O assessor para os assuntos constitucionais do Presidente da República, Carlos Blanco de Morais, defende que deve ser incluída na Constituição uma norma prevendo o “estado de necessidade financeira”, que condicione as decisões dos juízes, obrigando a decisões que tenham, por exemplo, de ser tomadas por “maiorias qualificadas” quando o país estiver nessas circunstâncias.
A opinião do constitucionalista foi expressa na conferência “Debates sobre a jurisprudência da crise em tempo de viragem”, que o próprio co-organizou com Jorge Miranda, na Faculdade de Direito de Lisboa. Na intervenção que fez, Blanco de Morais defendeu que para futuro vai colocar-se o mesmo problema de escassez de recursos, apesar de terminado o Programa de Assistência Económico-Financeira, e que, por isso, devia abrir-se na sociedade o debate sobre como pode o Tribunal Constitucional decidir:
“Passou, em conclusão, a ser oportuno, em próxima revisão da Lei Fundamental, debater-se a criação de um instituto equivalente a um estado de necessidade financeira envolvendo Governo, Parlamento e PR que limite os juízos de constitucionalidade a critérios de evidência manifesta envolvendo, eventualmente, maiorias qualificadas no TC.
A proposta de uma “cláusula de exceção financeira” foi recusada pelo deputado do PS, Pedro Delgado Alves. Em resposta ao secretário de Estado adjunto do ministro-Adjunto e do Desenvolvimento Regional, Pedro Lomba, também presente no debate, o deputado admitiu que há um “debate estruturante” para futuro” que tem a ver com a “conformidade do Tratado Orçamental com a Constituição”.
Além da escassez de recursos que pode originar o tal “estado de necessidade financeira”, há no entanto uma limitação legal para futuro: o Tratado Orçamental. Blanco de Morais alertou para o facto de, para futuro, o Estado continuar obrigado a responder a certas metas, apesar de o programa de ajustamento (PAEF) ter terminado. “Para o acórdão do Tribunal Constitucional, a exceção financeira termina com a vigência do PAEF. Como se não persistissem obrigações futuras contraídas com os credores, como se o Estado não estivesse vinculado ao Tratado Orçamental”, ou, acrescentou, como “se não pudessem ocorrer riscos de ordem sistémica” como o caso do BES ou da PT. Blanco de Morais referia-se ao último acórdão dos juízes que permitia a manutenção dos cortes nos salários dos funcionários públicos este ano e no próximo, mas não a partir de 2016.
Já Jorge Miranda é mais radical. Em declarações ao Observador, o constitucionalista diz mesmo que “o Tratado Orçamental devia ter sido fiscalizado constitucionalmente”.
O dilema do TC: entre a espada e a parede
Crítico em relação a alguns acórdãos, mas não a todos, o constitucionalista Blanco de Morais diz mesmo que “o Tribunal Constitucional atou-se à sua norma da ‘cláusula de transitoriedade temporalmente delimitada’ dos sacrifícios” e que a realidade, tal como o que o Constitucional tem decidido, são como “paredes letais [que] irão colidir no final de 2015″.
Ora se para Blanco de Morais, o TC até nem tem sido “ativista na jurisprudência da crise” – para o constitucionalista, grande parte das decisões que deram em inconstitucionalidades foram tomadas com “critérios de evidência” – O Tribunal terá mesmo assim um problema quando esta maioria parlamentar cair. Diz o conselheiro do Presidente que uma nova maioria tem na mesma de “adotar medidas de rigor” orçamental por causa do Tratado Orçamental e que por isso ou o Tribunal “mantém em coerência a intensidade de controlo, o que pode estimular os partidos do bloco central a reverem os seus poderes”, ou pode optar por reduzir “a intensidade de controlo, tornando-se alvo de críticas, segundo as quais atuou como contrapoder político em relação a uma maioria política de centro direita, com a qual não concordava”.
Por outras palavras deixou um alerta para quem vier a seguir: “Devem perder a ilusão aqueles que acham que podem reestruturar a dívida e repor de uma assentada os cortes como se houvesse meios financeiros. É um problema que terá de ser enfrentado e pode levar mesmo a que o TC altere a sua jurisprudência ou se altere a Constituição”.
Na última semana, depois de o primeiro-ministro ter garantido que vai tentar manter parte dos cortes dos salários dos funcionários públicos, várias foram as interpretações feitas ao acórdão que permitiu a redução salarial este ano e a impede a partir de 2016. Blanco de Morais é bastante crítico em relação ao acórdão e em declarações ao Observador lembra que nesse texto, os juízes falam do Tratado Orçamental “mas daí não retiram qualquer conclusão” e que esse é um problema para futuro uma vez que “deixa de haver o PAEF, mas passa a haver o Tratado que não pode deixar de condicionar o legislador”.
Já Vitalino Canas do PS, também presente na conferência defendeu que o acórdão é claro ao definir que os “fundamentos constitucionais que eram válidos até 2015, não são mais válidos”, referindo no entanto que “podem existir outros”, mas também diz que o TC não fechou a porta a uma reposição gradual dos cortes dos salários dos funcionários públicos: “Diz que tem de haver reposição dos salários até 2018. Essa reposição pode ser feita com algum gradualismo, o que não podem é acontecer duas coisas: primeiro que o Governo não anuncie qual o gradualismo; segundo, não pode acontecer que seja 0% em 2016, 0% em 2017 e 80% em 2018”. Pela voz de Ana Catarina Mendes, o PS garantiu já que, caso venha a ser Governo, haverá lugar a uma reposição imediata.
Já para Pedro Lomba, o problema coloca-se ao nível dos compromissos. No debate, o secretário de Estado defendeu que o TC “ocupou um espaço vazio deixado pela política”. “A maioria e a oposição revelaram uma incapacidade para o compromisso em questões sobre o processo de ajustamento. Recusaram pensar no país além do ajustamento”, disse. Mas mais, acusou o PS de por “calculismo político” ter proporcionado um maior papel do TC. Na resposta, Delgado Alves disse que não “há compromissos que permitam ultrapassar a inconstitucionalidade das medidas”.