Há um ano, deixaram de ser o “senhor presidente”. Foram 153 os autarcas que, por estarem abrangidos pela lei da limitação de mandatos, não se puderam recandidatar às câmaras municipais a que presidiam. Um ano depois, o que é feito deles? Uns estão com saudades, ou voltaram à vida que tinham antes na advocacia, um está a ser investigado pela Polícia Judiciária, outros tentaram uma nova vida no futebol.

O ex-presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, decidiu enveredar pelo caminho dos recursos humanos. O ex-autarca da Câmara do Porto é consultor sénior da Boyden, uma empresa vocacionada para o recrutamento de quadros de alta direção, e da Neves de Almeida/HR Consulting, que presta serviços de consultoria e desenvolvimento de recursos humanos. Ao Observador, disse que a grande diferença é passar de “uma atividade pública muito visível e muito intensa para uma atividade privada normal”.

Nos recursos humanos, diz que “o principal desafio consiste em conseguir explicar ao tecido empresarial português a importância decisiva que têm os recursos humanos para o desenvolvimento das empresas”.

E saudades da vida autárquica? “Tenho saudades de fazer. De conseguir motivar as equipas de trabalho para um projeto comum. De pensar, decidir, executar e depois ver feito. Ver o trabalho no terreno e, ao mesmo tempo, ter o gosto de contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Pôr direito o que está torto. Lutar e conseguir ultrapassar os obstáculos”. Mas há um lado bom de que se viu livre, reconhece: “Não tenho saudades nenhumas de ver mentiras e meias verdades escarrapachadas nos jornais e nas redes sociais. Nem tenho saudades dos mil e um problemas que um sistema de justiça – muitas vezes politizado – traz a quem quer trabalhar e produzir”.

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Para Luís Filipe Menezes, as últimas semanas têm sido difíceis. O antigo presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia, que renunciou ao mandato de vereador na autarquia do Porto duas semanas depois de ter sido eleito, está a ser investigado por corrupção para enriquecimento pessoal e pela renegociação de um contrato de concessão de uma empresa de recolha de resíduos, ligada à Mota-Engil. De acordo com o Correio da Manhã, o social-democrata está atualmente a exercer funções de consultor na Mota-Engil e criou em fevereiro a sua própria empresa, a Luís Filipe Menezes Lopes Unipessoal, Lda, para poder prestar esses mesmos serviços de consultoria. A firma tem um capital social de 5.000 euros e procede à instrução de processos de candidatura e de recursos financeiros oriundos da União Europeia, segundo a CMTV.

Alguns mantiveram-se na vida política, como vereadores ou através da eleição para Assembleias Municipais. É o caso de Francisco Araújo (Arcos de Valdevez), Telmo Faria (Óbidos), Joaquim Raposo (Amadora) ou António José Ganhão (Benavente). Outros regressaram às profissões que exerciam antes de enveredarem pela política. Houve até quem se internacionalizasse, deixando para trás a vida autárquica, com destino a Bruxelas. O Observador conversou com alguns destes autarcas para tentar perceber o que é que mudou no espaço de um ano.

Durante 16 anos, José Estevens foi presidente da Câmara Municipal de Castro Marim. Hoje é vereador na autarquia de Tavira, no distrito de Faro, e considera que existe uma “diferença total” entre ser líder autárquico e vereador. “O presidente é o primeiro representativo do município. O vereador da oposição mal contacta com os assuntos da autarquia, se o executivo municipal usar uma estratégia de esconder a oposição”, conta ao Observador. Esconder a oposição é quando “não existe o hábito de, com toda a abertura e transparência, deixar que os vereadores da oposição tenham acesso a tudo”. Uma situação que se verifica, talvez, pelo facto de ser um vereador sem pelouros. “Nenhum dos vereadores da oposição tem pelouros. Cabe ao presidente da câmara a atribuição e contra isso não podemos fazer nada”, explica.

Sobre o que sente mais falta enquanto presidente de câmara, José Estevens é muito claro. “Deixei no município que presidia projetos e planeamento para os próximos 15 anos. O não poder dar sequência a isso, para quem gosta de fazer coisas e contribuir para o desenvolvimento da cidade, é uma frustração”. Palavras de um político que não deu pelo tempo passar e que sempre realizou o seu trabalho com “grande paixão”. Além de ser vereador, o antigo autarca reativou a sua inscrição na Ordem dos Advogados e está a fazer um “reinvestimento na aprendizagem”, já que nos 16 anos em que esteve afastado da advocacia, “muita coisa mudou nesse mundo”.

 “Ao longo de 16 anos nunca dei pelo tempo passar. Cumpri sempre o meu cargo com grande paixão. E se não havia sábados, domingos e feriados livres, não me lamentava. Fazia aquilo que efetivamente gostava”.

No caso de Fernando Ruas, a saída da Câmara Municipal de Viseu trouxe-lhe um desafio maior: uma cadeira no Parlamento Europeu. Em maio o antigo autarca, o segundo na lista liderada por Paulo Rangel, foi eleito eurodeputado. Mas Bruxelas já não era uma novidade. “Tinha um cheirinho de Bruxelas, vinha algumas vezes no âmbito do Comité das Regiões”, do qual é membro fundador. “Aquilo que dantes era uma exceção na minha vida executiva, agora faz-se diariamente”.

Apesar de “estar a gostar cada vez mais” do trabalho enquanto eurodeputado, há momentos em que as saudades do trabalho autárquico falam mais alto. “Foram 24 anos, não só como presidente de câmara. É um trabalho de proximidade. Tenho muitas saudades das pessoas que me abordavam diariamente, inclusive quando chegava à câmara de carro e queriam logo uma conversa ali na rua”, confessa entre risos. “Não me lembro de nenhum aspeto negativo que me tenha marcado”.

É certo que as saudades são grandes mas um eventual regresso à política autárquica não está, para já, nos planos do social-democrata. “No futebol usa-se muito ‘o futuro a deus pertence’. Tenho cinco anos pela frente aqui no Parlamento Europeu. Quando me libertar deste compromisso e desta responsabilidade, fico livre. Nessa altura, analisarei”, explica. Em Viseu, corre a notícia de que Ruas ainda gostaria de voltar a ser candidato à Câmara, nas eleições 2017.

Na ponta oposta do espetro, pelo menos no que toca às saudades, está Miguel Albuquerque, antigo presidente da Câmara do Funchal, atualmente a fazer campanha interna pelo PSD Madeira. “Não tenho saudades [da vida autárquica]. Costumo olhar sempre para a frente, costumo dizer que para trás é para ganhar balanço. Foram anos muito bons, acho que saí bem”, disse. “Sempre defendi a limitação de mandatos, acho que é uma coisa boa. É bom renovar as estruturas autárquicas e também é bom que os políticos entendam que são cargos temporários”.

Um ano depois da saída da autarquia do Funchal, Miguel Albuquerque mantém-se na vida política. Mas os desafios agora são maiores. Depois de ter disputado as eleições internas do PSD Madeira contra Alberto João Jardim, e que perdeu com 49% dos votos, o antigo autarca continua na corrida para a presidência do Governo Regional da Madeira. “É uma campanha interna com particularidades muito próprias, circunscrita ao número limitado de eleitores, e muito baseada no contacto pessoal. É muito cansativo mas também uma oportunidade gratificante de contactar com a realidade”, conta.

Por sua vez, Jaime Marta Soares deixou um cargo de presidência por outro. O antigo autarca de Vila Nova de Poiares é o atual presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) e está na corrida para um mandato de continuidade no cargo, com o objetivo de fortalecer a ação dos bombeiros. Anunciou a sua recandidatura no quartel das Caldas da Rainha, local que considera o seu “porto de abrigo”. Considera necessária a existência de “uma taxa que incida sobre os produtos comercializados da floresta para financiar a estrutura dos bombeiros”, entre outras formas de financiamento como “o IMI e o IRS”.

Contactado pelo Observador, o ex-presidente da Câmara de Sintra que se candidatou, em 2013, em Lisboa e perdeu para António Costa disse que “não falava da sua vida privada”. Fernando Seara regressou então à sua profissão de origem: advocacia. É sócio da empresa Correia, Seara, Caldas & Associados, e a última vez que fez declarações para a comunicação social foi como advogado de Fernando Santos, viúvo de Alexandra Neno, morta a 29 de fevereiro de 2008. Além de advogado, o antigo autarca é presença habitual em programas televisivos sobre futebol, sendo um conhecido adepto do Benfica.

Já Carlos Marta, ex-presidente da Câmara de Tondela, tentou nova vida no futebol. Em maio deste ano, ponderou candidatar-se à Liga Portuguesa de Futebol Profissional, acabou por apoiar Seara, sim, o mesmo Seara de Sintra, que acabou, no entanto, por ver a sua candidatura chumbada pelo Conselho de Disciplina da Liga.