Pouco se fala, mal se sabe, mas há 41 anos existiu um outro 11 de setembro. Um golpe de estado orquestrado por Augusto Pinochet, com o apoio dos Estados Unidos, derrubou Salvador Allende, o então presidente do Chile. Na altura, ficaram dúvidas sobre a natureza da morte de Allende, mas uma decisão do Tribunal Supremo em janeiro de 2014 deliberou finalmente a tese de suicídio. Antes, após o golpe, Fidel Castro propagou que Allende havia sido morto em combate com as forças de Pinochet. Vários líderes mundiais aceitaram esta versão. Em 2002, Castro retificaria a sua posição.

Segundo a versão dos tribunais chilenos, Allende estava sozinho no Salão Independência, no segundo andar do Palácio La Moneda. Sentou-se no sofá, colocou uma espingarda entre as suas pernas e apoiou o seu queixo no cano. E disparou. “Em consequência dessa ação, o seu corpo ficou numa posição tal que sua cabeça pendeu para a direita e inclinou-se sobre o tórax. A caixa craniana teve uma perda grande de massa encefálica, que ficou espalhada no chão e na parede localizada nas suas costas”, relata o texto dos tribunais chilenos.

É impossível dissociar este capítulo da história com o clima de Guerra Fria que se vivia. Depois de Cuba de Fidel Castro e Che Guevara, que afastaram Fulgencio Batista do poder (10 de março de 1952), os norte-americanos temiam o avanço de mais uma força comunista nas Américas, e por isso engendraram um plano para derrubar Allende. Richard Nixon, o então presidente dos Estados Unidos, ordenou que a CIA fizesse o que estivesse ao seu alcance para fazer tremer a economia chilena. Tudo terá começado com subornos para promover greves. Os camionistas, por exemplo, foram pagos para pararem e, assim, bloquearem a indústria e o mercado.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em 29 de junho de 1973 houve uma tentativa falhada de golpe de estado. “Vão para as vossas casas, beijem as vossas mulheres, porque o Chile continua a ser uma democracia”, terá dito então o presidente. Mas não seria assim por muito tempo. No dia 11 de setembro do mesmo ano, a história e a face do Chile mudariam para sempre. Soldados, militares e aviões da Força Aérea começaram a fazer um cerco ao Palácio La Moneda, onde estava Salvador Allende, o presidente democraticamente eleito. O líder do ataque era um antigo aliado do presidente, Augusto Pinochet, que havia sido nomeado chefe do Exército.

A vitória chegaria para os golpistas. Os Estados Unidos respiravam fundo. Afinal, aquele era um triunfo contra a URSS. Augusto Pinochet liderou o Chile entre 1973 e 1990. Foi uma ditadura militar, que violentou repetidamente os Direitos Humanos. Quarenta mil pessoas terão sido detidas ilegalmente e torturadas, enquanto mais de três mil foram mortos ou estão ainda desaparecidos.

CHILE NO SÉCULO XXI

“Allende não mediu a transcendência da Guerra Fria”. Quem o diz é Mario Amorós, o autor da biografia do antigo presidente chileno, numa entrevista ao El País, em setembro de 2013. Haverá alguma explicação para Allende não ter previsto o golpe de estado? Sim. “Mitificou as Forças Armadas chilenas como uma exceção na América Latina, como Forças Armadas patrióticas, democráticas e constitucionalistas, sem entender bem a sua dependência face aos Estados Unidos, na logística e ideologia”, explica o historiador que estudou a figura de Allende durante 18 anos.

Quarenta e um anos depois, o nome Allende continua presente na política chilena. Isabel Allende Bussi, a mais nova de três filhas do ex-presidente, tornou-se na primeira mulher a presidir ao Senado em 200 anos de história daquele país. Aconteceu em março deste ano. “Eu sei que ele ficaria orgulhoso de ver a sua filha nesta mesa presidencial”, afirmou em entrevista ao El País.

Estará Isabel a pensar em concorrer à presidência um dia? “Na política é difícil dizer ‘desta água não beberei’, mas pessoalmente eu nunca pensei em chegar à presidência. Estou bem como estou e é preciso dar espaço às novas gerações”, disse. “O legado de Salvador Allende está vivo na América Latina. Em alguns setores, mais do que nunca. Hoje em dia ninguém pode ignorar que a desigualdade não gera coesão e governabilidade. Passaram 40 anos e as pessoas continuam a lembrar com muita força.”

11 SETEMBRO de 2014

Hoje decorrerão vários eventos no Chile em homenagem a Salvador Allende. O mais importante, como não poderia deixar de ser, teve lugar no La Moneda, onde o antigo presidente cometeu o suicídio. Michelle Bachelet, a presidente chilena, encabeça a cerimónia. “Não estamos dispostos a permitir que essa cultura do respeito pela paz e direitos seja atropelada ou menosprezada por alguém. Condenamos a violência em todas as suas formas, porque no Chile não pode, e não há, espaço para o medo e o terror”, disse, lembrando os atentados recentes no país, nomeadamente o que ocorreu na segunda-feira, na estação de metro La Escuela, em Santiago do Chile.

“Cada recordação é uma razão para nos comprometermos com o nosso presente, para levar avante as reformas que o Chile exige”, explicou. Várias organizações recordarão durante o dia a vida e obra de Allende. Aqui, pode ver o que escreveu no live blog do jornal chileno La Tercera. Ou aqui, no El Mercúrio.