Luís bem tenta entusiasmar a plateia para os temas do empreendedorismo, mas a tarefa não é fácil. Os novos alunos do ISCTE, em Lisboa, ainda parecem atordoados, depois de terem visto dois vídeos projetados pela associação de estudantes acerca da festa do caloiro e da gala do ano passado. Efeitos visuais e sonoros, um ambiente a fazer lembrar Ibiza, música de dança e caras alegres arrancaram os maiores aplausos da sessão inaugural do “iulcome“, a iniciativa que o ISCTE organizou para receber os alunos que chegam do secundário no início deste ano letivo.
“Hoje é o dia mais feliz da vossa vida. Vocês estão no ISCTE!” O grito, repetido diversas vezes, é de Luís Martins, diretor-geral do Audax, uma associação daquele centro universitário vocacionado para o empreendedorismo e a criação de novos negócios. Arrancar sorrisos às caras dos caloiros não foi fácil, mas eles lá acabam por ceder. E em breve estão a abraçar-se, a dar beijinhos, a apertar as mãos. Ainda há poucos minutos, estas pessoas nunca se tinham visto.
O ambiente de nervosismo e vergonha era evidente antes do início do evento. Os novos alunos, vestidos com t-shirts brancas com a indicação do curso em que tinham entrado, só a muito custo, com a pressão dos alunos mais velhos, começavam a falar uns com os outros. Afinal, a transição entre a escola secundária e a faculdade é um momento único. “Assusta um bocado”, confirma Rui, caloiro de Gestão, nascido e criado em Leiria, que veio esta quarta-feira a Lisboa com os pais para concluir a inscrição no ISCTE e participar no “iulcome”. “É bom para conhecer novas pessoas e fazer amizades”, diz sobre o certame, que decorre durante três dias e desafia os alunos a desenvolverem um projeto empreendedor em diversas áreas.
A diferença entre o “iulcome” e as praxes é sublinhada diversas vezes, apesar de, à partida, os objetivos serem os mesmos: a integração dos novos alunos. “O objetivo nunca foi substituir as praxes”, afirma Márcio Fazenda, presidente da associação de estudantes que deixou os caloiros boquiabertos com os vídeos já referidos. As atividades de praxe, no ISCTE, decorrem só na próxima semana, e na segunda e na terça não há aulas para os estudantes do primeiro ano, pelo que “quem vem sabe que vai participar nas praxes”, sublinha Susana Carvalhosa, pró-reitora para a área da inovação curricular da instituição, que foi responsável pela organização do evento.
Entre os caloiros, as opiniões dividem-se. Se todos admitem estar ansiosos pelo que aí vem e nervosos por estarem num ambiente novo, o consenso sobre as praxes já é mais difícil de conseguir. “Não acho muita piada a isso, se tiver de fazer, faço”, afirma Marta, nova aluna de Gestão. Se tiver de fazer, faz – foi para contrariar esta atitude que o Ministério da Educação lançou uma campanha que visa sensibilizar os estudantes e as instituições de ensino superior para o facto de a praxe ser “totalmente voluntária”, como se pode ler no folheto que esta terça-feira começou a aparecer de Norte a Sul do país. Só que no ISCTE, nem sinal dele. “As recomendações chegaram às nossas mãos na segunda-feira à noite”, explica Susana Carvalhosa. Mas ainda não foram dadas aos alunos porque o departamento de comunicação decidiu acrescentar às brochuras a frase “A praxe é voluntária” – que aliás já estava no folheto, mas não na capa, onde se pode ler “Não és obrigado a ser praxado!”
Não são obrigados, mas ninguém quer ficar de fora. “Quando as pessoas não participam, são postas de parte”, comenta Rui, como se de uma inevitabilidade se tratasse. E acrescenta, com um sorriso: “Deve ser divertido”. Foi outra preocupação do ministério na campanha, que lembra que “a não participação na praxe não pode significar a exclusão de estudantes de quaisquer atividades académicas” e que “nenhum(a) estudante pode ser discriminado(a) por decidir não participar em atividades realizadas no âmbito da praxe”.
No ISCTE, dizem os responsáveis, nunca houve problemas de monta com as praxes académicas. Um dos alunos mais velhos presentes no “iulcome” revela ao Observador que o tema deste ano, em toda a instituição, serão os artistas e bandas – e é por esse diapasão que todos os cursos deverão afinar. Mesmo a reitoria sabe exatamente aquilo que está a ser preparado. “Estivemos sempre a dialogar com os membros da comissão de praxes”, diz Susana Carvalhosa, para quem a motivação de um evento como o “iulcome”, inédito na instituição, é a preocupação “em acompanhá-los [aos novos alunos] desde o primeiro dia”. E rejeita que a iniciativa seja uma resposta às praxes ou às recomendações ministeriais. “Nós pensámos nisto durante todo o ano que passou”, afirma, explicando que os preparativos estão a ser feitos desde junho. “Para nós era muito relevante fazer uma boa receção”, pela “influência” que terá em toda a vida universitária destes novos alunos, diz.
Trabalhar muito, festejar ainda mais
Em jeito de confidência, Marta admite que “não foi bem pelos projetos” que veio, “foi mais para conhecer pessoas”. Marlene, com quem está a conversar há dez minutos e parece ser já a sua primeira amizade na faculdade, anui: “É estranho, é o primeiro dia e não conhecemos ninguém”. Os organizadores e voluntários do “iulcome” sabem que é esse o sentimento dominante. “A ideia com este evento é que eles se conheçam e conheçam o mercado de trabalho e o empreendedorismo”, explica Ridhi, estudante mais velha que é mentora de um grupo que trabalhará o tema “aldeia global”. Para tal, os novos alunos foram colocados aleatoriamente em equipas que vão frequentar workshops específicos para desenvolverem um projeto inovador. No fim, sexta-feira, só uma equipa e um projeto sairão vencedores.
A somar-se ao trabalho, estão ainda planeadas ações de voluntariado, um peddy paper e um welcome dinner organizados pela associação de estudantes, que “não é só festas”, assevera Márcio Fazenda depois de exibir os dois vídeos. O dirigente avisou os caloiros para as muitas noitadas de estudo que os esperam e para os “receios” iniciais que vão sentir. Mas rematou: “Não vão faltar momentos de festa, é certo.” O primeiro será já na sexta, no referido welcome dinner. Os novos alunos, depois do primeiro momento de apreensão, pareciam integrar-se. É (quase) como diz o ditado: primeiro estranha-se, depois festeja-se.