se estava demasiado focado em obter contratos de auditoria para atuar sobre o problema”. A estas dúvidas, um porta-voz da KPMG, Brian Bannister, respondeu que a empresa responde pela “qualidade do trabalho de auditoria” que produziu para os veículos offshore em causa e que o seu desempenho foi realizado “de acordo com todos padrões profissionais e éticos aplicáveis”. A mesma fonte adiantou não existir qualquer conflito de interesses e que os tais veículos eram entidade independentes do BES.
Em 2011, sob uma recomendação não vinculativa da autoridade de supervisão portuguesa, que tem por objetivo evitar relações demasiado próximas entre auditores e auditados, o BES devia ter contratado outra firma de auditoria.
A KMPG, prossegue a investigação do WSJ, começou a prestar serviços de auditoria ao BES em 2002. Em 2011, sob uma recomendação não vinculativa da autoridade de supervisão portuguesa, que tem por objetivo evitar relações demasiado próximas entre auditores e auditados, o banco devia ter contratado outra firma de auditoria. Mas o BES decidiu não acatar a sugestão do Banco de Portugal sob a justificação de que a renovação com a KPMG preservava o “profundo conhecimento acumulado” pela auditora “sobre as operações e os riscos” do banco, fazendo o trabalho de forma “mais eficiente e produtiva”.
Em 2009, a KMPG começou a prestar serviços a dois veículos especiais, o Top Renda e o Euro Aforro Investments, registadas no paraíso fiscal de Jersey, substituindo na tarefa a PricewaterhouseCoopers. Nos relatórios de auditoria de 2006 e 2007, esta empresa tinha denunciado a forma “subjetiva” como alguns ativos do Top Renda eram avaliados. Os dois veículos tinham como atividade principal, ainda de acordo com o WSJ, comprar instrumentos de dívida emitidos por empresas do GES que depois eram transformados em títulos comercializados junto dos clientes do BES.
No ano passado, a KMPG também tomou o lugar da Price como auditora de um terceiro veículo, o Poupança Plus Investments, igualmente localizado em Jersey, e que prosseguia uma atividade semelhante à do Top Renda e Euro Aforro Investments. A responsabilidade do trabalho de auditoria aos três veículos era de Andrew Quinn que, contactado pelo WSJ, se recusou a comentar. Também Mike Davis, porta-voz da Price, não quis explicar os motivos por que a auditora renunciou ao contrato com os veículos citados.
Estas atividades, conclui o WSJ, terão sido responsáveis pelas perdas registadas pelo BES no segundo trimestre de 2014, quando o Banco de Portugal forçou a instituição financeira a constituir uma provisão de 1,25 mil milhões de euros.
As três entidades de Jersey são detidas por charitable trusts, espécie de fundações destinadas a apoiar causas sociais, e terão sido lançadas sob instruções do BES no início da década de 2000, segundo uma declaração feita por um porta-voz do Credit Suisse, banco que teve responsabilidades na respetiva gestão. A instituição helvética acrescentou que não tinha conhecimento sobre a quem eram vendidos os títulos emitidos pelos três veículos. Os reguladores portugueses, porém, acreditam que o seu papel era o de comprar dívida do GES e vendê-la aos clientes do BES. As receitas geradas eram utilizadas para adquirir mais instrumentos de dívida de empresas do GES, responsabilidades que terão sido escondidas de olhares indiscretos.
Estas atividades, conclui o WSJ, terão sido responsáveis pelas perdas registadas pelo BES no segundo trimestre de 2014, quando o Banco de Portugal forçou a instituição financeira a constituir uma provisão de 1,25 mil milhões de euros destinada a garantir o reembolso dos clientes de retalho que subscreveram os títulos que tinham como ativo subjacente a dívida emitida por unidades do GES.
O esquema só terá sido detetado pelos escritórios da KPMG em Lisboa em 2014, mas especialistas nestas matérias referem que, tendo em consideração que a firma era, em simultâneo, auditora dos três veículos e do BES, deveria ter identificado as ligações existentes e a exposição do banco. “O auditor devia estar numa posição que lhe permitisse ver todo o jogo”, afirmou ao WSJ Prem Sikka, professor de contabilidade na Universidade de Essex.